Opinião
- 01 de julho de 2015
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O que temos em comum?
O que uma viúva, um cego, um paralítico, uma prostituta e um morto têm em comum? Jesus, você dirá. Não. Não é isso. O que os une, em suas muitas diferenças, na complexidade de cada um deles, nos variados contextos existenciais em que estão inseridos é a dor, o sofrimento, a angústia. Deles e daqueles que com eles convivem.
A dor, e o consequente sofrimento, são linguagens universais. Pessoas que as carregam se identificam com um olhar, sem necessidade de palavras. São realidades que dispensam explicações, e diante das quais nossa pergunta desajeitada “Como você está?” na maioria das vezes cai no vazio de um olhar que nos atravessa.
Na história da humanidade a dor e a morte impressionam mais do que a vida. Talvez, em uma contraditória complexidade, é necessário sofrer para que a vida seja reconhecida, compreendida e levada a sério. “A dor nos torna mais humanos” é a frase que ouvimos e aprendemos desde cedo.
E aqui está o elo com as Escrituras.
Jesus foi irresistivelmente atraído pelo dor humana. De certa forma, talvez possamos dizer que em cada sofredor que avistava, e para os quais sempre trazia uma ação abençoadora, ele identificava a si mesmo, em uma forma de projeção do sofrimento que viria a encarar na cruz. Para Jesus, o ser humano dilacerado pela dor apontava para o Messias sofredor do futuro. E para os doentes e oprimidos, Jesus apontava para a realidade da salvação disponível a todos no presente.
Por falar em salvação, é bom que se entenda que “salvação” (soteria) nos evangelhos possui o mesmo sentido que no Antigo Testamento, ou seja, “salvar de um perigo”. É nesse sentido que Jesus diz à mulher com hemorragia, que sentira ser curada por ele com um mero toque: “Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz e fica livre do teu mal” (Mc 5.34). Salvação significava ficar livre da doença que a oprimia por doze anos.
Ser salvo por Jesus é ser livre de perigos que nos cercam e nos aprisionam. Sejam eles o diabo, a morte eterna, doenças físicas, depressões. Não existe salvação abstrata assim como não existe sofredor abstrato.
>> Baixe gratuitamente o e-book Perguntas De Quem Sofre
A história de Jesus entre nós constrói um percurso de sensibilidade ao que sofre. Ele não discutiu conceitos sobre o sofrimento nem sua origem. Ele estava – isso, sim! - atento a uma mulher que, depois de perder o esposo, também perdeu seu único filho. “Vendo-a, o Senhor se compadeceu dela [...] e o restituiu à sua mãe” (Lc 7.13,15). Talvez ninguém tivesse percebido aquela mulher e sua dor. Jesus não. Ele compartilhou a dor dela. E ressuscitou seu filho, devolvendo-o a ela.
Jesus foi solícito ao pedido de um pai em desespero diante da doença da filha. Não importava que ele fosse um dos chefes da sinagoga. Para Jesus, discussões religiosas não tinham a menor importância diante da necessidade de atender a um sofredor. Ele acompanhou Jairo e, mesmo diante da notícia de que a garotinha havia morrido, ele desafiou o pai: “Não temas, crê somente” (Mc 5.36). Jesus é tão sensível às necessidades humanas que, depois de efetuar um portento com a ressurreição da menina, desce às questões mais cotidianas da vida humana, orientando aos presentes - certamente em choque diante daquele feito - que dessem comida à querida filhinha de Jairo.
Uma viúva e um pai. Ambos sob a opressão da morte que os atinge e tira o sentido da vida. Ambos, ao experimentar o mistério do sofrimento, nos representam, e, principalmente, a todos os sofredores de todos os tempos. Ambos, ao serem alvo da misericórdia e do amor de Jesus Cristo, experimentam salvação. Discussões sobre o sofrimento, sua origem, o porquê de seus filhos terem morrido? Não, não há espaço para isso. Não mais. Certamente tais questões perderam sentido diante da demonstração de poder e amor de Jesus.
O que temos em comum? O que nós, seres humanos, temos em comum? Temos em comum nossa vocação para o sofrimento. Ninguém o procura, mas ele se aproxima de nós e nos atinge. Em algum momento da vida certamente ele se apresenta. E nesse momento, muito mais do que em qualquer outro, Jesus Cristo terá um olhar especial, um toque sensível, uma palavra de poder para nos salvar, para nos transformar, para enxugar nossas lágrimas E então teremos em comum não apenas a dor, mas a experiência da graça que é inexplicável. Nós, sofrimento e Jesus. Uma relação complexa, intensa e profunda.
