A Raposa e a Ovelha
unca me lavarás os pés!” – diz Pedro, no Cenáculo (Jo 13.8a).
“Se eu não te lavar, não tens parte comigo” – responde-lhe Jesus.
Vivemos tempos de Páscoa. Tempos de paixão e de morte. Tempos de ressurreição, também. Tempos que requerem discernimento.
Sim, era preciso discernir o que realmente estava acontecendo. Aquele que se cingia com a toalha era o Senhor. Mas servia a todos. Parecia mais servo que senhor.
Aliás, tão menos senhor quanto mais servo se mostrava.
“Compreendeis o que vos fiz?” – indaga ele. “Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13.15).
Ainda hoje, em tempos de Páscoa ou não, importa discernir estas coisas, para não incorrer no erro de “levantar o calcanhar” contra ele (v. 18b).
Pedro resiste à água, porque ela implica aceitar a condição daquele que lhe lava os pés – a de servo. A princípio, essa inversão de ordem lhe é incompreensível. Apesar de três anos de convívio, há coisas que ainda estão fora do alcance de sua mente.
“Compreendê-lo-ás depois” – diz-lhe Jesus.
Muito do que os apóstolos sabiam da vida ainda girava em torno de definições seculares de poder, força, autoridade e submissão. Já haviam discutido muito sobre o ser maior ou menor no reino de Deus. Já haviam até sido repreendidos. E agora seu mestre se faz menor, beirando a indignidade!
Às vezes tenho o sentimento de que Jesus se dirigia à igreja do século 21 ao encerrar sua lição: “[…] quem recebe aquele que eu enviar, a mim me recebe” (Jo 13.20). Mais do que imitá-lo, somos exortados a reconhecer e receber seus enviados; gente parecida com ele, que se comporta como ele; gente que, em tantos sentidos, se cinge de toalhas para lavar pés.
Ainda hoje preciso “compreender o que ele me fez”. Preciso aprender a reconhecê-lo naqueles que genuinamente me servem, porque tendo a desprezá-los. Ou, se me são próximos, recuso sua doação amorosa e digo, educadamente: “Nunca me lavarás o pés!”.
Sem esse discernimento, ao recusar o serviço, recuso junto com ele a proximidade, a intimidade fraterna e a comunhão. Recuso a igreja, enfim. Mais grave ainda, de um modo que não compreendo bem, recuso o Senhor. É só ouvir suas palavras pelo lado negativo: “Quem não recebe aquele que eu enviar, a mim não recebe”.
Não nos basta aprender a lição de humildade do Cenáculo. Precisamos também aprender a distinguir e receber, sem equívocos, aqueles que nos são enviados por Jesus. Precisamos aprender a discernir, em especial entre aqueles que ocupam os púlpitos, os] elementos verdadeiros e distintivos da identidade dos seus enviados, a partir dos sinais e exemplos que o Mestre deixou.
Equivocar-se nesta matéria pode ser grave. Equivaleria a temer a pulseira de ouro e menosprezar o sorriso da boca banguela. Um equívoco como este não é incomum nestes tempos de maquiagens, câmeras e microfones. Tempos de impérios “midiáticos”. E pensar que nem os magos do Oriente cometeram tal engano. Não se deixaram confundir pelas humildes condições em que encontraram seu Senhor.
Páscoa é tempo de regular o nosso aferidor. Tempo de desprezar a raposa e concentrar-se na ovelha. É desta que provém a vida.
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Daniel M Amorese
Era quarta-feira à noite, culto de oração. Quem iria falar? O Seu Genésio, senhor de cor, mãos calejadas, fala de difícil compreensão. Muitos não iam no culto, afinal o que ele poderia nos oferecer?
Eu tinha uns 15 anos talvez, mas, bebia suas palavras, pois elas vinham do coração, da sua admiração pelo Senhor, embora a embalagem fosse tão rude!
É fato, Rubem, muitos hoje somente correm atrás dos “cultos show” e esquecem de receber os enviados do Senhor porque somente olham para o exterior e fazem julgamentos antecipados.
Mariano Marques
Sim, amigo Rubem! Precisamos, contemplar e praticar,todos os dias, a lição do lava-pés. Como liderados, para aprender a nos deixar servir pelo Senhor por intermédio daqueles que Ele nos envia. Como líderes, para imitar o Mestre no servir àqueles sob nossa liderança, a começar pela nossa casa, nossa família.
Está aí a essência relacional do Cristianismo autêntico!
Estou enviando seu texto para amigos.
Abração!
Rubem
Prezado Mariano:
Sim, a começar pela nossa casa. Esse é o nervo do dente, não?
Há braços.
Nelia LIns
Daniel, que coisa linda!Você com 15 anos ter este discernimento,este respeito,esta sede da verdade,reconhecendo o valor do grande Servo de Deus,como você mesmo disse – embora a embalagem fosse tão rude.
Achei lindo demais este testemunho.