Religiosos, mas indesculpáveis

Religiosos, mas indesculpáveis

 

Texto básico: Romanos 2.17–3.1

Leitura diária
D Lc 3.1-9: Arrependimento necessário
S Hb 11.1-6: A importância da fé
T Fp 2.12-16: Como luzeiros
Q Sl 51: Culto e obediência
Q Mt 11.20-24: Conhecimento responsabilizador
S Lc 12.47,48: Um julgamento justo
S 1Sm 15.22,23: O melhor sacrifício

Introdução

A Páscoa é, juntamente com o Natal, uma das festas religiosas mais celebradas no Brasil. Mas é demais sabido que há muito tempo ela se tornou para a maioria apenas um evento comercial. Vários segmentos da indústria e do comércio tratam de aproveitar a ocasião e muita gente só se preocupa com o tamanho do ovo que vai conseguir comprar (ou ganhar). Há também os que vêem no ocasião um oportunidade para ir à igreja, quebrando um jejum de muitos meses e assim, supostamente, cumprindo as suas obrigações religiosas.

Tanto o materialismo quanto o formalismo invadem o meio cristão resultando no nominalismo, ser cristão só de nome, como se isso bastasse para a nossa salvação. Esse é um mal muito mais freqüente e sutil do que imaginamos, podendo se manifestar das mais diversas formas.

Paulo alerta quanto ao perigo do ritualismo religioso vazio ou do conhecimento meramente intelectual. O tempo todo ele procura despertar os leitores para o fato de que somente o evangelho é o poder de Deus para a salvação, por isso, não podemos depender de mais nada para nos livrar da ira divina. O nosso estudo de hoje descreve algumas atitudes que caracterizam um cristão nominal. Vejamos:

I. Profissão de fé sem vida

Paulo já havia ensinado que todos são indesculpáveis diante de Deus. Essas palavras foram dirigidas diretamente aos gentios, ou seja, aqueles que não possuíam a Bíblia ou não tinham o conhecimento do evangelho, como é o caso de muitas nações hoje em dia.

Agora, o apóstolo se dirige aos “crentes” de sua época. O povo judeu que havia recebido as Escrituras e fora testemunha das manifestações de Deus. O seu objetivo também é demonstrar que isso por si só não garantia a salvação deles. Se neles não houvesse arrependimento e fé em Jesus Cristo, também seriam condenados. Logo, tanto para aqueles que nunca ouviram do evangelho, como para aqueles que vivem num ambiente onde ele é pregado livremente, a salvação é somente por meio da fé em Jesus Cristo.

a. Orgulho espiritual

Os judeus orgulhavam-se da sua nacionalidade (Lc 3.8; Rm 2.17) e do conhecimento que possuíam da revelação divina (Rm 2.23). Criam que esses eram motivos mais do que suficientes para lhes assegurar a salvação. Prova incontestável de orgulho espiritual. No entanto, esse é um sentimento que também tem sido compartilhado por muitos cristãos nos dias de hoje. Não são poucos que crêem que, por terem nascido num país de tradição cristã, são automaticamente participantes do povo de Deus. Já outros depositam toda a sua esperança na sua denominação ou corrente teológica, na sua tradição familiar, conhecimento bíblico, experiências carismáticas ou postos de lideranças. Como podemos ver, corremos os mesmos riscos dos judeus dos dias de Paulo, nos orgulhar da nossa condição “espiritual”.

b. Mau procedimento

Quanto a essa situação, o apóstolo critica duramente os religiosos de seu tempo, destacando que um mero nominalismo não tem poder para salvar a ninguém. Pior ainda se for acompanhado do mau procedimento.

O que o texto bíblico ressalta é que os judeus que se orgulhavam do seu sistema religioso e do conhecimento escriturístico eram os mesmos que davam um péssimo exemplo de conduta diante daqueles que não conheciam a Deus. Assim, eram reprovados exatamente no que exigiam. Jesus já havia dito algo semelhante, quanto orientou o povo a fazer o que os escribas e fariseus ensinavam, mas a não copiar as suas atitudes (Mt 23.3).

