Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem;

inveja é querer que o outro não tenha (Zuenir Ventura)

Diferentemente da ira ou da gula, a inveja é uma condição emocional sorrateira. Ela queima como fogo de palha, por baixo, sem fumaça.

A ira produz erupções violentas; a gula compromete nosso manequim; a preguiça faz nosso chefe reclamar; a luxúria nos afasta até da família mais liberal; mas a inveja dificilmente aparece, pois o comportamento de um invejoso não difere muito de um crítico, de um ressentido, de um coração magoado.

Nenhuma dessas condições é, propriamente, inveja. Mas esta pode estar “orquestrando” a todas aquelas, por trás. Ela pode até mesmo produzir elogios e dar presentes. Este foi o caso de Saul, em relação a Davi. O rei entregou ao rapaz um comando em seu exército e lhe ofereceu a mão de sua filha em casamento — na esperança de fazê-lo “ir a óbito” (1Sm 18:5-29).

Como não sabe criar, o diabo distorce. Então, para produzir a inveja ele corrompeu a admiração, transformando-a no segundo pecado mais daninho que o ser humano já provou. Admirar é a capacidade de se deixar impactar pelo excepcional, pelo espantoso, de uma forma generosa, abnegada e contente.

Diz-se que a inveja só perde para o orgulho, em poder de destruição, em poder de potencializar o que há de pior no ser humano. A inveja é o maestro de nossos outros pecados. E corta para os dois lados: o do invejado e o do invejoso. A inveja é potencialmente homicida e suicida, ao mesmo tempo. Esse potencial raramente atinge seu clímax, revelando-se apenas como sentimento mesquinho, do tipo “se não posso ir a esse churrasco, que chova”.

Esse pecado advém de uma necessidade de nos compararmos com os outros. E ao encontrarmos neles motivos de admiração, sofremos, em vez de, simplesmente, nos alegrarmos. E aí está a obra do diabo: o invejoso sempre se compara e sofre com o bem dos outros que, para ele, é sempre maior e melhor (um problema de auto-estima). A grama do quintal do vizinho é sempre mais verde.

Assim, tudo começa com algo vindo de Deus: a capacidade de admirar e de se admirar. E nunca admiramos o trivial ou mesmo algo bom que tenhamos ou sejamos. Normalmente, só o narcisista admira algo que ele próprio tem ou é. Admira-nos aquilo que não encontramos em nós mesmos, como capacidades artísticas, dons, beleza, inteligência, posses etc. Em especial, quando alguém nos “vence” em algum ponto em que nos consideramos fortes.

É aí que o inimigo semeia a inveja, fazendo com que essa admiração se transforme de alegria em sofrimento, sem muita consciência da razão. Passo seguinte, inconscientemente desejamos “vencer” essa competição. Mas o inimigo não nos dá força para tal. Sugere-nos, ao contrário, o expediente de Caim. Ou o de Saul; com a língua desempenhando o papel da lança. Ou, se precisarmos de ajuda, que fundemos a fraternidade dos “irmãos de José”.

Sentir inveja é pecado. Mas tornar-se invejoso é mais grave ainda. Vemos em Pv 14:30 que ela nos faz adoecer: “a inveja é a podridão dos ossos”. E isso acontece quando esse pecado se instala em nossa alma. De alguma forma perversa, essa atitude “nos ajuda a viver”, criando em nosso coração mecanismos de auto-justificação. E o invejoso passa a achar que “o que fizeram com ele justifica sua reação”. Afinal, todos lhe estão devendo.

Aninhada na placenta do nosso coração, ela agora se multiplica em ninhada. Surgem, por exemplo, o ódio, a ira, o homicídio e uma infinidade de pequenas transgressões (cometidas pelo invejoso covarde), com um só objetivo: humilhar ou destruir o invejado. Vêm, então, a difamação, a calúnia, o desmerecimento, a crítica destrutiva, a palavra amarga e uma indisfarçável alegria com o infortúnio do outro. Do “inimigo”.

Resultado, esse pecado nos lança num mundo de trevas. Já não nos alegramos com o que temos ou somos (a não ser que ninguém mais tenha ou seja — mas aí já não tem graça); já não somos gratos a Deus pelo que nos deu (como pôde o Senhor abençoar aquela criatura!?); já não somos edificantes, e sim desconstrutores. Passamos boa parte da vida a nos comparar com os outros. E nossa baixa auto-estima nos faz “admirar” as coisas boas que encontramos neles — e isso nos consome! Está ficando pesado? Uma paradinha.

Dois amigos passeavam na calçada quando um deles chutou uma espécie de lata velha. Era uma lâmpada de gênio, que, tendo sido acordado, apareceu e disse: estive preso nessa lâmpada por muitos séculos e estou muito cansado. Portanto, vocês têm direito a apenas um pedido. Façam logo, pois não tenho tempo a perder. Um dos amigos, animado, pediu para ficar rico, e foi logo atendido pelo gênio. O segundo amigo viu aquilo tudo e pediu: quero que meu amigo volte ao que ele era antes.

Outra versão, mais dramática, diz que o gênio impôs uma condição para o pedido único: tudo o que um deles pedisse seria dado também e em dobro para o outro. Aí, o amigo invejoso se adiantou e pediu: quero que você me tire um olho.

Aí está a sabedoria popular a nos ensinar que o invejoso não consegue construir. Bastaria aproveitar a chance única e ser muito feliz. Mas a felicidade do companheiro torna-se um problema. E ele prefere destruir. Nem que precise sofrer.

Mas nem tudo está perdido. Deus colocou recursos espirituais à nossa disposição para vencermos a inveja. Eis alguns, encontrados na literatura como virtudes antagônicas a esse pecado: amor, gratidão, compaixão, misericórdia e lamento.

Examinando cada uma delas, faço minha opção pelo amor diligente. Aquele amor dinâmico, capaz de me transformar, pela busca do poder do Espírito de Deus. Ouça Jesus: “…eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”. Ouça Paulo: “abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis”. Ainda Paulo: “…pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber…”

Se eu examinar meu próprio coração(*) e me descobrir invejoso e, por isso mesmo, agredido, humilhado e perseguido por gente que, de “tão boa”, se tornou meu algoz — e quiser mudar—, buscarei o Senhor em meu quarto e lhe pedirei que me ajude a abençoar, a falar bem “pelas costas”, a elogiar esse “inimigo”. E pedirei mais: que Deus me dê oportunidades e meios (emocionais) de lhe “lavar os pés”. Sabemos que, na medida da resposta de Deus, a minha redenção se manifestará na forma de serviços a esse “inimigo”. Serviços que remodelarão meu coração egoísta em abnegado e generoso, capaz de, solidariamente, alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram. Serviços como aqueles com que meu Mestre serviu. E nessa atitude, “teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6: 4, 6 e 18).

Assim, mais uma vez, da cruz de Cristo e também da minha; da humilhação, agora voluntária, há de vir a vitória.

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(*) O Ministério da Saúde Espiritual adverte: este texto não deve ser utilizado em diagnósticos de terceiros. Serve apenas para introspecção. Não desaparecendo os sintomas, procure seu pastor.

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