Estação Cordeiro
Há um momento de esquina da vida, ligado à maturidade. Um momento em que questões de poder devem ser discernidas e equacionadas pelos discípulos de Jesus.
Proponho olhar para esse momento como uma estação da vida; e chamá-lo de “estação cordeiro”. Hoje em dia, ele começa a partir dos 60 anos, sob a marca da plenitude pessoal. É melhor explicar de onde me vêm esses pensamentos.
Ao ler, em Mateus 26.51-54, o relato da prisão de Jesus, vejo as últimas horas de sua vida em carne; a estação final de sua missão. Nesse instante de profunda crise, surge uma espada, como proposta humana de solução; ou então mais de doze legiões de anjos, como alternativa divina. Entretanto, nenhuma delas será adotada, pois é necessário que a vontade de Deus se cumpra. E o Leão de Judá se fará Cordeiro.
O poder dará lugar à mansidão: a espada será, para sempre, embainhada, e a vontade do Pai, recebida sem atalhos. Só a sabedoria que esta estação traz é capaz de discernir vitória representada por essa escolha. Paradoxalmente, a expressão “eu venci o mundo” não é perceptível em sua realidade cósmica. Mas está ali, em toda a sua glória: “embainha a tua espada”.
Esse momento da vida costuma ser a estação do poder. É quando nos dizem que vencemos; que estamos no auge do intelecto, do acúmulo financeiro; do poder de influenciar pessoas; temos amigos poderosos (e gente que sabe manusear espadas). Todavia, diante disso tudo, preferimos a mansidão. Virtude a se buscar no leão e não na ovelha, pois é de se admirar que aquele abra mão de suas garras, de sua ferocidade e da majestade de sua juba para fazer-se ovelha. Com efeito, não há virtude em ter nascido ovelha; mas é de se admirar que alguém, tendo chegado à condição de leão, escolha viver a estação cordeiro.
É quando nosso Senhor deseja mais o cumprimento das Escrituras do que resolver seu problema imediato; ele está mais interessado na vontade de seu Pai; e sabe que, para isso, precisa “apresentar-se como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. Eventualmente, há de ser considerado como “ovelha de matadouro”, para que a vontade de Deus se cumpra em sua vida. E será tido, por olhos capazes de ver, como “mais que vencedor”.
A “estação cordeiro” é aquela em que percebemos que a lógica da espada (rugidos, garras, juba majestosa etc.) estabelece um modo de viver marcado pelo corte e pela morte. E o sentimento que a caracteriza é que não desejamos mais solucionar conflitos desse modo; queremos fazer-nos mansos; ninguém se afastará de nós por medo.
Sintetizo e encerro esses pensamentos com a “Fábula do Lobo, do Leão e do Cordeiro”.
Certo dia, numa clareira da floresta, à espreita de um cordeiro que bebia no riacho, encontraram-se o lobo e o leão.
O lobo olhou para o leão e viu que era um felino já maduro e sábio (aparentando 60 anos): seu rugido era poderoso; suas garras, imensas, e sua juba, majestosa. Sem dúvida, ali estava o rei dos animais.
E o lobo, de aparência jovem, invejou o leão. Saudando-o com um beijo na face, perguntou:
— Como faço para conseguir esse rugido? — porque os lobos só sabem uivar.
— E essa majestosa juba? — porque os lobos não têm jubas.
O leão, então, olhou para o lobo e disse:
— Você está invejando o animal errado. Está vendo aquele cordeiro, na beira do rio? Daqui a alguns minutos ele estará morto. Mas, ainda assim, meu sonho é ser como ele.
Porque sabemos que, aos olhos do Criador, seremos tão mais leões quanto mais cordeiros nos fizermos.
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Ponto Final 355