Estamos todos sujeitos ao mesmo tipo de influência e tentação. Não são poucos os casos atuais de escândalos e mau procedimento, envolvendo pessoas expostas na mídia como representantes dos evangélicos, ou nós mesmos em nosso quase anonimato. O mesmo aplica-se também a líderes em geral e aos pais. Há uma grande responsabilidade sobre aqueles que se dizem conhecedores do evangelho ou que levam o nome de cristão. Aliado ao conhecimento deve haver também o procedimento coerente (Ef 4.1).

c. Motivo de zombaria

Paulo disse a esses judeus que por causa do seu mau procedimento, o nome de Deus era blasfemado entre os descrentes (Rm 2.24). Israel falhou em ser a luz de Deus para as nações (Ez 5.6a) e o que era para ser a casa de oração para todos os povos (2Cr 6.32; Is 56.7; Mt 21.13) se tornou muitas vezes uma vergonha.

O mundo deveria perceber a existência de Deus por meio da santidade de Israel e da proteção de Deus ao seu povo em tempos difíceis. Mas, devido ao seu pecado, Israel foi em muitos momentos abandonado a sua própria miséria, o que levou as nações em volta a blasfemarem o nome de Deus (Ez 5.15). Além do que, em muitas ocasiões, o povo de Deus teve um padrão moral mais baixo do que o dos povos pagãos a sua volta (Ez 16.51, 52, 56, 61; Mt 11.23).

Como denunciado acima, não vivemos uma situação muito diferente nos nossos dias. Por isso não desfrutamos mais da simpatia com que a igreja em Jerusalém contava (At 2.47). Fazemos muito mais mal ao Cristianismo por meio do mau procedimento do que os próprios descrentes. Se observarmos, não agem as nações com tradição cristã em total desacordo com a Palavra de Deus? De onde vêm as leis à favor da união civil homossexual e do aborto? Onde há o maior índice de pornografia e exploração econômica das nações menores? Quem está fazendo mais mal ao planeta com sua atividade industrial danosa à atmosfera? Onde há o maior número de divórcios e adolescentes grávidas? De onde vem às dúvidas lançadas à Bíblia como Palavra de Deus? Não vêm exatamente de países com uma história e tradição cristãs? E no Brasil, por que as igrejas não estão na linha de crédito financeiro, tanto como os hospitais e partidos políticos? Por que será que em muitas situações é constrangedor se dizer pastor? Isso é o que significa o nome de Deus ser blasfemado entre os descrentes por causa daqueles que se orgulham de serem cristãos.

II. Ritualismo sem obediência

O problema que acabamos de mencionar é apenas conseqüência de mais um outro: a falta de obediência. O ritualismo era praticado, como nas celebrações religiosas de hoje em nosso país, mas desacompanhado da obediência exigida, como também aqui ocorre, perigo ao qual estamos todos sujeitos.

a. Confiança no ritualismo

A circuncisão havia sido dada a Abraão como selo e sinal da fé que ele demonstrara em Deus. Ela era uma realidade externa que acompanhava outra interna. Porém, aquilo que era sinal, passou a ser mais importante que a coisa significada, ou seja, a fé e a entrada na comunidade do pacto. Havia uma confiança por parte dos judeus que o simples fato de ser circuncidado era garantia mais do que suficiente de ser participante do reino de Deus.

O ser humano tende a ser ritualista e a depositar a sua segurança espiritual na prática desses rituais. Assim foi para com os judeus e é assim também nos nossos dias. Mudam-se os rituais, mas o erro é o mesmo.

Não que os rituais não sejam importantes e devam ser dispensados. Eles têm o seu valor e significado, principalmente os ordenados por Cristo (ceia e batismo), mas também toda a prática da igreja ao longo do ano, o que inclui a Páscoa, o Natal e outras comemorações. Porém, o perigo é depositarmos a nossa confiança simplesmente na participação desses rituais ou no sacramentalismo.

