ESTAR PERDIDO já é difícil, mas ter que trilhar caminhos invisíveis é demais. Quando a gente está perdido, mas o caminho é bem visível, dá para encontrar a direção certa. Às vezes, até mesmo um mapa resolve. Mas andar por caminhos invisíveis já é assunto para filme de ficção, ou para videogames de última geração.

Na verdade, há mais caminhos invisíveis na nossa vida do que parece. E a gente tropeça neles a toda hora. Há caminhos do coração, por exemplo. Quando um coração se apaixona, ele anda por caminhos que só entende quem já o trilhou. Por outro lado, já reparou como é difícil dar palpite nessa área? Quando um coração se torna tolo, então, não há conselho que o coloque de novo no caminho certo.

Há caminhos que confundem. A gente tem a impressão de que já passou por ali, e que sabe que direção seguir, mas nem tudo é igual à última vez que ali estivemos.

Há caminhos que só são visíveis a olhos muito especiais. Gostaria de conversar sobre esses, um tipo de caminho invisível que todos temos que trilhar, de um modo ou de outro. Uns, sem ver nada, como que a andar numa trilha de olhos vendados. Outros, vendo alguma coisa, mas o que é visto, ao contrário de ajudar, acaba por gerar maior desorientação. Outros ainda, felizmente são capazes de seguir a trilha com segurança. Refiro-me aos caminhos da liderança espiritual.

 

A Oração de Paulo
EM SUA CARTA À IGREJA DE ÉFESO, o Apóstolo Paulo faz uma oração especial pelos seus leitores . Pede a Deus que lhes conceda um espírito duplo: “espírito de sabedoria e revelação”, capaz de lhes abrir os olhos do coração, para que possam ver e vivenciar uma série de realidades que ele pretende mostrar, e que não poderão ser compreendidas de outra forma.
Interessante: muitos séculos mais tarde, esse tema ficou famoso em todo o mundo com o escritor de um livro para crianças (mas muito lido pelos adultos) chamado “O Pequeno Príncipe”: Saint-Exupéry. Ele dizia que não se pode ver bem senão com o coração, porque o importante é invisível aos olhos. É bem verdade que o autor está falando de afetividade e das sutilezas do amor, mas é justamente o sentido da oração de Paulo. Pede que Deus ilumine os olhos do coração. Por quê? Porque ele sabe que os caminhos que vai apresentar somente são visíveis com os olhos espirituais.

Paulo ora pelos efésios, no sentido de que sejam capazes de ver, com o coração, algumas realidades, sem as quais, não poderão compreender a verdadeira natureza da Igreja do Senhor Jesus, e sua própria posição nela:

a) a esperança do seu chamamento, 18;
b) a riqueza da glória de sua herança, 18, e
c) a grandeza do seu poder, 19.

 

Enxergando o Visível
A PARTIR DO MOMENTO EM QUE NASCEMOS, começamos a desenvolver mecanismos de adaptação ao meio em que vivemos. Esses mecanismos nos habilitarão a sobreviver nesse meio, seja ele físico, seja social. Aprendemos. Aprendemos de tudo. Desenvolvemos capacidades perceptivas e aprendemos estruturas de interpretação das coisas e dos fatos. À medida em que amadurecemos, desenvolvemos uma especial sensibilidade para os significados mais sutis das intenções humanas e para as consequências dos seus atos e omissões. Aprendemos a viver no mundo das pessoas. Quando essa formação se completa, somos chamados de educados.

Esse desenvolvimento também atinge nossos sentidos. Tornamo-nos hábeis em distinguir, comparar, valorar e interpretar o significado de cores, sons, cheiros, paladares e sensações tácteis. Aprendemos a viver como pessoas no mundo físico, na natureza.

Quando isso acontece; quando o treinamento se completa, a sociedade nos dá carteirinhas de habilitação, que nos dizem que somos “pessoas” formadas: carteira de identidade, de eleitor e eventualmente de motorista, ou reservista. Tudo numa espécie de reconhecimento de nossa maioridade.

Mas o que esse treinamento faz por nós quanto ao nosso amadurecimento moral, emocional e afetivo? Bem, essa já é uma área em que encontramos muito poucos professores. Aí reside boa parte de nossas falências, de nossos problemas, descaminhos, infelicidades e tristezas. Na verdade, somos feitos seres relacionais, o que quer dizer que fomos projetados para viver em comunidade, mas não somos fortes em nos relacionar. De toda a ciência que o homem desenvolveu nestes últimos milênios, esta é a parte mais fraca. Não aprendemos a nos relacionar satisfatoriamente nem com Deus nem com nossos irmãos. E sem Deus e os irmãos não somos inteiramente pessoas; continuamos um pouco bichos. Somos órfãos, perdidos, confusos, frágeis, inseguros e avulsos na vida.

Nos caminhos da afetividade nossos processos perceptivos e adaptativos não são muito exigidos nem treinados, porque não há muitos entre nós que possam dizer, sem estar mentindo: “vem comigo; eu sei o caminho”. Nessa área, tudo o que prendemos vem dos nossos pais e do convívio familiar. Por outro lado, o que aprendemos, com a vivência própria, não ajuda muito, nem é animador. Fora da família, ou mesmo nela, você aprende que se errar, será punido. Se você se abrir demais, será magoado. Se você revelar seu íntimo, se ligar demais a alguém, vai sofrer frustrações, ou vai ser visto com desprezo, como um fraco.

