Opinião
- 24 de janeiro de 2018
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Cristãos perseguidos no Egito: testemunhando o evangelho através do perdão
Por Wafik Wahba
No dia 9 de abril 2017, enquanto os cristãos egípcios celebravam o Domingo de Ramos, carregando folhas de palmeiras e cantando “Hosana nas alturas”, ataques coordenados com explosivos atingiram as igrejas de Alexandria e Tanta no norte do Egito. A celebração alegre se tornou luto em todo o país. O ataque foi somente um de uma série de ataques contra as igrejas e cristãos que deixou milhares de mortos e feridos. Somente em agosto de 2013, mais de 70 igrejas e instituições cristãs, além de centenas de lares e negócios cristãos, foram atacados ou queimados.
Durante toda a história, os coptas, cristãos nativos do Egito, sofreram perseguições esporádicas e muitas vezes intensas[1]:
- Nos primeiro e segundo séculos, 16% da população egípcia era cristã (a maior porcentagem de cristãos no Império Romano da época). Por causa disto, os cristãos egípcios sofreram a pior perseguição romana, com milhares de mortos pelas autoridades.
- Os coptas sofreram perseguições terríveis durante os séculos sete, doze e quatorze. Centenas de igrejas e monastérios foram destruídos, enquanto incontáveis cristãos foram massacrados ou forçados a mudar de religião.
- No século doze, os cristãos deixaram de ser a maioria e, desde então, têm sido minoria em seu país nativo.
Por que os ataques?
Uma das questões que gera tensão em tal contexto é: “Por que os cristãos foram atacados?” Afinal, os coptas nunca iniciaram ataques aos outros; pelo contrário, vivem em harmonia com a comunidade contribuindo para o bem estar da sociedade. A maioria das pessoas que frequentam escolas cristãs no Egito, que são tratadas em hospitais cristãos ou que se beneficiam dos serviços sociais oferecidos pelas organizações cristãs são pessoas não-cristãs. Então, por que tais atrocidades são cometidas contra os cristãos egípcios pacíficos?
As comunidades cristãs e muçulmanas coexistem no Egito há treze séculos, um dos exemplos mais longos de coexistência. A história de suas interações são longas e ricas, carregando diversas camadas de memórias e eventos. Algumas destas memórias são dolorosas e desencorajadoras, outras são cheias de esperança e promessa.
Os relacionamentos cristão-muçulmanos são frequentemente vistos através da lente de percepção do outro; da maneira que cada comunidade enxerga a outra, geralmente resultando em certas atitudes e ações:
- Muitos muçulmanos moderados têm um relacionamento amigável com seus vizinhos cristãos, afirmando a cultura pacífica de coexistência e respeito mútuos.
- No entanto, atitudes tradicionalistas estão aumentando e criando mais tensão entre cristãos e muçulmanos.
Tais tensões devem ser vistas no contexto mais amplo da estrutura sociopolítica do país.
Reavivamento islâmico
Durante o século vinte, o Egito buscou adotar programas de modernização nos sistemas educacionais, sociais e políticos. Os princípios de coexistência e respeito mútuo entre as duas comunidades religiosas foram elementos chave. Infelizmente, os programas não conseguiram oferecer uma reforma sócio-política de longo prazo por causa de corrupção, modelos de liderança ditatoriais e diversas forças externas que tentavam levar o país em outras direções.
Com a falha dos programas em criar novos sistemas de estabilidade sócio-política, uma nova onda de reavivamento muçulmano surgiu na segunda metade do século vinte, em uma tentativa de preencher o vácuo sócio-político. O reavivamento tomou a forma de maior observância pessoal e pública, tal como um comprometimento renovado de frequentar a mesquita, ou usar vestimentas tradicionais muçulmanas, como forma de afirmar a identidade muçulmana contra a secularização e modernização ocidental. Frequentemente tal modernização é vista como “cristã”.