• João Leonel é graduado em Teologia e Letras. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-doutor em História da Leitura pela Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Professor no Seminário Presbiteriano do Sul, Campinas, SP, e na graduação e pós-graduação em Letras, Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP. Autor do e-book Perguntas de Quem Sofre.
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Imagem: freeimages.com/browse.phtml?f=download&id=713383
A dor, e o consequente sofrimento, são linguagens universais. Pessoas que as carregam se identificam com um olhar, sem necessidade de palavras. São realidades que dispensam explicações, e diante das quais nossa pergunta desajeitada “Como você está?” na maioria das vezes cai no vazio de um olhar que nos atravessa.
Na história da humanidade a dor e a morte impressionam mais do que a vida. Talvez, em uma contraditória complexidade, é necessário sofrer para que a vida seja reconhecida, compreendida e levada a sério. “A dor nos torna mais humanos” é a frase que ouvimos e aprendemos desde cedo.
E aqui está o elo com as Escrituras.
Jesus foi irresistivelmente atraído pelo dor humana. De certa forma, talvez possamos dizer que em cada sofredor que avistava, e para os quais sempre trazia uma ação abençoadora, ele identificava a si mesmo, em uma forma de projeção do sofrimento que viria a encarar na cruz. Para Jesus, o ser humano dilacerado pela dor apontava para o Messias sofredor do futuro. E para os doentes e oprimidos, Jesus apontava para a realidade da salvação disponível a todos no presente.
Por falar em salvação, é bom que se entenda que “salvação” (soteria) nos evangelhos possui o mesmo sentido que no Antigo Testamento, ou seja, “salvar de um perigo”. É nesse sentido que Jesus diz à mulher com hemorragia, que sentira ser curada por ele com um mero toque: “Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz e fica livre do teu mal” (Mc 5.34). Salvação significava ficar livre da doença que a oprimia por doze anos.
Ser salvo por Jesus é ser livre de perigos que nos cercam e nos aprisionam. Sejam eles o diabo, a morte eterna, doenças físicas, depressões. Não existe salvação abstrata assim como não existe sofredor abstrato.
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A história de Jesus entre nós constrói um percurso de sensibilidade ao que sofre. Ele não discutiu conceitos sobre o sofrimento nem sua origem. Ele estava – isso, sim! - atento a uma mulher que, depois de perder o esposo, também perdeu seu único filho. “Vendo-a, o Senhor se compadeceu dela [...] e o restituiu à sua mãe” (Lc 7.13,15). Talvez ninguém tivesse percebido aquela mulher e sua dor. Jesus não. Ele compartilhou a dor dela. E ressuscitou seu filho, devolvendo-o a ela.
Jesus foi solícito ao pedido de um pai em desespero diante da doença da filha. Não importava que ele fosse um dos chefes da sinagoga. Para Jesus, discussões religiosas não tinham a menor importância diante da necessidade de atender a um sofredor. Ele acompanhou Jairo e, mesmo diante da notícia de que a garotinha havia morrido, ele desafiou o pai: “Não temas, crê somente” (Mc 5.36). Jesus é tão sensível às necessidades humanas que, depois de efetuar um portento com a ressurreição da menina, desce às questões mais cotidianas da vida humana, orientando aos presentes - certamente em choque diante daquele feito - que dessem comida à querida filhinha de Jairo.
Uma viúva e um pai. Ambos sob a opressão da morte que os atinge e tira o sentido da vida. Ambos, ao experimentar o mistério do sofrimento, nos representam, e, principalmente, a todos os sofredores de todos os tempos. Ambos, ao serem alvo da misericórdia e do amor de Jesus Cristo, experimentam salvação. Discussões sobre o sofrimento, sua origem, o porquê de seus filhos terem morrido? Não, não há espaço para isso. Não mais. Certamente tais questões perderam sentido diante da demonstração de poder e amor de Jesus.
O que temos em comum? O que nós, seres humanos, temos em comum? Temos em comum nossa vocação para o sofrimento. Ninguém o procura, mas ele se aproxima de nós e nos atinge. Em algum momento da vida certamente ele se apresenta. E nesse momento, muito mais do que em qualquer outro, Jesus Cristo terá um olhar especial, um toque sensível, uma palavra de poder para nos salvar, para nos transformar, para enxugar nossas lágrimas E então teremos em comum não apenas a dor, mas a experiência da graça que é inexplicável. Nós, sofrimento e Jesus. Uma relação complexa, intensa e profunda.
• João Leonel é graduado em Teologia e Letras. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-doutor em História da Leitura pela Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Professor no Seminário Presbiteriano do Sul, Campinas, SP, e na graduação e pós-graduação em Letras, Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP. Autor do e-book Perguntas de Quem Sofre.
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