Em 2008, vou romper com a síndrome do divã. Vou me aconselhar como quem deseja ouvir e crescer.

Nessa última novela da Globo (Eterna Magia), toda construída sobre mentiras e segredos, chamou-me a atenção uma cena em que, após longa conversa com um padre, a pessoa termina dizendo: “obrigado por me ouvir; eu estava precisando botar para fora”.

Notei que, tanto nesse caso quanto nos demais, o padre nunca era atendido ou considerado em seus conselhos. Era apenas um ouvinte disponível, paciente e que fazia boas perguntas. Era assim que ajudava as pessoas. Mas ficou claro, no enredo, que, se o tivessem ouvido, o rumo daquelas vidas teria sido diferente. Para melhor. E a novela teria terminado precocemente, claro.

Passei a prestar mais atenção às minhas conversas, seja como conselheiro, seja como consulente. E constatei que sofremos todos desse subproduto indesejado da cultura psicanalítica em que vivemos. Nada contra os psicanalistas, claro. O problema atinge também a quem nunca se deitou num divã. Meu olhar é sobre o aconselhamento cristão.

Parece que temos carência de falar. Dizer já não é tão importante. Ouvir, muito menos. Obedecer, bem, de que baú, tiraram esse verbo?

Nesse sentido, embora algo de consolador e terapêutico permaneça nesses monólogos disfarçados de aconselhamento, percebo que muitos elementos cristãos estão desaparecendo. Por exemplo, a autoridade. Nessas conversas, não se busca, de fato, a sabedoria ou a experiência do conselheiro. Claro que desejamos um interlocutor preparado. Mas o que queremos é uma vaga em sua agenda. Em especial, em seus ouvidos. Quanto mais tempo, melhor.

Desaparece, também, a submissão. Submeter-se a um amigo, um irmão? Que também tem seus problemas? Ouvi dizer que é melhor procurar alguém que não nos conheça bem — traz menos problemas.

Desaparece a autoridade e o poder coercitivo das escrituras. Liquefazem-se princípios, verdades, certezas, tradições e outros fatores de segurança que o texto bíblico traz. Abrir a Bíblia, em um aconselhamento, hoje em dia, já não é tão fácil. Além de interromper o fluxo do raciocínio daquele que está ali para falar, pode trazer constrangimento. Falta disposição para ouvir conselhos. Ou para versos bíblicos, com aplicações “discutíveis”. Se insistir, o conselheiro perde muitos pontos.

Sim, pastores, mentores e conselheiros têm sido reduzidos a ouvintes privilegiados. E serão tão menos procurados quanto menos disponíveis estiverem para uma audição “gentil”.

Este ano, desejo mudar. Falarei menos e aprenderei mais. Ouvirei conselhos e procurarei acatá-los. Investirei em docilidade. Até no caso de meu conselheiro me reprovar ou me apontar caminhos difíceis. Serei submisso; serei grato; buscarei a obediência inteligente. Aceitarei autoridade sobre mim e a honrarei; orarei por ela. Serei, novamente, “admoestável”.

Quem sabe, a partir desse exercício, em oração, a Bíblia, que há tanto tempo me tem falado palavras bonitas, volte a me dizer o que preciso ouvir. E ouvindo o que preciso ouvir (e não apenas o que eu mesmo falo), eu me cure desta insidiosa anorexia espiritual. Amém.

  1. Maravilhoso seu texto!!!
    Às vezes, pergunto se a modernidade não está abarrotada de monólogos e a humanidade parece resumida aos que só desejam falar e aos que só desejam ouvir. Onde estão aqueles que desejam o diálogo? Será qie a dificuldade para o diálogo encontra-se no fato de ele traz implícito a submissão em ouvir o outro, em ser confrontado pelo interlocutor e suas idéias?
    O que me assusta é pensar o quanto esta postura tem permeado as relações com Deus.
    Este tema rende… É para ser lido, relido e digerido com muita serenidade.Deus continue a abeçoá-lo e ungí-lo.
    Abs.

    • Sabe que você tem razão? São tão comum esses monólogos, confundidos com diálogos. Diálogos que não existiram. Foram apenas monólogos, educadamente concatenados. O interesse era apenas de falar, mas não de ouvir. Sim, esse tema rende… 🙂

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