“Um dos hábitos saudáveis que as famílias modernas têm perdido é o de dedicar tempo para contar histórias para seus filhos. Menos ainda o de usar momentos íntimos, tais como refeições, finais de semana ou férias, para conversar sobre a origem, fatos pitorescos e até as dificuldades que os familiares, e seus antepassados, viveram ao longo da existência”. Esta é a opinião de Renato Bernhoeft, ao escrever para a revista Valor Econômico (8/5/2006).

No artigo intitulado Histórias da família estimulam o autodesenvolvimento, ele relata extensa pesquisa realizada pela Universidade Emory (Atlanta, EUA), que registrou e classificou as conversas de 40 famílias durante o jantar e encontrou que as histórias contadas podem ter uma influência muito maior do que se imagina na formação da auto-estima e na capacidade de aprendizado dos filhos.

Robyn Fiyush, professor responsável pela pesquisa, conclui que as famílias que contam suas histórias conseguem que seus filhos se saiam muito melhor, tanto na vida pessoal quanto profissional. É que “a história da família tem ligação direta com a auto-estima das crianças e sua capacidade de enfrentar problemas”, diz ele. E tem mais: nem sempre as melhores histórias são as que têm finais felizes. As histórias de parentes às voltas com situações tristes ou difíceis podem passar a sabedoria e a visão do que as crianças precisam para atingir realização e sucesso. As crianças que recebem esse legado familiar tendem a ganhar uma noção de identidade própria em relação a outros membros da família e ao passado, o que gera maior autoconfiança.

Diante dessas “descobertas científicas”, eu fico a pensar em nossa herança judaico-cristã, povoada de histórias. São histórias de família, sem dúvida; da nossa imensa família da fé. Histórias de heróis como Moisés e anti-heróis, como Sansão; de jovens que enfrentaram fornalhas ardentes; do pastor que, pela fé, abateu um gigante; de sábios que edificaram sua casa sobre a rocha e loucos que enterraram seus talentos. De líderes de visão, como Neemias e de filhos problemáticos, como Absalão. Quantas histórias, incorporadas ao nosso patrimônio simbólico desde tenra idade! E sacadas como luzeiros nos momentos de dúvida e indecisão.

Não é de hoje que conhecemos o poder desses relatos sobre a formação da identidade de nossos filhos. Não é de hoje que sabemos que a Bíblia não conta apenas o lado bom, os grandes feitos, mas também os erros e vícios e suas conseqüências. Não é de hoje que aprendemos a inserir nossas próprias histórias no contexto dessa nuvem de testemunhos, fazendo-nos parte dela; fazendo dela argamassa da nossa biografia pessoal.

Quando penso em quem sou, não tenho como separar todo esse legado de minha própria biografia. Em grande medida, eu sou produto dessa construção milenar. A história da família de Deus é a minha história.

Hoje, sem saber, a ciência descobre o que para nós tem sido mandato solene e imemorial: “tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te e ao levantar-te” (Dt 6,7).

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