A verdade que não mata e a luz que não ofusca
“Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo.” (Ef 4.15)
Como nossas relações poderiam crescer e se edificar a ponto de se tornarem profundas, maduras, afetuosas, misericordiosas, verdadeiras, terapêuticas e duradouras, como se espera que aconteça numa família ou na Igreja? Talvez a resposta esteja em uma aliança de amor, verbalizada e celebrada entre mim e o Pai, e com seus filhos, meus irmãos. Eventualmente essa celebração seria um conteúdo a ser lembrado na Santa Ceia.
A verdade, nesse contexto, seria buscada “em amor”. Ela seria alcançada na convivência, sempre sob o pressuposto de que amamos e somos amados; de que estamos seguros, pois somos amigos e irmãos; de que a retirada de máscaras e véus é possível e necessária, e de que a luz dessa verdade não virá para julgar e condenar, mas para reconciliar e salvar.
O amor, por seu turno, não seria omisso, tímido, medroso ou negligente. Não, ele seria sábio e paciente, mas também forte, destemido e verdadeiro. Não “passaria a mão na cabeça” do engano e do erro. Haveria espaço para a exortação, a correção e a admoestação. Para a verdade. Mas aconteceria, também, dentro do mesmo pacto de amor. Ele não deixaria que a “articulação” adoecesse por timidez, por medo da verdade, por receio de perder o irmão. Não, ele abriria mão do conforto e encarnaria para salvar — e também para salvar-se. Sim, salvar-se.
Como pode ser isto? — perguntará você. É possível, nos dias de hoje — em que guardamos distância segura até do cônjuge, para não ferirmos e não sermos feridos –, celebrar uma aliança desse tipo? É possível, em tempos de indiferença, construir e viver uma proximidade tão perigosa? Será que minhas atuais amizades sobreviveriam se soubessem quem realmente sou, ou se eu começasse a lhes propor a verdade, ainda que afetuosamente? Será que, iluminadas as nossas relações, nossa igreja sobreviveria?
Perguntas difíceis. Minha resposta é a de quem crê, juntamente com o Credo dos Apóstolos, na “comunhão dos santos”. De quem crê na nova aliança, no poder da oração, no corpo de Cristo. Porque se não for assim e se, como igreja, abrirmos mão desse ideal, o que nos restará? Trago para reflexão o texto de 1 João 1.5-7: “Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”.
Entendo que a harmonização do texto de Efésios 4.15-16 com o de 1 João 1.5-7 nos levará a compreender que o cuidado com as juntas, às quais Paulo se refere, passa por um tipo de relacionamento que só é possível em um ambiente muito iluminado. Para andarmos na luz da verdade, precisamos manter comunhão com Deus e com os irmãos.
Eis o desafio: celebrar uma aliança de amor, em que a timidez e o medo são lançados fora, e a luz da verdade é trazida, amorosamente, para as juntas e articulações do corpo de Cristo; desafio que só poderá ser enfrentado no poder de Deus, derramado em nossos corações.
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