A vida em comunhão
A primeira condição para garantirmos uma vida cristã cada vez mais robusta e salutar é mantendo uma relação íntima com Deus por meio da leitura diária da Bíblia e da oração. A segunda é que haja no seio da comunidade cristã uma comunhão íntima dos irmãos. A vida cristã não pode ser vivida isoladamente (exceto na circunstância muito improvável de se estar vivendo como náufrago em uma ilha deserta!). Aliás, depois de experimentar os prazeres de uma vida em comunhão, ninguém vai querer se privar disso!
Mesmo assim, para muita gente, principalmente quem é novo convertido, a perspectiva de tornar-se membro de uma igreja não é nada convidativa e às vezes é até constrangedora. Na verdade essas pessoas se sentem pouco à vontade na igreja. O ideal de uma comunidade multicultural parece muito bom, mas a realidade que experimentam está muito longe disso. Ninguém expressou com mais pungência esse sentimento de estranheza em relação à igreja do que C. S. Lewis. Ele escreve que quando, depois de sua conversão do ateísmo ao cristianismo, começou a frequentar a igreja aos domingos e a capela de sua faculdade durante a semana, achou a ideia de aderir a uma igreja “totalmente sem atrativos”. E explica:
Mas embora eu gostasse de clérigos tanto quanto de ursos, tinha tão pouca vontade de pertencer à igreja quanto de visitar um zoológico. Era, para começo de conversa, uma espécie de organismo coletivo, uma cansativa “reunião social”. Não conseguia entender como é que uma coisa daquele tipo poderia ter algo a ver com vida espiritual. Para mim, religião tinha mais a ver com homens bons orando sós e encontrando-se dois a dois, ou três a três, para conversar sobre questões espirituais. E depois toda aquela agitação, aquela amolação e perda de tempo! Os sinos, as multidões, os guarda-chuvas, os avisos, a agitação, o eterno planejar e organizar. Os hinos eram (e são) para mim extremamente desagradáveis. De todos os instrumentos musicais, gostava (e gosto) menos do órgão. Tenho também uma espécie de acanhamento espiritual que me torna inepto para participar de qualquer rito.1
Para quem já é membro de igreja há muitos anos ou frequentou a igreja a vida inteira, é difícil entender as dolorosas adaptações temperamentais e culturais pelas quais muitos novos convertidos muitas vezes têm de passar. É verdade que alguns não têm esse problema, pois saem da alienação em que viviam antes de se converter e encontram uma comunidade de aceitação que nunca haviam experimentado antes e que só lhes traz alívio e exultação. É com aqueles que encontram dificuldades que eu me preocupo. Precisamos ser mais sensíveis e simpáticos em relação a eles e fazer o melhor possível para tornar sua transição para a comunidade cristã a mais indolor possível. Mas temos também de encorajá-los a perseverar, já que ser membro comprometido de uma igreja é uma parte indispensável (e, uma vez adaptado, uma experiência extremamente gratificante) do nosso discipulado cristão. Como disse John Wesley certa vez, “transformar o cristianismo em uma religião solitária é destruí-lo”. Com certeza, ele possui um aspecto solitário (uma relação pessoal com Deus por meio de Cristo), mas tem também um aspecto social (comunhão com outros cristãos). O mesmo Jesus que no Sermão do Monte nos ensinou a orar em secreto (“quando você orar,vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto” – Mateus 6.6) também disse para quando orarmos dizermos “Pai nosso” (Mateus 6.9), o que só podemos fazer quando estamos junto com outros.
Nota
1 – C. S. Lewis. Surpreendido Pela Alegria. (Viçosa: Ultimato, 2015), p. 208.
Texto originalmente publicado no livro Como Ser Cristão.