Percebemos também o mesmo perigo quando se trata de liturgia ou estruturas eclesiásticas. Encontram-se em lados opostos os “tradicionalistas” e os “inovadores”, cada qual, muitas vezes depositando a sua total confiança nas aparências externas dos rituais praticados. Não estamos dizendo que não deva haver critérios bíblicos e teológicos para tudo o que é realizado dentro do culto e que o ritual não seja importante, e sim, alertando para o perigo espiritual que corremos ao depositar a nossa esperança no ritualismo, tenha ele a aparência, tradição ou tendência que for.

b. Importância da realidade interna

Como já frisamos, Paulo não está desprezando a prática da circuncisão. O que ele está fazendo é demonstrar a realidade interna que ela representa. Hoje, o equivalente é o batismo, uma instituição divina, tal como fora a circuncisão. Não será o ato em si que garantirá a salvação, mas o mesmo deve indicar em quem a graça de Deus já operou para a salvação.

Essa é a realidade interna que deve ser buscada e valorizada. É o que a Bíblia chama de circuncisão do coração, uma seja, uma purificação e aparência não apenas externa, mas principalmente interna (Dt 10.16; 30.6; Jr 4.4; 32.39; Ez 11.19; Rm 2.29; 1Co 4.5; Gl 6.15; Fp 3.3).

Isso é tão importante no nosso relacionamento com Deus, que o apóstolo chega a afirmar que quem pratica o ritual externo, mas não vive de acordo com o que esse ritual significa, é como se nunca o tivesse praticado (Rm 2.28,29). Além do que, o mesmo só servirá como um agravante na hora do juízo final, tendo inclusive como testemunhas de acusação aqueles que nunca receberam o sinal externo e tiveram uma conduta muito mais louvável (Mt 12.41,42; Lc 11.31,32; Rm 2.27).

c. A necessidade de obediência

O que se conclui então até aqui, é que aquilo que o Senhor requer de nós é a obediência. Muito mais do que todos os rituais, sacrifícios ou qualquer coisa que venhamos a oferecer. Em outras palavras, a obediência é o melhor ritual que podemos oferecer a Deus (1Sm 15.22,23; Sl 51.16,17; Is 1.11-17; Jr 9.25,26; Os 6.6; Mt 9.13; 12.7). Esse é o ensino unânime da Lei, dos Profetas e dos Salmos. Este foi o ensino de Jesus Cristo, transmitido também por seus apóstolos. Essa é a principal base sobre qual seremos avaliados por Deus. A nossa obediência terá muito mais valor do que todos os rituais que tenhamos praticado.

III. Desequilíbrio entre conhecimento e fé

É importante observarmos aqui que o apóstolo Paulo não está dizendo que o povo de Deus no Antigo Testamento não era um povo privilegiado. Deus havia feito uma aliança com eles e também lhes havia dado a revelação por meio dos profetas, ou seja, eles tinham um conhecimento de Deus que outras nações não possuíam. O problema, é que todas essas vantagens foram anuladas por causa da desobediência, do mau procedimento e da incredulidade. Logo, esses privilégios se tornaram em agravantes diante do julgamento de Deus, pois a quem mais é dado, também mais é cobrado (Lc 12.47,48; Tg 3.1). Sobre a relação entre conhecimento e fé podemos fazer as seguintes observações:

a. Fé sem conhecimento

A religiosidade de Israel passou por fases distintas. Houve momentos com uma grande demonstração de religiosidade por meio de sacrifícios, cerimônias e ofertas. Em termos populares, podemos dizer que o povo tinha fé. No entanto, numa avaliação rigorosa, o profeta Isaías denuncia que todas essas demonstrações religiosas eram vãs. A razão? Faltava o verdadeiro conhecimento de Deus (Is 1.3; 5.13; 27.11). Simultaneamente Oséias também pregava a mesma mensagem (Os 4.6), porém no Reino do Norte (Israel), enquanto Isaías pregava no Reino do Sul (Judá). Nos dias do profeta Oséias, o povo não havia deixado de ser religioso, mas incorporara elementos pagãos em sua adoração. Sua fé era uma mistura das prescrições de Deus com os costumes da idolatria pagã. Havia demonstração de religiosidade, mas sem o verdadeiro conhecimento de Deus.