No entretempo, o Egito experimentou a proliferação de programas religiosos na educação, publicações e programas midiáticos muçulmanos, enquanto as massas foram encorajadas a aderirem as ordenanças religiosas do islamismo por pregadores carismáticos. Tal intensificação do fervor religioso criou um novo compromisso entre as massas para que aderissem ao “caminho reto do islamismo” contra a descrença e infidelidade inertes aos cristãos e adotada pelos cristãos. Isto intensificou a percepção das diferenças religiosas entre cristãos e muçulmanos.
Tensões Globais
As tensões religiosas globais também afetam os relacionamentos entre cristãos e muçulmanos em países como o Egito.[2] Muitos muçulmanos não conseguem distinguir a estrutura secularizada das sociedades ocidentais do cristianismo. Decisões políticas e interações com o ocidente são frequentemente vistas como uma luta entre islamismo e cristianismo sobre a dominação dos recursos e territórios globais. Alguns muçulmanos tradicionalistas inclusive enxergam os planos ocidentais como ofensa deliberada contra o islamismo e muçulmanos. De forma semelhante, as comunidades cristãs, como no Egito, se tornam um alvo fácil de ataques dos planos ocidentais que são vistos como “cristãos”.
Em um mundo de rápidas mudanças em termos de conflitos sociais e políticos além de instabilidade econômica, sentimentos de angústia às vezes levam a reações irracionais, uma realidade que muita vez colore os encontros diários entre cristãos e muçulmanos no Egito. Na afirmação da identidade muçulmana contra as inquietações socioeconômicas e políticas, geralmente afeta os relacionamentos entre cristãos e muçulmanos. Enquanto os cristãos e muçulmanos no Egito estão enfrentando as mesmas tensões sociopolíticas e econômicas, os cristãos às vezes se tornam os alvos de ataques como forma de desabafo dos muçulmanos.
Mentalidade de soma zero
A simples presença de cristãos numa sociedade de maioria muçulmana como o Egito irrita os muçulmanos, especialmente os tradicionais, que buscam criar uma comunidade muçulmana com base nos princípios do islamismo. Do ponto de vista deles, o islamismo é a única e última fé verdadeira. Portanto, outras comunidades deveriam se submeter a Deus e à lei de Deus descrita pelo islamismo. Há a expectativa de que todas as outras comunidades, inclusive as cristãs virão a aceitar a última fé verdadeira. Portanto, a existência de outras comunidades religiosas (mesmo que em minoria) são consideradas um desafio ou ameaça ao próprio islamismo.
No geral, a presença dos cristãos em sociedades predominantemente muçulmanas tem atraído suspeita invejosa e reprovação. São acusados de deter recursos escondidos ou de exercer poder além de seu tamanho – influência de teorias de conspiração que ofendem o orgulho dos que sentem que executam suas funções da forma correta. A prosperidade de alguns cristãos, além de seu conhecido papel em administração e finanças torna os cristãos alvos de raiva que não tem uma causa legítima.
Tais emoções são frequentemente indefinidas, e as tentativas dos cristãos de ter um espírito público, ou até de agir como que pedindo desculpas, serve somente para alimentar a animosidade. Em tal contexto, a auto-definição e auto-realização dos cristãos só podem ser obtidas dentro das limitações da moldura sociopolítica determinadas pelos regimes muçulmanos. Com a forma determinada pelo aglomerado de circunstâncias religiosas, culturais e políticas, um tema constante para os coptas tem sido seu destino e até mesmo sobrevivência em coexistência com o islamismo.
Comunidades isoladas
Isto criou um senso de isolamento mútuo e hostilidade entre as duas comunidades que não existia antes. Apesar da influência de um sistema de estado semi-secularizado que afirma a cidadania sob a lei civil em comum, a mentalidade de comunidade e isolamento cultural persistem, com ambas as comunidades incapazes de apreciar as tradições religiosas da outra. O isolamento cria percepções equivocadas dos dois lados.
