Em 1981 ouvi pela primeira vez o Grupo ACTOS, num acampamento em Goiânia. Foi revolucionário assistir a apresentação daquela rapaziada com um som e uma estética nada comum para a igreja dos anos 80. Era uma mistura de um cristianismo contextualizado e inteligente, com um visual hippie, marcado por uma música brasileiríssima e de fortes influências latino-americanas. Um deleite para nós, recém-chegados na igreja, que trazíamos em nossa origem musical influências do Clube da Esquina, Taiguara, Mercedes Sosa, Tarancón e tanta coisa boa dos anos 70 e 80.

O ACTOS durou um breve tempo. Infelizmente não deixaram nenhum registro fonográfico. Mas Vavá Rodrigues, um dos mentores e autor da maioria das canções do grupo (quase sempre em parcerias com o Stenio Marcius), reuniu a rapaziada e gravou o LP “Brilhar”, lançado em 1985.

Eu bati um papo com o Vavá, relembrando o ACTOS e os 30 anos desse álbum incrível. No final da entrevista, compartilho um link onde você encontra o LP na íntegra, generosamente postado no youtube pelo Eliézer Venâncio.

 

Novos Acordes: Como surgiu o Grupo ACTOS. Qual era a formação?

Vavá Rodrigues: O ACTOS surgiu em 1981. Eu havia acabado de participar da gravação do disco “Vida em Vida” (Jovens da Verdade) com o Stênio Marcius e o Haryson Guanaes Lima. Foi a primeira vez que entrei num estúdio de gravação e fiquei encantado com aquilo tudo. Desde o lançamento do “De Vento Em Popa” (Vencedores Por Cristo), os ventos (com o perdão do trocadilho) da MPB Cristã, sopravam cada vez mais forte no coração dos moços daquela época e posso dizer que 90% do pessoal que andava com violão debaixo do braço pelas igrejas queria fazer um som que fosse mais a cara do Brasil, ou da América Latina.

Quanto a formação do ACTOS, acho melhor citar quem passou pelo grupo: o Stênio, o Haryson, Eu, Wanelly Botelho, Cláudia Vassão, Ana Raia, Eduardo Raia, Celso Raia, Marcos Barros, Beto Barros, Alcinéia Luz, Selma de Oliveira, Sonia Polonca, Marisa Salles, Gilda e por último Cíntia e Silvia, que nunca deixaram de ser dupla.

 

Novos Acordes: O que tornava o Actos um grupo ímpar? Quais eram suas principais influências?

Vavá Rodrigues: Diferentemente dos grupos musicais que surgiam dentro das igrejas, reproduzindo e fazendo covers principalmente de VPC, o ACTOS era um grupo “interdenominacional”. Surgiu na IPI do Ipiranga, mas reunia batistas e presbiterianos independentes que queriam fazer música própria. E fazer música própria para nós, naquele tempo, era reproduzir a sonoridade dos artistas que nós ouvíamos, assistíamos os shows e nos juntávamos na casa de alguém pra ouvir e reouvir o vinil. Nomes como Boca Livre, Céu da Boca, MPB4, Quarteto em CY e os latinos Tarancón e Raíces de América.

O ACTOS foi uma onda musical que durou apenas três ou quatro anos, mas que contaminou e contagiou muita gente. Afinal, quebramos alguns paradigmas, inauguramos o uso da mesa de percussão dentro das igrejas (as que permitiam… rsrsrs), executávamos música latina com instrumentos andinos, fazíamos ritmos nordestinos sem a menor cerimônia, cantávamos canções sem letra só explorando vocalizes e reproduzíamos pequenas óperas bufas quando executávamos canções infantis… O ACTOS mergulhou de cabeça nisso e acho que foi justamente isso que encantou tanto as pessoas naquele tempo. Era algo inovador e ousado para a época.

 

Novos Acordes: O Actos chegou a gravar algum LP na época?

Vavá Rodrigues: Não! Planejamos, mas nunca aconteceu.

 

brilhar

Capa do LP “Brilhar”, lançado em 1985 pela Bom Pastor

Novos Acordes: Qual a conexão entre o Vavá e Amigos, que gravou o Brilhar, e o ACTOS? Os integrantes eram os mesmos?

Vavá Rodrigues: Depois de alguns anos de estrada, tempo este em que nos apresentamos em igrejas, colégios, teatros e acampamentos em vários lugares do Brasil e também conhecemos Cíntia e Silvia, Wesley e Marlene, João Alexandre, vimos nascer o MILAD e mais uma penca de grupos que vinham na cola da nossa sonoridade, o ACTOS parou. Acho que cansamos, minha leitura é que apenas como grupo musical o projeto iria se esgotar e foi o que aconteceu. Quando você não consegue gerar um fruto do seu trabalho (nesse caso específico, um LP), é natural que venha um desânimo, um tipo de desgaste.Nem sei exatamente como o grupo acabou, simplesmente fomos recusando convites para nos apresentar, estávamos cansados. Mas não deixamos (alguns amigos que fizeram parte do ACTOS), de nos encontrar para ensaiar e fazer música. Engraçado que num primeiro momento, a idéia de um disco seria para registrar um pouco do que o ACTOS produziu em seus anos de vida, mas o que aconteceu foi o surgimento de um repertório totalmente novo e com canções que nunca havíamos cantado. Nasceram então: O Dia Da Vitória, Irá Me Guiar, Pare Um Momento, O Que Dizer?, A Porta, Cantares, Exaltação, enfim, todo o repertório do “Brilhar” e mais duas canções: Salmo 134 e Amo ao Senhor que foram gravadas, mas que não couberam no vinil.

