A igreja para o mercado

A IGREJA PARA O MERCADO

 

Texto Básico:  Lucas 6.1-10

 

LEITURA DIÁRIA
D Lc 6.1-10 – A prática para vida
S 1Co 14.1-34 – Show sem graça
T 1Co 1.17-29 – O bom e velho caminho
Q Mt 7.19-23 – Não basta fazer e acontecer
Q Mt 7.24-27 – Base sólida
S Êx 25 – Do jeito que Deus gosta
S 1Cr 13 – Prático, mas funcionou?

 

INTRODUÇÃO

Para o mundo, verdade é aquilo que funciona. Isto se chama pragmatismo. É preciso admitir que os filósofos pragmáticos, talvez, não tivessem a intenção de simplificar tanto as coisas e considerassem muitos outros elementos envolvidos nesta discussão; mas, no fim das contas, a partir da perspectiva pragmática, é difícil não admitir que “verdade é o que funciona ou o que é útil”.

Se a verdade é julgada em termos de resultado, então ela não é fixa nem imutável, mas depende da circunstância, sendo determinada pela sua praticidade em termos de resultado. Esta é a principal lei do mercado de consumo. Os produtos que devem ser oferecidos são aqueles que as pessoas desejam comprar. É claro que não podemos nos esquecer de que, no mercado de consumo, muitas vezes o próprio mercado dita, por intermédio da mídia, aquilo que o grande público deve querer. Assim, o mercado diz aquilo que as pessoas devem comprar e depois produz essas mesmas coisas para que sejam consumidas. De certa forma, isso é necessário para que o mercado sobreviva; afinal, eles têm de ter lucro. Mas a pergunta é: e a igreja? Ela deve agir da mesma forma?

 1. O MERCADO EVANGÉLICO

A igreja cristã tem sido grandemente influenciada pelos conceitos pragmáticos. Para muitas igrejas, se algo “funciona” então é verdadeiro. Se a igreja enche, não importa que meios estão sendo usados para isto; pois, se está dando certo, é porque é a vontade de Deus.

A vontade de Deus para muitos cristãos já não é algo explícito e objetivo, mas perfeitamente adaptável às situações. O ditado popular ganhou força: “a voz do povo é a voz de Deus”. Ou seja, se está agradando as pessoas, e elas estão sendo influenciadas, então está correto.

Na verdade, o que dita as regras não é o que está escrito na Bíblia, mas aquilo que, do ponto de vista humano, funciona. Como disse John F. MacArthur, “o pragmatismo está em voga; o compromisso com a verdade bíblica é desprezado como sendo uma fraca estratégia de mercado”.[1] De fato, é o “mercado” quem dita as regras.

Cada vez mais a pregação da Palavra de Deus cede lugar para novos métodos como teatro, coreografia, comédia, shows de rock, e outras formas de entretenimento. Estes métodos são considerados como corretos porque atraem multidões, independentemente de serem bíblicos ou não. A “velha” pregação da Palavra não é mais considerada uma boa estratégia de mercado, caso não foque o “cliente” – ou seria o ouvinte?

A cada momento, os grandes ícones da “mídia evangélica” aparecem com um novo slogan quese torna, automaticamente, a verdade do momento. É “tempo de colheita”, “tempo de se apaixonar”, “tempo de restituição”, “tempo de cura”, etc. Isso dura até que apareça outra mais interessante e que dê mais resultados. O mercado sempre precisa de novidades. Slogans velhos perdem o poder de atração e não conseguem mais vender os produtos anunciados.

O número de evangélicos no Brasil cresce bastante e isto tem chamado a atenção das pessoas, especialmente de muitos especuladores que não têm qualquer interesse na fé evangélica, mas muito interesse no dinheiro dos evangélicos. Existe um mercado de produtos evangélicos, no qual muitas empresas já descobriram e começaram a produzir todo tipo de objetos para evangélicos.

Pior ainda é quando muitas pessoas vêem nisso uma oportunidade de enriquecimento e de fama. Não é incomum vermos artistas decadentes se “converterem” em alguma igreja e logo lançarem algum produto para ser vendido sob a marca deles. Não negamos que alguns famosos realmente parecem ter sido convertidos; mas, quando demonstram muita pressa em vender seus produtos, as pessoas deveriam ser mais cautelosas. Freqüentemente ouvimos falar de artistas que fazem parte de alguma igreja, e não menos freqüente os vemos envolvidos em escândalos.

 2. AUMENTANDO O CAMPO DE JOIO

Muitos justificam estas práticas dizendo que é a única forma de alcançar o mundo, pois as pessoas não querem mais ouvir pregações bíblicas, e por isso é necessário lhes dar o que desejam, a fim de trazê-las para a igreja e convertê-las.

É preciso reconhecer que a pregação tem perdido o fascínio que exercia no passado.[2]

Muitos a consideram ultrapassada, especialmente depois do invento da televisão e da multimídia. Mas as pessoas têm esquecido que salvar os homens pela loucura da pregação é o método divino (1Co 1.21), pois, como disse J. F. MacArthur,

Os que desejam colocar a dramatização, a música e outros meios mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte: Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que a sabedoria deste mundo considera como loucura.[3]

É claro que isso não significa que os pregadores não possam usar meios mais modernos para transmitir a mensagem bíblica, como a multimídia, por exemplo, mas devem cuidar para que a inovação não substitua a mensagem.