Do ponto de vista islâmico, o que é verdadeiro e aceitável é o que a grande parte da sociedade aceita como verdade. Como os cristãos mantém crenças e valores diferentes dos muçulmanos, às vezes até contraditórios, são frequentemente vistos com suspeita. Do ponto de vista tradicionalista, os não-muçulmanos são “descrentes” ou “infiéis” com crenças religiosas e estilo de vida que não podem ser tolerados. Os muçulmanos em geral estão preocupados que os cristãos apresentam um estilo de vida que não é compatível com o que o islamismo entende como verdadeira adoração a Deus e um estilo de vida piedoso.
Como resultado, os cristãos resolveram criar suas próprias comunidades (frequentemente dentro da igreja) dentro da sociedade maior; esta é uma forma de manter suas crenças e valores contra as críticas muçulmanas e a conversão forçada. Tal hibernação cultural se torna uma forma de sobreviver e manter a identidade histórica e cultural que de outra forma seria engolida pela grande sociedade. A única escapatória deste contexto social tenso é deixar o país. Somente nos últimos sete anos, mais de meio milhão de coptas emigraram do Egito, adicionando aos outros três milhões que já vivem fora do Egito.
O poder do perdão
Enquanto muitos cristãos se esforçam para escolher entre deixar o país ou sofrer ainda mais, a resposta extraordinária dos cristãos aos ataques violentos que ocorrerem desde 2013 tem oferecido diversas oportunidades para testemunhar o evangelho e um senso de missão renovado para a comunidade como um todo. Os cristãos não buscaram vingança; em vez disso, ofereceram o perdão aos que assassinaram seus queridos. Muitas famílias cristãs abraçam o martírio como presente de Deus e para Deus ao manterem um equilíbrio entre seu amor pela vida e sua disposição de morrer por Cristo. Como um dos bispos mencionou em um funeral em massa para os mártires:
Verdade, amamos o martírio. Mas também amamos a vida. Não odiamos a vida na terra. Deus nos criou na terra para viver, não morrer. O fato de que aceitamos a morte não significa que nosso sangue não tenha valor, e não significa que não importa para nós. Não cometemos o suicídio. Mas testemunhamos para Cristo, quer com nossas vidas ou através da transição para o paraíso. Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor.[3]
As mídias sociais e outras mídias reportaram as atitudes extraordinárias de perdão cristão, ao entrevistar os membros de famílias que perderam entes queridos. Eles falaram abertamente sobre sua fé cristã e o que significa estender o perdão de Deus.
Testemunhos cristãos tão poderosos tiveram um impacto duradouro sobre a comunidade muçulmana, que ficou estarrecida pela resposta dos cristãos. Em muitos casos, os muçulmanos ficaram ultrajados com o ódio cego e mau por trás destas atrocidades, expressando seu choque sobre a ênfase dado pelos cristãos sobre o amor e perdão.
Implicações
Este poderoso testemunho cristão ao evangelho do amor e perdão dentre tanto ódio terá um impacto positivo sobre as atitudes de muitos muçulmanos com relação ao cristianismo e aos cristãos. Ele causa curiosidade sobre a fé cristã e o evangelho do perdão, fazendo com que muitos se perguntem: “que tipo de fé é essa?”, Enquanto isso, muitos cristãos foram capacitados pelos testemunhos dos que corajosamente estenderam o amor e perdão, obtendo um senso renovado de missão em meio ao sofrimento.
O que está acontecendo no Egito não é um evento remoto na história da igreja, mas sim um testemunho vivo do poder da fé cristã. A igreja mundial é enriquecida pelo testemunho fiel dos muitos cristãos egípcios cuja fé exemplifica o verdadeiro significado da esperança. A igreja mundial é novamente relembrada que no cerne do testemunho cristão está a capacidade de sofrer por cristo. “Pois a vocês foi dado o privilégio de, não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele” (Fp 1:29). A vida em Cristo é também um chamado de fidelidade até a morte.
