Opinião
- 14 de setembro de 2015
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O que pensamos sobre Deus determina como vivemos nossa fé
Como nossa compreensão a respeito da presença de Deus afeta nossa autopercepção e nossa vida e ação na sociedade? Acredito que a vida humana é muito mais uma questão teológica do que antropológica ou sociológica. Explico. Nossa vida tem muito mais a ver com a compreensão a respeito de Deus e, particularmente, de sua presença no mundo e em nossa vida do que com nossa natureza, escolhas, desejos, vontades, personalidade etc.
Reconheço que isso se choca com os valores materiais e físicos da cultura moderna e já foi amplamente desafiado por filósofos iluministas. O filósofo alemão do século 19, Ludwig Feuerbach, por exemplo, em sua crítica à religião, dizia que Deus nada mais é do que a projeção aperfeiçoada dos anseios humanos, portanto, na sua compreensão, a teologia se reduz à antropologia. Por outro lado, ainda que a fé cristã tenha sobrevivido à toda crítica racional e existencial da era moderna e demonstre vigor ainda hoje, é verdade que muitas vezes parece que Feuerbach está correto. A fé, em muitos casos, tem se tornado um meio de autossatisfação, autopreenchimento e autodescoberta. Nesse sentido, Deus nada mais é do que a satisfação de meus anseios. Apesar de não concordarmos com a descrição existencialista de Deus, muitas vezes a praticamos ou, como alguns sugerem, na nossa profunda religiosidade vivemos um ateísmo prático.
A fé cristã no Deus presente se contrapõe à visão cultural moderna justamente por compreender que o ser humano não se define unicamente pela natureza, mas por sua relação com o Deus transcendente, criador e Senhor de todas as coisas.
Uma vez que aceitamos esse fato, outra coisa é compreender como Deus se manifesta e faz presente entre nós. Jesus prometeu aos discípulos “estarei convosco todos os dias até a consumação do século” (Mt 28.20). Mas ele também disse na última Ceia, “de agora em diante, não beberei deste fruto da videira até aquele dia em que beberei o vinho novo com vocês no Reino de meu Pai” (Mt 26.29). O Jesus que se ausenta “até aquele dia” é o mesmo que está presente “todos os dias”. Como entender isso? A tradição cristã tem entendido a presença de Deus, Cristo e o Espírito de diversos modos. Deus está presente na história, regendo todos os acontecimentos. Deus se faz presente em nós por meio do Consolador/Conselheiro. Deus se manifesta por suas obras de poder. Deus se faz presente por meio de atos de justiça. Como o autor de Hebreus declara, “Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados [...] mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho” (Hb 1.1,2). Como tenho dito, nossa compreensão da presença de Deus molda nossa vida e ação (ou missão).
Uma das maneiras de Deus se fazer presente é por meio da encarnação do Filho. João diz que “aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos sua glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). Jesus é a manifestação visível em carne da glória do Pai que viveu entre nós. Isso significa não só que Deus estava “em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2Co 5.19), mas também que em Cristo o próprio Deus se torna humano, semelhante a nós, para nos reconciliar com ele. Entretanto, significa ainda que embora essa presença tenha ocorrido historicamente na pessoa de Jesus na Palestina nas primeiras décadas da era cristã, ela serve de paradigma da presença de Deus hoje. Jesus não está presente como homem, mas está presente por meio de seu corpo a igreja. A igreja, então, é a presença do Filho que se fez carne e vive entre nós, o Cristo presente. Deus está presente por meio do corpo de Cristo.
Essa compreensão da presença de Deus deve refletir no modo de vivermos como indivíduos e como igreja. Paulo muito bem declara isso quando diz aos filipenses:
“Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo [...] e, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo” (Fp 2.5-8).
A encarnação é o paradigma pelo qual o cristão deve viver. Por isso Paulo diz também:
“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente de seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.3, 4).
Crer no Deus encarnado determina o modo como proclamamos a presença desse Deus e como exercitamos a espiritualidade. Isso se contrasta com uma parte da espiritualidade evangélica contemporânea, muitas vezes, desencarnada, uma espiritualidade da glorificação, exaltação e autoprojeção. A espiritualidade encarnacional se reflete no esvaziamento da ambição, no considerar o outro superior, estender a mão ao próximo, em outras palavras, seguir o modelo do Cristo que se fez carne.