 

Enxergando o Invisível
MAS HÁ UMA OUTRA ÁREA, onde nosso treinamento tem sido mais fraco ainda. Nossos sentidos se embotaram quase que totalmente, e já não encontramos tantos líderes que nos guiem e que nos treinem. Refiro-me aos caminhos da alma, da vida espiritual.

Isso não parece ser verdade, diria você. Há tantas igrejas, tantos pastores por aí… Como se pode dizer que não se encontram líderes espirituais? São líderes espirituais ou líderes eclesiásticos? De fato, não faltam, ainda, líderes eclesiásticos. Ainda encontramos muitas daquelas pessoas que conduzem os trabalhos, que lideram reuniões, que estão à frente dos cultos, das cruzadas evangelísticas, que regem os corais, que distribuem a ceia, que conduzem a coleta e consagram os dízimos e ofertas etc. Mas pergunto: terão elas olhos do coração para ver? Olhos iluminados por espírito de sabedoria e revelação? Saberão elas andar com um mínimo de segurança pelos caminhos invisíveis do Senhor?

 

O Fio de Navalha
SABE POR QUE JESUS SE IROU tanto com os fariseus que pediam um sinal como condição para que cressem nele? Porque pediam que Jesus lhes mostrasse aos olhos uma realidade que só é visível e discernível aos olhos do coração. É como se você desafiasse Deus a lhe fazer ouvir o gosto de um limão; ou que Deus lhe permitisse tocar um arco-íris. “Senão eu não creio”. “Ora, sem fé é impossível agradar a Deus.” Deus só mostra suas realidades aos “olhos que podem vê-las”: os olhos da fé. Olhos esses que precisam ser treinados, para que tenham certeza e convicção do que estão vendo: coisas que ainda nem são, por estarem no futuro, ou coisas que não pertencem à dimensão do tempo, espaço e matéria , comumente conhecida como natureza.

Temos nos transformado em líderes capazes de trabalhar relativamente bem no mundo dos homens, e conduzir pessoas na realidade sensível das “programações” eclesiásticas e espirituais. Mas o líder espiritual é aquele que conduz pessoas por caminhos espirituais. O que quer dizer isso? Quer dizer que há um fio de navalha que separa dois caminhos muito parecidos. Os dois são cheios de coisas para fazer na igreja, na mocidade, nos encontros, nos programas etc. Os dois usam a Bíblia para leituras, lições etc. Os dois se valem de uma liturgia mais ou menos estabelecida. Os dois estão preocupados com o crescimento da igreja, com os recursos financeiros, com o bem-estar das pessoas.

Mas um deles é capaz de mostrar, e se apoiar na “esperança do seu chamamento”. O líder dessa estrada trabalha na perspectiva da esperança, porque seus olhos veem o futuro, veem aquele que chamou, e seus corações são aquecidos por essa visão. Sua ação de liderança é muito mais que conduzir por caminhos comportamentais e rituais: ele quer que o sigam pelos caminhos invisíveis do Senhor; ele quer ajudar a seus irmãos, no sentido de que desenvolvam, também, essa visão, e tenham sua esperança. Mais que com comportamentos, ele está preocupado com a alma, com as motivações, com os afetos, com as razões íntimas, com as dores não reveladas, com os anseios mais profundos e escondidos. Ele sabe que a gente foi treinada a esconder essas coisas, mas que anseia por elas. Ele sabe que temos uma sede secreta de Deus, que instintivamente procuramos abafar. Ele já andou por essas trilhas, e é capaz de nos dar esperanças.

O líder eclesiástico vibra com o sucesso do trabalho; com o crescimento da igreja; com a conversão de pessoas. O líder espiritual também, é claro. Mas este é capaz de vibrar com a visão da imensa riqueza da vida interior que há para ser vivida no Senhor. Mesmo diante das dificuldades e da dor — e até da morte — esse coração treinado é capaz de vislumbrar, como os heróis da fé, uma herança que não se pode perder. Seus caminhos, então, e sua liderança, não se impressionam com as dificuldades do aqui e agora; ainda que não as desconsidere, anda e conduz “como quem vê o invisível”. Na verdade, seus critérios de sucesso são outros, porque “chegar lá”, para ele, é outra coisa.

Este último levanta, encoraja e sustenta aqueles que o seguem, como quem é capaz de ver o poder que lhe é colocado à disposição. Um poder que lhe permite ter certeza na hora da incerteza; ter paz na hora da dor; louvor na aflição; que lhe permite afirmar a vitória contra todas as evidências de derrota . Um poder que lhe permite relacionar-se adequada e serenamente com a própria morte. Um poder tal que, antes de vencer os outros, vence seu próprio ego em entrega devotada, humilde e anônima.

A diferença é um fio de navalha. Um é visionário, outro empreendedor. Um é sonhador, outro, pé no chão. Um cuida de almas, outro, de recursos humanos (e até psicológicos). Um é líder espiritual, outro eclesiástico. Precisamos dos dois. Mas como temos necessitado líderes espirituais! Porque um serve a igreja, e o outro serve o Reino.

NESTES TEMPOS PÓS-MODERNOS, precisamos desesperadamente de líderes que nos ensinem a trilhar os caminhos da alma, guiados pelos olhos da fé. Os misteriosos e desconcertantes caminhos de Deus. Os caminhos de vida.

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