Sendo testemunhas fiéis, os cristãos não somente sofrem por Cristo, mas também têm esperança de um futuro glorificado com Deus. Os mártires egípcios do Domingo de Ramos instantaneamente trocaram suas vestes ensanguentadas terrestres por vestes brancas de mártires lavadas no sangue do Cordeiro; e seus ramos terrestres foram trocados por ramos celestiais, ao adorarem o Cordeiro assentado no trono (Ap 7).
A igreja mundial é convidada a fielmente orar pelos mártires da igreja, enquanto os cristãos do Egito buscam viver fielmente ao evangelho do amor e perdão durante tempos de sofrimento e perseguição.
Notas:
1. Nota do Editor: Veja o artigo do Thomas Harvy:‘The State and Religious Persecution: the global rise of secular and religious restriction and their impact on missions’ (“O estado e perseguição religiosa: o aumento da restrição religiosa e secular e seu impacto na missão”, em tradução livre), na edição de março de 2016 da Análise Global de Lausanne.
2. Nota do Editor: Veja o artigo do John Azumah: ‘The Challenge of Radical Islam: an evangelical response’ (“O desafio do radicalismo islâmico: uma resposta evangélica”, em tradução livre) na edução de março de 2015 da Análise Global de Lausanne
3. Nota do Editor: Citações do Bispo Paula, Bispo da Igreja Copta Ortodoxa da cidade de Tanta, onde os ataques ocorreram no Domingo de Ramos de 2017. Para ler a citação exata, veja uma carta do Ramez Atallah, Diretor geral da Sociedade Bíblica do Egito, como citado no blog de Jason McKnight; e veja este artigo da Sociedade Bíblica da Escócia.
1. Sexta-feira da Paixão na igreja copta, por Chaoyue 超越 PAN 潘 (CC BY-NC-ND 2.0).
2. Protesto dos coptas em Dublin, por Tomasz Szustek (CC BY-NC-ND 2.0).
3. Protesto no Egito, por Takver (CC BY-SA 2.0).
Publicado originalmente na Análise Global de Lausanne 2018.
No dia 9 de abril 2017, enquanto os cristãos egípcios celebravam o Domingo de Ramos, carregando folhas de palmeiras e cantando “Hosana nas alturas”, ataques coordenados com explosivos atingiram as igrejas de Alexandria e Tanta no norte do Egito. A celebração alegre se tornou luto em todo o país. O ataque foi somente um de uma série de ataques contra as igrejas e cristãos que deixou milhares de mortos e feridos. Somente em agosto de 2013, mais de 70 igrejas e instituições cristãs, além de centenas de lares e negócios cristãos, foram atacados ou queimados.
Durante toda a história, os coptas, cristãos nativos do Egito, sofreram perseguições esporádicas e muitas vezes intensas[1]:
- Nos primeiro e segundo séculos, 16% da população egípcia era cristã (a maior porcentagem de cristãos no Império Romano da época). Por causa disto, os cristãos egípcios sofreram a pior perseguição romana, com milhares de mortos pelas autoridades.
- Os coptas sofreram perseguições terríveis durante os séculos sete, doze e quatorze. Centenas de igrejas e monastérios foram destruídos, enquanto incontáveis cristãos foram massacrados ou forçados a mudar de religião.
- No século doze, os cristãos deixaram de ser a maioria e, desde então, têm sido minoria em seu país nativo.
Por que os ataques?
Uma das questões que gera tensão em tal contexto é: “Por que os cristãos foram atacados?” Afinal, os coptas nunca iniciaram ataques aos outros; pelo contrário, vivem em harmonia com a comunidade contribuindo para o bem estar da sociedade. A maioria das pessoas que frequentam escolas cristãs no Egito, que são tratadas em hospitais cristãos ou que se beneficiam dos serviços sociais oferecidos pelas organizações cristãs são pessoas não-cristãs. Então, por que tais atrocidades são cometidas contra os cristãos egípcios pacíficos?
