Fui enganado!
Essa é a queixa de muitos casais que vêm ao aconselhamento. Dizem que, após a cerimônia do casamento, o cônjuge mudou e que se sentem enganados pelo que o outro prometia e representava ser durante o namoro.
O que ocorre, na verdade, é que a primeira fase do relacionamento conjugal está acabando. Todo relacionamento é dinâmico e passa por um processo de desenvolvimento. Ao contrário da ideia que muitas vezes é passada nas cerimônias civis, o casamento não é algo estático em que se entra e nada mais é preciso fazer — “o santo estado do matrimônio”, como afirmam os juízes de paz.
O dinamismo de um casamento pode ser comparado ao processo de crescimento de um organismo vivo, que passa por várias etapas — infância, adolescência, juventude e maturidade. A passagem de uma etapa a outra neste processo é sempre um período de desorganização e reorganização, pois se abre mão de algo que se domina para adentrar em um campo de que não se tem nenhum domínio — a etapa seguinte.
A primeira etapa no relacionamento conjugal é o romantismo. Ela se inicia quando duas pessoas se conhecem e se apaixonam. Este sentimento misterioso e inexplicável (pois ninguém sabe exatamente por que se apaixona por uma pessoa específica e não pelas outras tantas disponíveis) leva a um período de muitos sonhos e ilusões. Acredita-se que se encontrou alguém que o fará feliz — e, afinal, não é isso que sempre buscamos?
Nesta busca do sonho de ser feliz há muitas promessas irrealizáveis, tais como: “Eu te darei o céu, meu bem, e o meu amor também!”. Mesmo sendo irrealizáveis, os apaixonados dão crédito a elas. Acreditam que jamais terão desentendimentos ou, se os tiverem, tudo será facilmente superado pela paixão. Também há uma idealização do outro e de suas virtudes, chegando-se a “inventar” certos aspectos da personalidade dele que não existem. E não há argumentação com quem está apaixonado. Se você disser a uma jovem para tomar cuidado com certo rapaz porque já é a quinta vez que ele sai da penitenciária por tráfico de drogas, ela alegará que o “mundo não o entende”, mas que quando eles se casarem, tudo vai mudar.
Esta idealização tem, no fundo, uma motivação egoísta, pois afinal “eu” mereço o melhor e quanto mais eu destacar as virtudes da pessoa que escolhi — ainda que algumas delas não existam — mais estarei valorizando a mim mesmo neste processo de escolha.
Como a idealização é mútua, desenvolve-se entre o casal o que chamamos de uma relação simbiótica, ou seja, quanto mais um enaltece o outro, mais o outro retribui com enaltecimentos. Por exemplo, um afirma: “Querido, como você é atencioso”; o outro então diz: “Ah, isso não é nada se comparado ao seu jeito carinhoso!”.
Gastam-se horas conversando sobre assuntos triviais, pois na verdade o que importa não é o conteúdo das conversas, e sim o fato de estar junto com a pessoa pela qual se está apaixonado.
Nossa sociedade supervaloriza o romantismo e, por isso, muitas pessoas acreditam que no momento em que ele não estiver mais presente não valerá mais a pena permanecer juntos. Entendem que “acabou o amor”, quando na realidade o que acabou foi a paixão estruturada sobre um romantismo de sonhos e ilusões. Apenas o primeiro passo foi dado no caminho da descoberta do verdadeiro amor, pois este “jamais acaba” (1Co 13.8).
Nas próximas edições falaremos sobre as fases subsequentes — são sete ao todo — deste organismo vivo e mutante que é o relacionamento conjugal, sobre suas características principais e sobre como estruturar um relacionamento sobre um fundamento mais sólido que o mero romantismo — um amor baseado em sentimentos, mas também em atitudes e ações!
Artigo publicado na edição 334 da revista Ultimato