O esvaziamento da pregação bíblica e a substituição dos elementos bíblico-tradicionais pelos pragmáticos métodos de crescimento de igreja têm de fato feito a igreja crescer, mas parece que a única coisa que tem aumentado neste campo é o joio. Pois se não há pregação verdadeira não há conversões verdadeiras. Paulo disse: “E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? (…) E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.14,17).

3. LIBERALISMO DE MERCADO

De certo modo, os vários tipos de liberalismos que têm existido dentro da igreja também são essencialmente pragmáticos e seguem a tendência de mercado. O liberalismo moral, por exemplo, é pragmático quando diz que, por Deus ser amor, nosso pecado não importa, pois ele nos aceitará de qualquer forma. Lutar contra o pecado é difícil, e a idéia de um Deus vingador só traz mais sofrimento; então, muitos desejam ver esses conceitos abandonados. Abandona-se a idéia da justiça e enfatiza-se a idéia do amor de Deus. Esta é uma forte tendência de mercado que sempre atrai pessoas.

O grande problema com este pragmatismo é que está construindo uma casa sobre a areia. A única preocupação é o edifício que pode ser visto, para o que não se economiza esforços para a fachada, enquanto se esquece das fundações. A fé pragmática não suporta os testes da vida (Mt 7.27).

Quando dizemos que o pragmatismo e as tendências de mercado são males para a igreja, não estamos rejeitando o funcional ou algumas inovações na igreja ou, ainda, que não se possa agradar as pessoas na igreja. Errado é desrespeitar os princípios bíblicos em busca de resultados, querendo agradar as pessoas sem se preocupar se Deus é quem está sendo agradado. O simples fato de que as pessoas estejam se agradando de algo não significa que Deus também está. Segundo a Bíblia, a voz do povo não é necessariamente a voz de Deus.

 4. APROVEITANDO O SÁBADO

Talvez a atitude mais pragmática de Jesus tenha sido em relação ao sábado. Lucas, no capítulo 6 do evangelho, relata dois acontecimentos no dia de sábado que serviram de grande polêmica entre Jesus e os fariseus. Ele descreve: “Aconteceu que, num sábado, passando Jesus pelas searas, os seus discípulos colhiam e comiam espigas, debulhando-as com as mãos. E alguns dos fariseus lhes disseram: Por que fazeis o que não é lícito aos sábados?” (Lc 6.1,2). Os discípulos receberam um verdadeiro flagrante dos fariseus. De onde surgiram esses homens? Talvez estivessem espionando de longe para ver o que Jesus e os discípulos faziam. O problema na atitude dos discípulos, que os fariseus identificaram, não estava no fato de colher as espigas e comer, pois era permitido que viajantes tirassem algo dos campos para satisfazer sua fome (Dt 23.25). O problema é que a ação foi feita no sábado.

Os fariseus conseguiriam encontrar até quatro quebras da lei naquele ato dos discípulos: 1) quebrar as espigas; 2) esfregar com as mãos; 3) jogar as palhas ao lado; 4) preparar uma refeição.[4] A pergunta deles é categórica: “Por que fazeis o que não é lícito aos sábados?”. A resposta de Jesus foi pragmaticamente sadia. Ele usou um exemplo para explicar o que pretendia dizer: “Respondeu-lhes Jesus: Nem ao menos tendes lido o que fez Davi, quando teve fome, ele e seus companheiros? Como entrou na casa de Deus, tomou, e comeu os pães da proposição, e os deu aos que com ele estavam, pães que não lhes era lícito comer, mas exclusivamente aos sacerdotes?” (Lc 6.3,4). Jesus citou a ocasião em que Davi e seus homens, fugindo de Saul, esconderam-se no templo e comeram do pão sagrado que somente os sacerdotes podiam comer (1Sm 21.1-6). Aquilo não foi um pecado, porque representava a satisfação de uma necessidade básica que não podia ser satisfeita de outra forma. Era exatamente isto o que os discípulos estavam fazendo naquele momento. Eles estavam apenas satisfazendo uma necessidade básica lícita e isto não era pecado. Eles não precisavam ficar sem comer até o dia seguinte, apenas para guardar o sábado. Isto demonstra claramente que, entre uma interpretação rigorosa e burocrática da lei, Jesus preferia uma interpretação mais prática, algo que favorecesse uma situação de necessidade. Como aponta W. Hendriksen, a questão-chave aqui é que a regulamentação sabática podia ser deixada de lado por uma questão de necessidade, como foi no caso de Davi.[5]

O segundo episódio aconteceu em outro sábado. Lucas relata: “Sucedeu que, em outro sábado, entrou ele na sinagoga e ensinava. Ora, achava-se ali um homem cuja mão direita estava ressequida. Os escribas e os fariseus observavam-no, procurando ver se ele faria uma cura no sábado, a fim de acharem de que o acusar. Mas ele, conhecendo-lhes os pensamentos, disse ao homem da mão ressequida: Levanta-te e vem para o meio; e ele, levantando-se, permaneceu de pé. Então, disse Jesus a eles: Que vos parece? É lícito, no sábado, fazer o bem ou o mal? Salvar a vida ou deixá-la perecer?” (Lc 6.6-9).