As comunidades cristãs e muçulmanas coexistem no Egito há treze séculos, um dos exemplos mais longos de coexistência. A história de suas interações são longas e ricas, carregando diversas camadas de memórias e eventos. Algumas destas memórias são dolorosas e desencorajadoras, outras são cheias de esperança e promessa.
Os relacionamentos cristão-muçulmanos são frequentemente vistos através da lente de percepção do outro; da maneira que cada comunidade enxerga a outra, geralmente resultando em certas atitudes e ações:
- Muitos muçulmanos moderados têm um relacionamento amigável com seus vizinhos cristãos, afirmando a cultura pacífica de coexistência e respeito mútuos.
- No entanto, atitudes tradicionalistas estão aumentando e criando mais tensão entre cristãos e muçulmanos.
Tais tensões devem ser vistas no contexto mais amplo da estrutura sociopolítica do país.
Reavivamento islâmico
Durante o século vinte, o Egito buscou adotar programas de modernização nos sistemas educacionais, sociais e políticos. Os princípios de coexistência e respeito mútuo entre as duas comunidades religiosas foram elementos chave. Infelizmente, os programas não conseguiram oferecer uma reforma sócio-política de longo prazo por causa de corrupção, modelos de liderança ditatoriais e diversas forças externas que tentavam levar o país em outras direções.
Com a falha dos programas em criar novos sistemas de estabilidade sócio-política, uma nova onda de reavivamento muçulmano surgiu na segunda metade do século vinte, em uma tentativa de preencher o vácuo sócio-político. O reavivamento tomou a forma de maior observância pessoal e pública, tal como um comprometimento renovado de frequentar a mesquita, ou usar vestimentas tradicionais muçulmanas, como forma de afirmar a identidade muçulmana contra a secularização e modernização ocidental. Frequentemente tal modernização é vista como “cristã”.
No entretempo, o Egito experimentou a proliferação de programas religiosos na educação, publicações e programas midiáticos muçulmanos, enquanto as massas foram encorajadas a aderirem as ordenanças religiosas do islamismo por pregadores carismáticos. Tal intensificação do fervor religioso criou um novo compromisso entre as massas para que aderissem ao “caminho reto do islamismo” contra a descrença e infidelidade inertes aos cristãos e adotada pelos cristãos. Isto intensificou a percepção das diferenças religiosas entre cristãos e muçulmanos.
Tensões Globais
As tensões religiosas globais também afetam os relacionamentos entre cristãos e muçulmanos em países como o Egito.[2] Muitos muçulmanos não conseguem distinguir a estrutura secularizada das sociedades ocidentais do cristianismo. Decisões políticas e interações com o ocidente são frequentemente vistas como uma luta entre islamismo e cristianismo sobre a dominação dos recursos e territórios globais. Alguns muçulmanos tradicionalistas inclusive enxergam os planos ocidentais como ofensa deliberada contra o islamismo e muçulmanos. De forma semelhante, as comunidades cristãs, como no Egito, se tornam um alvo fácil de ataques dos planos ocidentais que são vistos como “cristãos”.
Em um mundo de rápidas mudanças em termos de conflitos sociais e políticos além de instabilidade econômica, sentimentos de angústia às vezes levam a reações irracionais, uma realidade que muita vez colore os encontros diários entre cristãos e muçulmanos no Egito. Na afirmação da identidade muçulmana contra as inquietações socioeconômicas e políticas, geralmente afeta os relacionamentos entre cristãos e muçulmanos. Enquanto os cristãos e muçulmanos no Egito estão enfrentando as mesmas tensões sociopolíticas e econômicas, os cristãos às vezes se tornam os alvos de ataques como forma de desabafo dos muçulmanos.
