Opinião
- 21 de julho de 2015
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Desconectai-vos
Durante o tempo em que me preparava ao ministério pastoral, uma amiga fez a seguinte observação: “Davi, você gosta de estudar, cuidar e pregar; mas existe algo importante que você não sabe. Você nunca aprendeu a descansar. Se não aprender isto, a consequência será a estafa.”. Percebi quão preciosas eram aquelas palavras! Tentando aprender sobre descanso, encontrei a excelente obra de Marva Dawn, Keeping the Sabbath Wholly, que busca aplicar o antigo mandamento de “guardar o sábado para o santificar” (Êxodo 20:8) aos cristãos contemporâneos.
Marva Dawn parte do pressuposto de que está inscrita a lógica de “trabalharmos seis e descansarmos um” em nossa constituição biológica e psíquica. O comunismo tentou semanas de 8 e Napoleão Bonaparte de 9 dias, mas a produtividade humana diminuiu! Sem deter-se nos debates sobre qual é o dia certo para guardar o sabbath ou dia sabático, Marva sugere que durante um dia específico da semana todos precisamos parar, assim como Deus fez no sétimo dia da criação. Apesar de um dia inteiramente separado para descansar sugerir chatice, legalismo ou até prática judaizante, seu sentido profundo é uma confiança em Deus que permite reconhecer a dádiva da vida em sua dimensão lúdica e alegre. Parar é necessário: impede-nos de fazer o papel de Deus, permitindo que Ele seja quem é de fato para nós, soberano, provedor, Aquele que trabalha para os que Nele esperam (Isaías 64:4).
Apesar de o termo descanso indicar passividade, o dia sabático é bem mais do que isso: inclui tanto as disciplinas interiores de parar e descansar, quanto as exteriores de acolher algo ou alguém e festejar. Os quatro movimentos do dia sabático são, respectivamente, parar, descansar, acolher e festejar, e se relacionam teologicamente a arrepender-se (parar), o reconhecimento de que não produzo minha salvação (descansar), nossa santificação como um presente de Deus (acolher) e a esperança escatológica do banquete final com Cristo (festejar).
No dia sabático, refreamos atividades trabalhosas, aquelas que colocam o foco na capacidade de produzir ou na necessidade de trabalhar para gerar recursos. Para muitos de nós parar significa um ato de fé. As práticas a serem evitadas incluem compras ou colocar limites na tecnologia, como esquecer os e-mails e celulares. Além disto, no dia sabático escolhe-se práticas prazerosas e que apontam para a celebração da vida e a adoração a Jesus. As possibilidades são muitas: cultivar boas conversas com quem amamos, assistir um bom filme, ajuntar os amigos para louvar juntos, usar a criatividade.
Todas estas práticas, tanto as do trabalho que deixamos quanto as que cultivamos no dia sabático, pressupõem autoconhecimento. Isto significa que cada pessoa precisa personalizar este dia especial. Se o trabalho de alguém durante a semana é prioritariamente físico, foca-se em ativar a mente, como em ler um bom livro. Porém, se o trabalho for intelectual, foca-se em atividades físicas, como uma caminhada no parque. Às vezes a causa do cansaço emocional é o cansaço físico, então se precisa dormir bem e cuidar do corpo. Quando prestamos atenção em nós mesmos, reconhecemos quais atividades evitamos, pois as atividades de trabalho para cada um podem ser diferentes. No processo de escolher práticas para o dia sabático, atentamos também para a maneira e o sentido no qual a fazemos: jogamos futebol com “alegria nas pernas”, mas sem o foco em competir, por exemplo.
Gostaria de evocar outro aspecto desta discussão, pois a dificuldade de descansar pode estar além do dia sabático: enquanto não estamos inteiros nos relacionamentos, não descansamos. “Não consigo descansar” é a queixa de muita gente nesta geração hiperconectada, mas que não se vincula adequadamente com outro ser humano. Certo dia um rapaz me procurou dizendo que não conseguia dormir e sofria com insônia. Havia feito todos os exames médicos, mas não conseguia descobrir sua causa. Percebi que estava bastante ansioso e perguntei pelos seus relacionamentos. Narrou desarranjos familiares e dificuldades de relacionamento com seu irmão. Ele vivia em um campo de batalha. Não conseguia descanso, pois este advém de um posicionamento justo e verdadeiro diante de Deus, da realidade e do outro.
Não conseguir descansar pode evidenciar um desarranjo relacional: às vezes a ansiedade nos cansa mais que o trabalho. Reconhecer que não conseguimos descansar nos permite rever e prestar atenção nas questões mais fundamentais. Santo Agostinho dizia que o coração humano é inquieto e quando encontra verdadeiramente um Outro, o próprio Deus, alcança descanso. A insônia pode ser um aliado para que, diante Daquele que “aos seus amados dá enquanto dormem” (Salmo 127:2), revermos nossos posicionamentos e lançarmos nossa ansiedade diante de Deus (I Pedro 5:7), Aquele que tem cuidado de nós e é a fonte da saúde e graça para os nossos relacionamentos.
Um caminho para o verdadeiro descanso nesta geração hiperconectada é deliberadamente desconectarmos para reconhecermos que Deus é Deus: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Salmo 46:10). Transformamos nossas práticas cultivando um dia sabático em seu movimento de parar, descansar, acolher e festejar; e quando nosso cansaço estiver crônico, precisamos também rever os relacionamentos. Assim adquirimos, enquanto cultivamos um ritmo de trabalho e descanso, uma identidade sabática na qual o foco não é o fazer, produzir, alcançar, mas ser, reconhecer, participar e adorar. Descansemos!
