Talvez os dois principais “motores” da Renascença sejam as grandes navegações e a prensa de Gutemberg. Esses elementos “pluralizantes” estão por trás dos movimentos que levaram à passagem do pensamento medieval para o que se chamou depois de Iluminismo. O Ocidente percebeu que havia outros modos de agir, trabalhar, pensar,  crer, fazer arte etc. E as consciências acompanharam as mudanças nos meios e modos de produção da vida.

Se, até aqui, a sociedade era uma quitanda, transformou-se em um supermercado. Se o queijo oferecido era único, agora competia nas prateleiras com seus inúmeros congêneres. E a consciência de que para tudo havia opções nos tornou “plurais”. E também hedonistas, pois agora escolhíamos de acordo com nossos gostos pessoais. Essas opções se alastraram para todas as esferas da vida, gerando uma nova consciência, que passou a ser chamada de “sindrome do consumidor”. “Eu pago, eu comparo, eu exijo. Se você não tem o que desejo, procuro outro fornecedor”.

E assim foi com canais de TV — e surgiu o zapping. Mas assim foi também com amizades, modos de vestir, doutrinas de fé, cores do carro, casamentos e, hoje em dia, opções de gênero. Já posso fazer zappingde amizades, de igrejas, de lookpessoal etc. E quem poderá me criticar? Diante de uma prateleira abarrotada de massas de tomate, você escolhe a que mais gosta, não? Olhamos um para o outro e evitamos qualquer crítica, porque o lema é “respeitar para ser respeitado”. Aprendemos a conviver com o dissenso.

Charles Dickens olhou para o início disso tudo e disse: “É o melhor dos tempos; é o pior dos tempos”. Sim, ele via, maravilhado, o início de uma civilização pluralista, plena de brilhos, recursos, facilidades, seduções e… perigos. Alguns não conseguirão se conduzir bem nesse novo ambiente. E adoecerão. Por exemplo, o desejo de terpoderá endividar famílias inteiras; ou torná-las ansiosas, superficiais nos relacionamentos, deprimidas, medrosas, solitárias etc. e também narcisistas.

O narcisismo existe desde que Eva pensou em ser como Deus. Mas com a superficialização das relações e a mudança da forma como a sociedade avalia uma pessoa, passando do seu caráter para o poder que aparenta ter; constituído de bens, beleza, fama, prestígio e outros acessórios, eis que surge o TPN: transtorno de personalidade narcisista. O Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais-5ª edição ou DSM-5, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria, descreve essa personalidade. Cito alguns traços de interesse[1]:

  • grandiosidade com expectativas de tratamento superior aos outros;
  • fixação por fantasias de poder, sucesso, inteligência, atratividade etc.
  • auto-percepção de ser único, superior e associado a pessoas e instituições de alto status;
  • necessidade de ser admirado;
  • exploração de outros para obter ganho pessoal;
  • falta de empatia com os sentimentos, desejos ou necessidades dos outros;
  • atitude pomposa, arrogante e invejosa.

Certo dia, Plural e Narciso ouvem, do evangelho, um chamado ao ágape: a um íntimo, profundo, significativo, caridoso, afetuoso, humilde, gracioso e sacrificial relacionamento com Deus e com os irmãos. Ouvem que isto se faz pelo poder de Deus, e que isso será, para eles, cura e salvação.

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[1]https://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_narcisista

Ponto Final da edição 370

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