Mentalidade de soma zero
A simples presença de cristãos numa sociedade de maioria muçulmana como o Egito irrita os muçulmanos, especialmente os tradicionais, que buscam criar uma comunidade muçulmana com base nos princípios do islamismo. Do ponto de vista deles, o islamismo é a única e última fé verdadeira. Portanto, outras comunidades deveriam se submeter a Deus e à lei de Deus descrita pelo islamismo. Há a expectativa de que todas as outras comunidades, inclusive as cristãs virão a aceitar a última fé verdadeira. Portanto, a existência de outras comunidades religiosas (mesmo que em minoria) são consideradas um desafio ou ameaça ao próprio islamismo.
No geral, a presença dos cristãos em sociedades predominantemente muçulmanas tem atraído suspeita invejosa e reprovação. São acusados de deter recursos escondidos ou de exercer poder além de seu tamanho – influência de teorias de conspiração que ofendem o orgulho dos que sentem que executam suas funções da forma correta. A prosperidade de alguns cristãos, além de seu conhecido papel em administração e finanças torna os cristãos alvos de raiva que não tem uma causa legítima.
Tais emoções são frequentemente indefinidas, e as tentativas dos cristãos de ter um espírito público, ou até de agir como que pedindo desculpas, serve somente para alimentar a animosidade. Em tal contexto, a auto-definição e auto-realização dos cristãos só podem ser obtidas dentro das limitações da moldura sociopolítica determinadas pelos regimes muçulmanos. Com a forma determinada pelo aglomerado de circunstâncias religiosas, culturais e políticas, um tema constante para os coptas tem sido seu destino e até mesmo sobrevivência em coexistência com o islamismo.
Comunidades isoladas
Isto criou um senso de isolamento mútuo e hostilidade entre as duas comunidades que não existia antes. Apesar da influência de um sistema de estado semi-secularizado que afirma a cidadania sob a lei civil em comum, a mentalidade de comunidade e isolamento cultural persistem, com ambas as comunidades incapazes de apreciar as tradições religiosas da outra. O isolamento cria percepções equivocadas dos dois lados.
Do ponto de vista islâmico, o que é verdadeiro e aceitável é o que a grande parte da sociedade aceita como verdade. Como os cristãos mantém crenças e valores diferentes dos muçulmanos, às vezes até contraditórios, são frequentemente vistos com suspeita. Do ponto de vista tradicionalista, os não-muçulmanos são “descrentes” ou “infiéis” com crenças religiosas e estilo de vida que não podem ser tolerados. Os muçulmanos em geral estão preocupados que os cristãos apresentam um estilo de vida que não é compatível com o que o islamismo entende como verdadeira adoração a Deus e um estilo de vida piedoso.
Como resultado, os cristãos resolveram criar suas próprias comunidades (frequentemente dentro da igreja) dentro da sociedade maior; esta é uma forma de manter suas crenças e valores contra as críticas muçulmanas e a conversão forçada. Tal hibernação cultural se torna uma forma de sobreviver e manter a identidade histórica e cultural que de outra forma seria engolida pela grande sociedade. A única escapatória deste contexto social tenso é deixar o país. Somente nos últimos sete anos, mais de meio milhão de coptas emigraram do Egito, adicionando aos outros três milhões que já vivem fora do Egito.
O poder do perdão
Enquanto muitos cristãos se esforçam para escolher entre deixar o país ou sofrer ainda mais, a resposta extraordinária dos cristãos aos ataques violentos que ocorrerem desde 2013 tem oferecido diversas oportunidades para testemunhar o evangelho e um senso de missão renovado para a comunidade como um todo. Os cristãos não buscaram vingança; em vez disso, ofereceram o perdão aos que assassinaram seus queridos. Muitas famílias cristãs abraçam o martírio como presente de Deus e para Deus ao manterem um equilíbrio entre seu amor pela vida e sua disposição de morrer por Cristo. Como um dos bispos mencionou em um funeral em massa para os mártires:
Verdade, amamos o martírio. Mas também amamos a vida. Não odiamos a vida na terra. Deus nos criou na terra para viver, não morrer. O fato de que aceitamos a morte não significa que nosso sangue não tenha valor, e não significa que não importa para nós. Não cometemos o suicídio. Mas testemunhamos para Cristo, quer com nossas vidas ou através da transição para o paraíso. Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor.[3]
As mídias sociais e outras mídias reportaram as atitudes extraordinárias de perdão cristão, ao entrevistar os membros de famílias que perderam entes queridos. Eles falaram abertamente sobre sua fé cristã e o que significa estender o perdão de Deus.