• Davi Chang Ribeiro Lin é pastor na Comunidade Evangélica do Castelo, em Belo Horizonte. É psicólogo clínico, mestre em teologia pelo Regent College (Canadá) e doutorando em teologia (FAJE).
Foto: Freeimages
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Marva Dawn parte do pressuposto de que está inscrita a lógica de “trabalharmos seis e descansarmos um” em nossa constituição biológica e psíquica. O comunismo tentou semanas de 8 e Napoleão Bonaparte de 9 dias, mas a produtividade humana diminuiu! Sem deter-se nos debates sobre qual é o dia certo para guardar o sabbath ou dia sabático, Marva sugere que durante um dia específico da semana todos precisamos parar, assim como Deus fez no sétimo dia da criação. Apesar de um dia inteiramente separado para descansar sugerir chatice, legalismo ou até prática judaizante, seu sentido profundo é uma confiança em Deus que permite reconhecer a dádiva da vida em sua dimensão lúdica e alegre. Parar é necessário: impede-nos de fazer o papel de Deus, permitindo que Ele seja quem é de fato para nós, soberano, provedor, Aquele que trabalha para os que Nele esperam (Isaías 64:4).
Apesar de o termo descanso indicar passividade, o dia sabático é bem mais do que isso: inclui tanto as disciplinas interiores de parar e descansar, quanto as exteriores de acolher algo ou alguém e festejar. Os quatro movimentos do dia sabático são, respectivamente, parar, descansar, acolher e festejar, e se relacionam teologicamente a arrepender-se (parar), o reconhecimento de que não produzo minha salvação (descansar), nossa santificação como um presente de Deus (acolher) e a esperança escatológica do banquete final com Cristo (festejar).
No dia sabático, refreamos atividades trabalhosas, aquelas que colocam o foco na capacidade de produzir ou na necessidade de trabalhar para gerar recursos. Para muitos de nós parar significa um ato de fé. As práticas a serem evitadas incluem compras ou colocar limites na tecnologia, como esquecer os e-mails e celulares. Além disto, no dia sabático escolhe-se práticas prazerosas e que apontam para a celebração da vida e a adoração a Jesus. As possibilidades são muitas: cultivar boas conversas com quem amamos, assistir um bom filme, ajuntar os amigos para louvar juntos, usar a criatividade.
Todas estas práticas, tanto as do trabalho que deixamos quanto as que cultivamos no dia sabático, pressupõem autoconhecimento. Isto significa que cada pessoa precisa personalizar este dia especial. Se o trabalho de alguém durante a semana é prioritariamente físico, foca-se em ativar a mente, como em ler um bom livro. Porém, se o trabalho for intelectual, foca-se em atividades físicas, como uma caminhada no parque. Às vezes a causa do cansaço emocional é o cansaço físico, então se precisa dormir bem e cuidar do corpo. Quando prestamos atenção em nós mesmos, reconhecemos quais atividades evitamos, pois as atividades de trabalho para cada um podem ser diferentes. No processo de escolher práticas para o dia sabático, atentamos também para a maneira e o sentido no qual a fazemos: jogamos futebol com “alegria nas pernas”, mas sem o foco em competir, por exemplo.
Gostaria de evocar outro aspecto desta discussão, pois a dificuldade de descansar pode estar além do dia sabático: enquanto não estamos inteiros nos relacionamentos, não descansamos. “Não consigo descansar” é a queixa de muita gente nesta geração hiperconectada, mas que não se vincula adequadamente com outro ser humano. Certo dia um rapaz me procurou dizendo que não conseguia dormir e sofria com insônia. Havia feito todos os exames médicos, mas não conseguia descobrir sua causa. Percebi que estava bastante ansioso e perguntei pelos seus relacionamentos. Narrou desarranjos familiares e dificuldades de relacionamento com seu irmão. Ele vivia em um campo de batalha. Não conseguia descanso, pois este advém de um posicionamento justo e verdadeiro diante de Deus, da realidade e do outro.
Não conseguir descansar pode evidenciar um desarranjo relacional: às vezes a ansiedade nos cansa mais que o trabalho. Reconhecer que não conseguimos descansar nos permite rever e prestar atenção nas questões mais fundamentais. Santo Agostinho dizia que o coração humano é inquieto e quando encontra verdadeiramente um Outro, o próprio Deus, alcança descanso. A insônia pode ser um aliado para que, diante Daquele que “aos seus amados dá enquanto dormem” (Salmo 127:2), revermos nossos posicionamentos e lançarmos nossa ansiedade diante de Deus (I Pedro 5:7), Aquele que tem cuidado de nós e é a fonte da saúde e graça para os nossos relacionamentos.
Um caminho para o verdadeiro descanso nesta geração hiperconectada é deliberadamente desconectarmos para reconhecermos que Deus é Deus: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Salmo 46:10). Transformamos nossas práticas cultivando um dia sabático em seu movimento de parar, descansar, acolher e festejar; e quando nosso cansaço estiver crônico, precisamos também rever os relacionamentos. Assim adquirimos, enquanto cultivamos um ritmo de trabalho e descanso, uma identidade sabática na qual o foco não é o fazer, produzir, alcançar, mas ser, reconhecer, participar e adorar. Descansemos!
• Davi Chang Ribeiro Lin é pastor na Comunidade Evangélica do Castelo, em Belo Horizonte. É psicólogo clínico, mestre em teologia pelo Regent College (Canadá) e doutorando em teologia (FAJE).
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