Chesterton e a Epistemologia da Ortodoxia
E de novo acertou o impagável Chesterton!
Ao longo de minha ainda curta trajetória como teólogo e pastor, encontrei um sem-número de vezes aquele tipo, descrito por ele, que defende com vontade e com uma consistência exasperante a racionalidade de uma visão simplista do real.
Simplista, seja ele quem for: do ateu ao fundamentalista evangélico, aquele tipo estereotipado, apologético, que segue com lógica inflexível e fatal uma idéia que, obviamente, se não é falsa, é unilateral. Não que seja sempre inconveniente a lógica inflexível; mas é que ela é como a beleza: pode-se ser belo e mau. Ou feio e bom.
Sabedoria é reconhecer quando um argumento é lógico mas falso, e quando é construtivamente feio mas verdadeiro. Feio na forma, na formulação, na fôrma discursiva. Torto, desengonçado, balbuciado – mas verdadeiro, e daí?
Sim, para ser justo, preciso reconhecer que a verdade também é feia, às vezes. Mais vale um pouco de realidade feia do que muita falsidade bonita. E para ser justo, preciso reconhecer que às vezes a consistência lógica conduz a uma conclusão feia (e não bela) que é verdadeira. Mas, no caso, a beleza da consistência lógica está em mostrar a feiúra da realidade. Palmas para ela. Sua beleza serviu à verdade. No fim, a simetria lógica ainda tem um tipo de beleza, antecipando a harmonia proporcional da matemática e, assim, da música, como criam os Pitagóricos.
Quem me dera fosse sempre assim. No mais das vezes, vejo pessoas embelezando argumentos para defender bobagens como o ateísmo, o comunismo, o individualismo ou a irrelevância da ciência para a fé (onde fundamentalistas e Dawkinianos se beijam). Ora, ora, vaias para essa consistência lógica. Sua beleza serviu à mentira. Mesmo que seja bonitinha, consistente, proporcionada, não passa de mulher da vida…
Este é o “círculo” denunciado na epistemologia de Chesterton: pode-se andar por ele até o infinito, mas ainda assim o movimento se dará em um círculo minúsculo. Minúsculamente infinito, fechado para si mesmo, incurvatus in se (Lutero).
Como o materialista que nega a realidade da personalidade humana, com a qual acorda e vai dormir todos os dias, porque não é consistente com seu “sistema”. Ou o marxista que dorme e acorda todos os dias com a realidade de que o homem é irredutível aos “meios de produção” mas quer negá-la, porque não concorda com o “sistema”. Ou como o criacionista-científico-da-terra-jovem, que acorda e vai dormir todos os dias com a massa de evidências da longa idade da terra, mas prefere apostar num relativismo epistemológico a dar crédito à comunidade científica (exceto, naturalmente, quando ela confirma algo escrito na Bíblia. Daí, de repente, as regras mudam), porque não concorda com o “sistema” (filosófico). Ou como o teísta-aberto que rejeita a idéia de Soberania de Deus porque ela aparentemente não concorda com o “amor de Deus” (embora ambos sejam ensinados na mesma Bíblia), ou o calvinista que confunde a Soberania de Deus com determinismo metafísico, igualando-se ao materialista na negação da liberdade humana. E assim por diante: eliminando todos os paradoxos e todos os mistérios, deixando o bom senso em nome da consistência puramente abstrata.
É que nós temos “razões teóricas” e Deus tem a “Razão”, e elas não são idênticas. Podem ser analógicas, mas não iguais. É justo ter boas razões, mas precisamos ter senso de proporção e submeter o pensamento à existência, do contrário nos tornaremos fechados e incorrigíveis, seja para o lado do dogmatismo teórico, seja do relativismo (dogmático).
Se precisar escolher entre a consistência permitida pela sua biblioteca e bom senso, fique com o bom senso. Não perca tudo para ficar só com a (sua) “razão”.
Tanto conteúdo em tão poucas linhas.
Uma pena perceber que poucas pessoas investiram seu tempo nestes parágrafos!