Situação semelhante vemos na conversa de Jesus Cristo com a mulher samaritana. O Senhor afirmou que os samaritanos adoravam o que não conheciam (Jo 4.22). Esses relatos têm um significado importante. Por meio deles aprendemos que é possível o homem ser totalmente religioso, praticar atos que ele mesmo chama de demonstração de fé e ainda assim ter um total desconhecimento do Deus que ele diz adorar. Quando isso acontece, não temos nada mais do que um misticismo vazio. Infelizmente essa é a grande tendência dos nossos dias. Multidões em suas práticas religiosas, encontros eufóricos e entusiasmados, porém pouquíssimo conhecimento do Deus verdadeiro e da sua vontade.

b. Conhecimento sem fé

A religião de Israel também foi marcada em outras épocas por um relacionamento diferente entre fé e conhecimento. Enquanto nos dias de Isaías e Oséias foi denunciado o misticismo vazio, ou seja, a fé sem o conhecimento, em outros períodos, aconteceu o contrário, o conhecimento sem a fé.

Um exemplo claro disto é a geração de israelitas que peregrinou no deserto. Eles tinham visto as pragas no Egito, haviam passado pelo meio do Mar Vermelho a pé enxuto e recebido a palavra que lhes fora anunciada. No entanto, apesar de todos esses ensinamentos, eles foram duros de coração. Esse é o motivo pelo qual o escritor aos Hebreus diz que apesar de as boas-novas terem sido anunciadas a essa geração do deserto, nada lhes aproveitou por falta de fé (Hb 4.2).

Outro exemplo que temos dos judeus é dos dias Jesus Cristo, mais especificamente com os escribas e fariseus. O próprio Jesus reconheceu que eles estudavam as Escrituras, no entanto não criam nele (Jo 5.39-40).

Essa situação é algo que pode também acontecer em nossos dias. Pessoas que têm um conhecimento erudito da Bíblia e da teologia, porém não crêem em Deus como ele mesmo se revelou e nem lhe obedecem aos mandamentos. Logo, possuem conhecimento, porém sem fé, o que causa o desagrado de Deus (Hb 11.6).

c. Conhecimento com fé

Percebemos então, que para fugir de um nominalismo cristão, devemos manter um equilíbrio entre o conhecimento que temos da revelação de Deus e também a fé em suas promessas, resultando numa vida de obediência e de procedimento digno. Se negligenciarmos essas práticas, corremos o risco de nos ensoberbecermos por causa do nosso conhecimento e ele passar a ser um fim em si mesmo, ou então corremos o risco de termos uma fé apenas mística. Nesse caso, creremos não nas promessas de Deus, e sim em nossas próprias sensações, anseios ou intuição. Elas seriam legítimas, se orientadas pelo conhecimento da Palavra. Como âncora da fé, levam-nos para o fundo.

A fé cristã não é um salto no escuro, pois conhecemos em quem cremos. E o Cristianismo não é um sistema filosófico estéril, pois o verdadeiro conhecimento de Deus nos leva a confiar nele e a crer em suas promessas.

Conclusão

É hora de festa. Vamos celebrar a ressurreição, no domingo de Páscoa. Mas nada de ovinhos de chocolate e coelhinhos roubando a cena. Nada de esvaziarmos a celebração. Nossas festas nada serão se não forem acompanhadas por um conhecimento verdadeiro e uma fé genuína, demonstrada em obediência aos mandamentos bíblicos. De uma maneira mais particular, esse deve ser o nosso objetivo, tanto em termos de igreja local, como na nossa vida pessoal.

Há uma grande urgência em tratarmos deste tema, pois, a semelhança dos judeus nos dias de Paulo, muitos repousam num Cristianismo nominal que a ninguém salva. Pelo contrário, ainda denigre a imagem do evangelho. Que o Senhor nos conceda vivermos um Cristianismo autêntico e verdadeiro.

Aplicação

Faça um exame pessoal (2Co 13.5) quanto ao Cristianismo que você tem vivido. Em algum momento ele tem sido apenas nominal? Apenas cerimônias e programas? O que você deve fazer para mudar esta realidade?

>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, em revista para escola dominical da série Palavra Viva, com base no livro A Obra Consumada de Cristo, de Francis A. Schaeffer, da Editora Cultura Cristã. Usado com permissão.

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3 Comentários para “Religiosos, mas indesculpáveis”

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