Vestigios e Fatos

 

Cristos aneste (Χριστός ἀνέστη)! Aletos aneste (Ἀληθῶς ἀνέστη)! Esta é a tradicional saudação pascal da Igreja Ortodoxa Grega: Cristo ressuscitou! Verdadeiramente ressuscitou!

Imagino, a seguir, o diário de alguém que tenha vivido aquele domingo.

Hoje é um dia de espanto e perplexidade em Jerusalém. O domingo amanhece com os discípulos em alegre disparada; Maria Madalena não se contém de felicidade; os guardas do túmulo temem por suas vidas; autoridades judaicas de senho franzido; e um “zum-zum” correndo a cidade como rastilho de pólvora: ἀνέστη! ἀνέστη! (Ele ressuscitou! Ele ressuscitou!). Ninguém sabe muito bem o que fazer, aonde ir. Estão todos atônitos.

Os discípulos instintivamente vão se procurando, batendo nas casas, acordando quem ainda está dormindo. Querem estar juntos, querem se encontrar; está faltando alguém? Falam em voz baixa, sem saber por quê.

Maria, a mãe, na mesa da cozinha, sente a energia no ar. Percebe a agitação lá fora e não consegue se levantar da cadeira, pois as pernas lhe faltam, e um sobressalto, associado a uma deliciosa vontade de gritar, a assalta. Ela crê, mas não acredita! Ela quer estar junto com os outros, não sabe bem por quê. Talvez, apenas como quem espera notícias. Afinal, se alguma coisa tiver de acontecer, será hoje. Ele falou sobre isso. Aquelas alusões ao terceiro dia, ao milagre de Jonas…

Nesse momento, a porta da rua se abre, como se estivesse sendo arrombada. É Maria Madalena que vinha correndo, abre a porta e para, com a mão na maçaneta, esperando a vista se acostumar com a luz interna e o fôlego voltar.

O tempo também para. Os sons silenciam entre as duas que se olham. Então Maria, a mãe, mesmo tendo a luz da rua por trás, distingue no olhar da outra Maria aquela certeza, aquela confirmação, aquele sorriso misturado com choro, que quer gritar, que quer pular, que não cabe lá dentro. É mistura de paz com turbilhão; de serenidade com festa; de choro com dança.

Maria, a mãe, cai de volta na cadeira, pois as pernas fraquejam novamente. De olhos fixos nos da Maria que chega, ela dá um soluço convulsivo, mas sem produzir nenhum som. As lágrimas que há muito haviam secado estão de volta e em grande profusão. Mas agora são outras lágrimas! E sem tirar os olhos dos olhos da amiga, Maria, a mãe, diz: — ἀνέστη!

Madalena entra de vez, como um vento sem som e, num redemoinho, se ajoelha e repousa a cabeça no colo da Maria mãe. E choram e riem, as duas, em silêncio; cabeças a mil; corações descompassados. Não sei por quanto tempo ficam ali, paradas. Quem se importa?

 

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