O Deus encarnado se esvaziou, tomou forma de servo. Se, como seres humanos, somos imagem desse Deus e, como cristão, somos a imagem de Cristo, e, como igreja, somos o corpo de Cristo na terra, nossa espiritualidade precisa refletir esse Deus encarnado.
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Reconheço que isso se choca com os valores materiais e físicos da cultura moderna e já foi amplamente desafiado por filósofos iluministas. O filósofo alemão do século 19, Ludwig Feuerbach, por exemplo, em sua crítica à religião, dizia que Deus nada mais é do que a projeção aperfeiçoada dos anseios humanos, portanto, na sua compreensão, a teologia se reduz à antropologia. Por outro lado, ainda que a fé cristã tenha sobrevivido à toda crítica racional e existencial da era moderna e demonstre vigor ainda hoje, é verdade que muitas vezes parece que Feuerbach está correto. A fé, em muitos casos, tem se tornado um meio de autossatisfação, autopreenchimento e autodescoberta. Nesse sentido, Deus nada mais é do que a satisfação de meus anseios. Apesar de não concordarmos com a descrição existencialista de Deus, muitas vezes a praticamos ou, como alguns sugerem, na nossa profunda religiosidade vivemos um ateísmo prático.
A fé cristã no Deus presente se contrapõe à visão cultural moderna justamente por compreender que o ser humano não se define unicamente pela natureza, mas por sua relação com o Deus transcendente, criador e Senhor de todas as coisas.
Uma vez que aceitamos esse fato, outra coisa é compreender como Deus se manifesta e faz presente entre nós. Jesus prometeu aos discípulos “estarei convosco todos os dias até a consumação do século” (Mt 28.20). Mas ele também disse na última Ceia, “de agora em diante, não beberei deste fruto da videira até aquele dia em que beberei o vinho novo com vocês no Reino de meu Pai” (Mt 26.29). O Jesus que se ausenta “até aquele dia” é o mesmo que está presente “todos os dias”. Como entender isso? A tradição cristã tem entendido a presença de Deus, Cristo e o Espírito de diversos modos. Deus está presente na história, regendo todos os acontecimentos. Deus se faz presente em nós por meio do Consolador/Conselheiro. Deus se manifesta por suas obras de poder. Deus se faz presente por meio de atos de justiça. Como o autor de Hebreus declara, “Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados [...] mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho” (Hb 1.1,2). Como tenho dito, nossa compreensão da presença de Deus molda nossa vida e ação (ou missão).
Uma das maneiras de Deus se fazer presente é por meio da encarnação do Filho. João diz que “aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos sua glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). Jesus é a manifestação visível em carne da glória do Pai que viveu entre nós. Isso significa não só que Deus estava “em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2Co 5.19), mas também que em Cristo o próprio Deus se torna humano, semelhante a nós, para nos reconciliar com ele. Entretanto, significa ainda que embora essa presença tenha ocorrido historicamente na pessoa de Jesus na Palestina nas primeiras décadas da era cristã, ela serve de paradigma da presença de Deus hoje. Jesus não está presente como homem, mas está presente por meio de seu corpo a igreja. A igreja, então, é a presença do Filho que se fez carne e vive entre nós, o Cristo presente. Deus está presente por meio do corpo de Cristo.
Essa compreensão da presença de Deus deve refletir no modo de vivermos como indivíduos e como igreja. Paulo muito bem declara isso quando diz aos filipenses:
“Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo [...] e, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo” (Fp 2.5-8).
A encarnação é o paradigma pelo qual o cristão deve viver. Por isso Paulo diz também:
“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente de seus interesses, mas também dos interesses dos outros” (Fp 2.3, 4).
Crer no Deus encarnado determina o modo como proclamamos a presença desse Deus e como exercitamos a espiritualidade. Isso se contrasta com uma parte da espiritualidade evangélica contemporânea, muitas vezes, desencarnada, uma espiritualidade da glorificação, exaltação e autoprojeção. A espiritualidade encarnacional se reflete no esvaziamento da ambição, no considerar o outro superior, estender a mão ao próximo, em outras palavras, seguir o modelo do Cristo que se fez carne.
O Deus encarnado se esvaziou, tomou forma de servo. Se, como seres humanos, somos imagem desse Deus e, como cristão, somos a imagem de Cristo, e, como igreja, somos o corpo de Cristo na terra, nossa espiritualidade precisa refletir esse Deus encarnado.
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Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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Ricardo Barbosa