Obrigado Guilherme.
Chesterton estava correto, mas acho que você não entendeu o que ele quis dizer. Chesterton quis dizer que ambos, ateu e teísta estão errados, o correto é encontrar a harmonia entre os dois. E nada mais harmônico do que a crença em uma força vital, que não seja pessoal. Em outras palavras: dizer que existe um deus consciente que criou tudo e todos, sem evidências é tão ignorante e arrogante quanto dizer que não há nada e que todos viemos do acaso. Quando você usa a bíblia para defender um ponto de vista, como fez no seu texto, já está sendo demasiadamente extremista. O que torna a bíblia correta? Como você sabe que a bíblia foi inspirada por deus?
Tente responder essas perguntas com sinceridade, para você mesmo e reflita sobre o que escrevi.
Caro Fernando,
de forma alguma! Chesterton era um Cristão Católico Romano confesso, ortodoxo e bem-informado, e era muito explícito sobre a sua crença em um Deus pessoal, como fica claríssimo em várias de suas obras. De modo que sua sugestão sobre o que ele quis dizer é absolutamente impossível!
Quanto a afirmar a crença em um Deus pessoal, não se trata de ignorância nem arrogância. Devo dizer que é um pouco precipitado fazer essa afirmação desconhecendo as razões porque a fé Cristã tem afirmado essa crença, e pior: supondo gratuitamente que eu o faça sem evidências. Porque há evidências, sim; há um corpo de evidências suficiente para garantir a racionalidade dessa conclusão. Mas eu iria até mais longe: de onde você tirou essa ideia de que apenas crenças com evidências publicamente acessíveis são crenças racionais ou, para usar sua linguagem, crenças “humildes”? Farejo sérios problemas epistemológicos…
Finalmente, quanto à Bíblia haveria muito o que dizer; mas vou apenas apontar uma escorregadinha: eu nem usei a Bíblia para defender o argumento do artigo! Eu creio na Bíblia sim, mas isso é outra história, e afeta muito pouco o meu argumento.
Falando com sinceridade, acho que algum tipo de preconceito pode estar levando você a fazer uma leitura pouco simpática do meu texto. Mas eu compreendo; vivo fazendo isso também!
Fernando, de fato a última coisa que Chesterton sustentava era um tipo de equilíbrio entre “ateísmo e teísmo”, sua postura apologética era exatamente uma oposição teísta explícita ao materialismo e naturalismo ateísta/deísta.
Guilherme, brilhante!!! Como sempre. Não perca seu tempo discutindo com aqueles quenperderam tudo exceto a razão…
Esses dias estão difíceis. Tirou daqui. Falou ( pra falar na minha Igreja tem de ser do sexo Masculino, misericórdia Senhor). Calar eis a questão. Ainda bem que o Guilherme pode falar de forma brilhante. Parabéns! Que o Senhor continue te abençoando e te dando discernimento, sabedoria, humildade.
O calvinista que defende o determinismo talvez não seja a situação mais grave de todas as descritas, mas é a que mais dói no meu coração. Talvez porque seja uma realidade mais próxima…
Bom texto! Abraços!
valeu, abraços!
Prezado Guilherme,
Quando puder, em poucas linhas e com a coesão textual que lhe é de praxe, fale um pouco p/ nós sobre o “libre-arbítrio” e a “onisciência” de DEUS, conforme o nosso saudoso “Jack” expôs em seu clássico apologético: “Cristianismo Puro e Simples”. Penso que muitos “batem” nos calvinistas sem entenderem bem o que vem a ser essas duas “coisitas” que suscitei. Mais: Hodiernamente, penso que este tema precisa ser revistado, ensinado e demonstrado aos nossos irmãos na fé. O faço o pedido pq sei que o irmão é conhecedor e admirador de LEWIS, razão pela qual, poderia nos ensinar e presentear um pouco mais com sua sapiência. Um abraço. Que DEUS o abençoe!
Rapaz, quem sabe um dia? 😀 por hora não dou conta…