Confesso minha confusão; minha dificuldade em compreender o coração pós-moderno. Incluindo o meu.

O que me tem intrigado é a mistura de uma fé saudável com recursos espirituais inusitados.

Veja como nos presenteamos, hoje em dia. Nada mais gostoso e legítimo que dar presentes. Vejo aí a graça da graça. No entanto, com o surgimento das listas de presentes de noivos; das vaquinhas dos amigos, para dar um presente melhor; das cartas a papai-noel, dos comerciais em que a mãe diz que, no seu dia, não vai aceitar nada menos que o produto anunciado, começo a ver desaparecer o encanto da graça inesperada; a singeleza da lembrança pessoal e significativa.

Vejo, ao contrário, pessoas decepcionadas porque não receberam o que haviam pedido. Vejo gente obrigada dar algo do mesmo valor (leia preço) daquilo que recebeu em outra ocasião. Vejo crianças exigindo; vejo adultos encabrestados pelas datas criadas pelo comércio, onde o presente é commodity e o presentear se transforma de graça em obrigação.

Tenho ficado confuso, também, com o efeito do consumo sobre a alma. Há alguns anos, o consumismo era sinônimo de mundanismo. De repente, parece-me que as críticas se desvaneceram. Como se um vagalhão tivesse submergido inclusive os críticos. Consumir passa a ser uma exigência da cidadania. E surgem as autoridades recomendando à população que compre, pois esse gesto estará preservando os empregos, em tempos de crise. Resultado, o cidadão cheio de sacolas, num shopping center, passa a ser visto como um agente econômico. E o crente não precisa ser diferente. Ele não é consumista; é consumidor, é gerador de postos de trabalho. Mesmo que compre o que não precisa ou mais do que poderá consumir. O ato de comprar se transforma, então, no próprio consumo.

Quando esse fenômeno chega à alma, confunde-se, por seu poder gratificante, com a própria oração. Comprar acalma. Clareia a mente. Espairece. Diverte. E de repente, ao perceber minha alma entediada, ou mesmo atribulada, vou às compras e adquiro algo bem bonito. Chego em casa feliz, dizendo que “me dei um presente”, porque eu merecia. Se percebo que posso encontrar resistência a esse tipo de terapia, trago presentes para os de casa também.

Não quero imaginar que o coração evangélico pós-moderno tenha deixado de confiar em Deus ou que tenha apostatado de sua base doutrinária. Não saberia dizer. Mas desconfio que algo esteja acontecendo na área da saciedade. Talvez tenhamos perdido aquela capacidade de nos satisfazer em Deus. Talvez a correria da vida nos impeça de entrar no quarto e ficar mais tempo com aquele que vê em secreto (bastariam, talvez, as mesmas horas que gastamos comprando). Com isso, Deus permanece, em nossas mentes, sendo o que sempre foi. Mas o poder de gratificação de sua presença pode estar desaparecendo.

Seria o caso de chamar esse fenômeno de “efeito mamon”? De qualquer forma, é hora de buscar, novamente, a presença de Deus, fazendo nossa alma ali sossegar, “como a criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe” (Sl 131,2). E assim saciados poderemos fazer compras e dar presentes, sem problema algum.

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