Sola gratia [versão completa]
Conteúdo de Mais da Internet, da revista Ultimato 365
Na esteira das comemorações dos 500 anos da Reforma Protestante, muitas igrejas estão estudando os “5 Solas” da Reforma: Sola fide (somente a fé), Sola scriptura (somente a Escritura), Solus Christus (somente Cristo), Sola gratia (somente a graça), Soli Deo gloria (glória somente a Deus). Pelo que tenho podido perceber, fazem uma releitura desses temas, a partir do ponto de vista atual.
Gostaria de participar desse movimento, pensando no “sola gratia”, a partir da parábola do “Credor Incompassivo”. Tenho clareza de que a abordagem é extremamente reducionista, pois restringe-se a apenas um texto bíblico. Mas penso também que nem por isso ele deve ser desconsiderado. Eis a parábola:
Por isso, o reino dos céus é semelhante a um rei que resolveu ajustar contas com os seus servos. E, passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo quanto possuía e que a dívida fosse paga. Então, o servo, prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente comigo, e tudo te pagarei. E o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida.
Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem denários; e, agarrando-o, o sufocava, dizendo: Paga-me o que me deves. Então, o seu conservo, caindo-lhe aos pés, lhe implorava: Sê paciente comigo, e te pagarei. Ele, entretanto, não quis; antes, indo-se, o lançou na prisão, até que saldasse a dívida.
Vendo os seus companheiros o que se havia passado, entristeceram-se muito e foram relatar ao seu senhor tudo que acontecera. Então, o seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti? E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão (Mt 18:23-35).
Meu primeiro pensamento é que estamos, aqui, aprendendo de Jesus. Não é o ensino de um apóstolo ou de um teólogo famoso. É de Jesus, aquele que fala das coisas que viu junto ao Pai; daquele que, em sua vida e por suas palavras, nos revela o Pai.
Jesus nos conta de um senhor que, ao cobrar uma dívida de seu servo, e percebendo a dificuldade em que se encontrava, compadeceu-se dele; e esperava que, saindo dali, ele agisse de igual modo. Entretanto, não vendo nele nem gratidão nem compaixão, chama-o de volta e aplica-lhe a pena original. E conclui dizendo que se não perdoarmos aos nossos irmãos, também o Pai celeste não nos perdoará.
Os ingredientes principais dessa parábola, a meu ver, são dívida (significando pecado), súplica (apontando para contrição), compaixão (também como sinal de arrependimento, quando se trata do servo) e perdão.
Somos levados a presenciar o devedor reconhecer a dívida, como forma de antecipadamente dar razão ao credor; talvez ecoando o Sl 51:4 “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar”. O que se seguirá a esse gesto de humilde súplica será ou a execução da cobrança ou a paciência do credor. Sim, ele pede mais prazo. Mas a surpresa acontece na forma de graça inesperada: a dívida, impagável, é integralmente perdoada.
Surge, no entanto, entre todos esses ingredientes da graça, algo intrigante ao pensamento atual: por que razão teria Jesus inserido a súplica e a compaixão no seu enredo, para nos revelar que o senhor teve compaixão “porque me suplicaste”? De que modo a súplica teria movido o coração daquele senhor? Confesso que não sei. Cabem aqui inúmeras digressões concernentes à onisciência e soberania de Deus. Não é o momento.
Mas sei que não devemos suprimir esses elementos do ensino de Jesus, como se o resumo da parábola fosse um perdão genérico; que o senhor, “bonzinho”, perdoaria seu servo de qualquer modo, como perdoará a todos os outros devedores, independentemente da súplica ou da compaixão encontradas nos seus corações. Ou mesmo pensar que, tendo o Cordeiro de Deus tirado o pecado do mundo, nada mais devem os antigos pecadores. Não podemos adaptar a parábola à nossa teologia. Uma graça assim descrita não faz justiça ao ensino de Jesus.
O Mestre nos mostra que súplica e compaixão não são, necessariamente, a mesma coisa. E que o Senhor busca entre aqueles que ama a compaixão, como sinal de arrependimento, e, secundariamente, a súplica, como sinal de contrição. Não penso nelas como condições para a graça, mas, talvez, como ingredientes dessa complexa e maravilhosa realidade. Talvez fosse o caso de pensar na graça de Deus sob dois aspectos complementares: como processo ou como produto.
Costuma-se dizer que a Ciência tem esses dois aspectos. Como processo, estamos falando do “fazer ciência”, envolvendo estudos, pesquisas, testes, validações, experimentos etc. Como produto, estamos falando dos achados, das máquinas, dos remédios, das vacinas, dos computadores etc. Pegando emprestada a nomenclatura, proponho pensar na graça como um processo, no qual todos os ingredientes e as dinâmicas da parábola acima são incorporados; ou como produto, ou resultado, no qual, tudo estará consumado, tendo o escrito de dívida sido encravado na cruz.
Geraldo Gilton de Souza
João 19:30, Está consumado! O verbo carrega a ideia de cumprir a tarefa e, em contextos religiosos, expressa a ideia de cumprir obrigações religiosas (veja17:4). Toda a obra da redenção fora completada. A palavra grega aqui (traduzida por ” esta consumado”) foi encontrado em papiros, sendo colocado em recibos de impostos, significando “totalmente pago” (veja Col 3: 13 e 14. Nada podemos contra a verdade, senão em favor da própria verdade. 2 coríntios 13: vers 8,. Que Deus Em Cristo nos abençoe poderosamente, e todas as nações.