cruzO que têm em comum as palavras graça, graças, justiça e misericórdia?

Numa primeira olhada, diríamos que somente as duas primeiras têm algo a ver. As demais se encontram, talvez, na possível ação ou reação de alguém. Tipo, uma pessoa pode conceder graça, agir com justiça, exercer misericórdia etc.

De fato, à exceção da segunda (graças), são respostas possíveis a alguém que detém uma “nota promissória”, seja ela literal ou figurada. É aquela ideia bíblica de dívida.

Penso logo naquela parábola de Jesus que começa assim:

Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários, e o outro, cinqüenta. Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Qual deles, portanto, o amará mais? (Lc 7: 41,42).

Lembrou? “Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre”. Ai, o pobre Simão sente que está em apuros, rsrsrsrs!

Bem, essas palavras estão todas juntas na carta de Paulo aos Romanos. No original, ele usa uma mesma palavra grega para fazer uma espécie de jogo de palavras com as duas primeiras: Charis. Do ponto de vista de Deus, significa “graça“, dádiva; do ponto de vista do homem, significa “graças“, a resposta adequada à graça, advinda da gratidão do coração. Dar graças é agradecer.

Restam as outras duas: justiça e misericórdia. “Justiça de Deus”, para Paulo, tanto pode ser uma característica de seu caráter (Deus é justo) quanto um processo de justificação (Deus justifica o injusto). E aí vem o “escândalo para os judeus”: como pode um juiz justo justificar o ímpio? Se ele é justo, então quem deve, paga; quem não deve, não paga! Quem deve muito, paga muito; quem deve pouco, paga pouco. É justo.

E aí, vem a surpresa: o Credor, por misericórdia, concede graça ao devedor insolvente.

Então, veja como essas palavras se encontram nos evangelhos e na teologia paulina: Graça significa dádiva imerecida; você recebe algo bom que não merecia. Graças (ou ação de graças, ou “dar graças”) é a resposta esperada por quem concedeu graça e adequada a quem foi agraciado; gratidão. Justiça acontece quando você recebe o que, sim, merecia (se é um devedor, terá de pagar; se é um pecador, terá que morrer). Mas a misericórdia faz com que não recebamos o que, sim, merecíamos (a cobrança da dívida). Deus “usa de misericórdia” (Rm 11:32) para com todos aqueles que ele nivelou na condição de pecadores ou devedores, seja a dívida de quinhentos ou cinquenta denários.

Resta uma ponta solta, nesse novelo. Se Deus é justo, como pode deixar a dívida sem pagamento? Como fica essa dívida se, por misericórdia, ele concede graça ao devedor? Bem, é importante dizer que a justiça foi satisfeita e que a conta foi paga. E que custou a vida de um inocente. O justo pagou pelos injustos; o inocente pelos pecadores. E este era o próprio Filho de Deus.

Essa graça não saiu de graça. E a misericórdia apenas transferiu para outro o “escrito de dívida”, que foi cravado na cruz.

  1. Prezado Jonatas: de pronto, você me lembra do problema da Talidomida. A mãe tomava o remédio e o filho nascia com sérios problemas de malformação. Daí, no mesmo diapasão, vêm as drogas consumidas pelas gestantes, o álcool etc. Não precisa mais para lembrar o brocado bíblico: “os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filho se embotaram”. Pois é. Um senhor problema, hem? Vamos pensar nisso. Prometo.
    Enquanto isso, fiquemos com o seguinte pensamento: se exigirmos de Deus justiça para nossas vidas, seremos todos sentenciados ao inferno, porque somos todos pecadores.

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