Pergunta: por que o estado regula o casamento?
Lendo uma obra filosófica muito importante sobre a natureza do casamento topei com essa pergunta interessante. Compartilho para estimular a reflexão:
“Imagine um mundo no qual a lei estabelece os termos de nossas amizades comuns: você e um colega de trabalho não poderiam iniciar uma amizade entre suas cabines de trabalho sem primeiro obter aprovação do estado, que poderia negá-la por considerar você novo demais ou desqualificado em algum aspecto. Tendo estabelecida a amizade, você não poderia terminá-la sem permissão do estado. E poderia até mesmo ser forçado a pagar pelos projetos iniciados com amigos agora separados – até à sua morte, e sob ameaça de prisão.
Isso seria uma loucura, e todos vemos porque: amizades comuns simplesmente não afetam o bem comum de formas estruturadas que possam justificar a regulamentação legal. Porque, então, nós – e todas as culturas conhecidas – regulamos legalmente o casamento?”
Girgis, Ryan & George: What is Marriage? New York: Encounter, p. 15.
Em breve mais ideias sobre o assunto!
É um boa indagação. É possível que o Estado tenha passado a regular o casamento para permitir aos homens controlarem a legitimidade de sua prole (me parece que essa é a tese de Engels, se a leitura que fiz há anos não me traiu). Em se tratando do Ocidente cristão, talvez o Estado o tenha feito em substituição à Igreja. A Constituição de 1891, primeira laica no Brasil, criou o registro civil. Antes, era competência da Igreja Católica registrar casamentos. Qual a revolução? Para a ICAR, o casamento é sacramento, mas para um Estado laico jamais será. Logo, não cabe interpretar o casamento feito pelo Estado como algo além de um contrato. Se não é um laço sagrado, mas só um contrato civil, por que regular condições para celebração e rescisão? É um interessante debate que nos levará à discussão sobre o divórcio e, tema mais complexo, uniões de mesmo sexo.
Sim, acho preocupante a regulação de relacionamentos pelo Estado. Mas, no caso do casamento civil, existem vários motivos extra afetividade para o Estado legislar. O casamento, que tende a ser uma comunhão de pessoas inclusive patrimonial, interfere em vários negócios civis como compra de imóvel, sociedades, herança, responsabilidade de filhos e de dívidas, direito de representação de um cônjuge pelo outro etc. Por esses motivos é que se passou a regular a união estável. Ou seja, as próprias pessoas “cobram” a regulação almejando a proteção estatal diante dos efeitos colaterais dos relacionamentos.