Portanto, o “Brilhar” foi gravado por integrantes do ACTOS, Cíntia e Silvia, com o instrumental do grupo ALOÉS, um pessoal quentíssimo que fazia música instrumental de primeira linha na época. Músicos como Emílio Mendonça, hoje professor no IMT, o guitarrista Omar Campos e o baixista Jadão Junqueira. Não era exatamente o ACTOS, por isso o nome óbvio de AMIGOS.

 

Novos Acordes: Como o disco foi produzido? Foi uma produção independente ou havia uma gravadora por detrás?

Vavá Rodrigues: Tomei a iniciativa de fazer um disco independente e tentar pré vendê-lo nas apresentações do grupo ainda como ACTOS. Juntei algum dinheiro e começamos as gravações na COMEV, em São Paulo. A pré venda através de carnês não foi propriamente um sucesso e depois de um ano e meio, o disco estava parado e eu, devendo para o estúdio. Neste momento, através do Maurão Oliveira, conheci o Elias de Carvalho, proprietário da gravadora Bom Pastor, que se interessou pelo projeto e resolveu bancá-lo introduzindo na etapa final de gravação músicos como Luiz Antônio Karam, Hector Costita e o flautista Sumé. Não era exatamente o melhor dos mundos, pois no meu coração o BRILHAR era pra ser um disco “cabeça” (besteira), não elitista, mas um álbum para um público universitário, mais crítico, e a Bom Pastor sempre foi forte no nicho de mercado dos neo e pentecostais. Logo, éramos um produto meio fora de contexto no casting da gravadora. De qualquer forma o problema estava resolvido. O legado musical do ACTOS, apesar de não ter nenhuma das canções que o ACTOS tanto cantou, seria preservado.

 

vavá 2015

Vavá Rodrigues no NMB 2015. Foto de Cris Tozzi.

Novos Acordes: O disco chegou a ser lançado?

Vavá Rodrigues: Não! O disco saiu em abril de 1985, teve uma distribuição excelente, chegou aos mais recônditos lugares do país, ganhou espaço nas rádios evangélicas e as pessoas aos poucos foram conhecendo e se interessando pelas canções, acredito eu, justamente pelo gostinho de novidade que elas tinham e ainda tem. Nunca fizemos uma apresentação ou um show com o repertório desse álbum. Mas mesmo assim ele figurou listas dos melhores discos de música evangélica já gravados no Brasil. A matriz não existe mais, foi destruída em um incêndio que ocorreu nos anos noventa, no galpão da Bom Pastor. Tenho alguns vinís ainda em casa e também fitas cassete com o som impecável. Graças ao Eliézer Venâncio, de Santo André, o Brilhar está disponível no youtube.

Agora no último NMB (Nossa Música Brasileira), realizado no Acampamento dos Jovens da Verdade, em Agosto de 2015, tive o doce privilégio de executar três de suas canções em sequência como se fosse um mini lançamento 30 anos depois. E não é que todo mundo cantou junto?

Para ouvir o álbum “Brilhar”, de Vavá e amigos, clique aqui 

 

 

 

  1. Repetindo os comentários que fiz no Facebook:
    Muito boa a entrevista e quando se fala de Vavá Rodrigues, Haryson Guanaes Lima, Cintia, Stênio Marcius e tanta gente boa, precursores da nossa música evangélica brasileira, que como disse o Vavá, “quebraram muitos paradigmas”. A música dos hinários nas igrejas apesar de serem bonitas, na maioria delas vinha carregado com a cultura americana e europeia, haja vista, uma boa parte das canções eram músicas populares e até hinos nacionais de diversos países faziam e fazem parte dessa hinologia. Nesse cenário apareceu JV, VPC, ACTOS e os nossos queridos AMIGOS, que como vimos na entrevista eles não fizeram nenhuma apresentação, mas o registro desse trabalho ficou e ficará marcado pra sempre na história da nossa música. Por ora, só resta dizer que tenho guardado com muito carinho o vinil “Brilhar” que comprei logo que foi lançado em 1985 que ainda curto muito, não ficou velho, nem o disco e nem a música. Parabéns pelos 30 anos!!!.

  2. Que lindo! lendo essa entrevista, viajei no tempo. Me lembro que comprei esse LP em 1985 ou 1986 na Livraria da Igreja Metodista em Madureira/RJ indicada por Guilherme Baldissara que era gerente da loja, ele disse: Leva esses discos (estavam juntos os LPs “Vento Livre” e “Fruto da Semente”) que são demais. Me lembro de ouvi-los sem parar e os tenho até hoje pois sou apaixonado por vinis… Que alegria, pois essa semana adquiri o novo CD do Vavá (Raízes do Céu) e é simplesmente maravilhoso. Muito bom conhecer o que acontece através da coluna do Carlinhos Veiga na revista Ultimato, sempre me atualizo e vou em todas as indicações dele. Parabéns e que Deus os abençõe muitíssimo…

  3. Excelente entrevista!
    Seria bom dar um vinil “virgem” na mão de um bom cara de estúdio para digitalizar e deixar o som melhor. Agradeço a quem disponibilizou no youtube, mas o som pode ser melhor… quanta saudade de termos uma música evangélica rica e nossa!

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