Este novo acontecimento demonstra claramente o modo como Jesus vê as coisas, especialmente a lei. A lei não pode ser um instrumento que acarreta o mal para as pessoas, antes ela tem que ser um instrumento para o bem das pessoas. Os rabinos também aceitavam que vidas fossem salvas no sábado, mas desde que isso não pudesse ficar para depois. O homem da mão ressequida, entretanto, não estava correndo risco de morte. Jesus não se contentava com esta restrição. Para ele, fazer o bem estava acima de detalhes técnicos da tradição que foram acrescentados à lei. O espírito da lei exigia que o bem fosse feito ao próximo, e, portanto, por causa dela, não se podia deixar de ajudar quem precisasse. Por essa razão, Jesus curou o homem (Lc 6.10). Foi uma atitude pragmática lícita, porque, como no caso anterior, não havia nada no caráter de Deus que proibisse aquela atitude. É da própria natureza do sábado, visto que é o dia de deixar as tarefas do dia-a-dia para se dedicar a Deus e, com certeza, esta obra de misericórdia é uma oferta a Deus.

E o mais interessante é que aqueles homens que tanto queriam guardar o sábado alimentavam em seus corações pensamentos de morte em relação a Jesus. Enquanto Jesus salvava vidas no sábado, eles pensavam em tirar-lhe a vida (Lc 6.11).

5. TESTANDO A VERDADE

Isso nos faz pensar num segundo aspecto positivo do pragmatismo, que é o fato de que os conceitos precisam ser realmente testados. É verdade que não concordaríamos que a verdade precisa ser testada, pois a verdade é a verdade em si. Já deixamos claro que nosso conceito de verdade é que a mesma vem de Deus, conforme ele a revela em sua Palavra. A Palavra não precisa ser testada, mas nossas interpretações sim.

Às vezes taxamos de pragmático ou consumista aquilo que não se encaixa em nossas tradições. Mas manter tradições também pode ser uma atitude pragmática, pois estamos mantendo o que é confortável e está de acordo com nossos gostos pessoais, o que, nem sempre, sobrevive ao teste da Palavra. Isto pode ser uma tendência de mercado também. Muitos produtos não são feitos para as massas, mas apenas para uns poucos escolhidos.

Ter uma atitude pragmática equilibrada é testar se aquilo que defendemos como verdade passa no teste da Palavra. Porém, para o cristão, o teste da verdade não é aquilo que funciona, ou que está em conformidade com o gosto pessoal, mas o que está em conformidade com a Escritura, com o caráter santo de Deus, sabendo que estas coisas sempre são para o bem das pessoas que amam a Deus (Rm 8.28).

Quando lançamos mão de algum método ilícito para alcançar algo bom, estamos comprometendo o alvo também. Não há fins justificáveis se os meios são injustificáveis. Aos olhos de Deus, meios e fins têm o mesmo peso. Basta ver o exemplo de Davi, quando ele mandou que trouxessem a arca da aliança de volta a Jerusalém. Havia um método ordenado por Deus para o transporte da arca (Êx 25.10-15); contudo, Davi, na boa intenção de trazer a arca da aliança ao seu lugar, não observou este método, o que resultou na morte de Uzá (1Cr 13).

CONCLUSÃO

Nem tudo o que funciona é bom. Antes de atender a vontade das pessoas, a igreja tem de entender que seu propósito é agradar a Deus. Por mais que vejamos bancos vazios, antes de copiarmos as igrejas que lotam seus templos, temos de nos perguntar se nossos bancos estão vazios por falhas em seguir a Palavra ou pela tendência das pessoas de seguir as modas. O importante, portanto, é ser fiel à Palavra, o que não quer dizer permanecer imutável e imune a novas idéias. A prática da igreja não precisa ser presa à tradição, tampouco aberta à moda, mas atuante e adequada aos tempos, dentro do que a Palavra de Deus nos permitir.

APLICAÇÃO

Que tal se pensarmos juntos nos modismos e tradicionalismos da igreja e compará-los às Escrituras, analisando o que passa e o que não passa no teste da Palavra? Além disto, como corpo de Cristo, precisamos orar para que Deus dê entendimento aos líderes que têm conduzido suas igrejas no modismo, deixando de lado a fidelidade a Deus.

Autor da lição: Leandro de Lima
Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, na série Nossa Fé – A igreja e o mundo. Usado com permissão.

[1] John F. MacArthur, O Poder da Integridade, pág.31.
[2] Ver John Stott, Eu Creio na Pregação, pág.51.
[3] John F. MacArthur, Com Vergonha do Evangelho, págs.117,118,130.
[4] Ver Leon Morris, Lucas, pág.116.
[5] Ver W. Hendriksen, Lucas, pág.316 (Lc 6.3-5).

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3 Comentários para “A igreja para o mercado”

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