Testemunhos cristãos tão poderosos tiveram um impacto duradouro sobre a comunidade muçulmana, que ficou estarrecida pela resposta dos cristãos. Em muitos casos, os muçulmanos ficaram ultrajados com o ódio cego e mau por trás destas atrocidades, expressando seu choque sobre a ênfase dado pelos cristãos sobre o amor e perdão.
Implicações
Este poderoso testemunho cristão ao evangelho do amor e perdão dentre tanto ódio terá um impacto positivo sobre as atitudes de muitos muçulmanos com relação ao cristianismo e aos cristãos. Ele causa curiosidade sobre a fé cristã e o evangelho do perdão, fazendo com que muitos se perguntem: “que tipo de fé é essa?”, Enquanto isso, muitos cristãos foram capacitados pelos testemunhos dos que corajosamente estenderam o amor e perdão, obtendo um senso renovado de missão em meio ao sofrimento.
O que está acontecendo no Egito não é um evento remoto na história da igreja, mas sim um testemunho vivo do poder da fé cristã. A igreja mundial é enriquecida pelo testemunho fiel dos muitos cristãos egípcios cuja fé exemplifica o verdadeiro significado da esperança. A igreja mundial é novamente relembrada que no cerne do testemunho cristão está a capacidade de sofrer por cristo. “Pois a vocês foi dado o privilégio de, não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele” (Fp 1:29). A vida em Cristo é também um chamado de fidelidade até a morte.
Sendo testemunhas fiéis, os cristãos não somente sofrem por Cristo, mas também têm esperança de um futuro glorificado com Deus. Os mártires egípcios do Domingo de Ramos instantaneamente trocaram suas vestes ensanguentadas terrestres por vestes brancas de mártires lavadas no sangue do Cordeiro; e seus ramos terrestres foram trocados por ramos celestiais, ao adorarem o Cordeiro assentado no trono (Ap 7).
A igreja mundial é convidada a fielmente orar pelos mártires da igreja, enquanto os cristãos do Egito buscam viver fielmente ao evangelho do amor e perdão durante tempos de sofrimento e perseguição.
Notas:
1. Nota do Editor: Veja o artigo do Thomas Harvy:‘The State and Religious Persecution: the global rise of secular and religious restriction and their impact on missions’ (“O estado e perseguição religiosa: o aumento da restrição religiosa e secular e seu impacto na missão”, em tradução livre), na edição de março de 2016 da Análise Global de Lausanne.
2. Nota do Editor: Veja o artigo do John Azumah: ‘The Challenge of Radical Islam: an evangelical response’ (“O desafio do radicalismo islâmico: uma resposta evangélica”, em tradução livre) na edução de março de 2015 da Análise Global de Lausanne
3. Nota do Editor: Citações do Bispo Paula, Bispo da Igreja Copta Ortodoxa da cidade de Tanta, onde os ataques ocorreram no Domingo de Ramos de 2017. Para ler a citação exata, veja uma carta do Ramez Atallah, Diretor geral da Sociedade Bíblica do Egito, como citado no blog de Jason McKnight; e veja este artigo da Sociedade Bíblica da Escócia.
- Wafik Wahba é professor associado de Cristianismo Global no Seminário Tyndale em Toronto, Canadá. Ele leccionou Teologia, Cristianismo Global, Contextualização Cultural e Islamismo nos EUA, Oriente Médio, África, Sudeste Asiático e América do Sul, além de ter pastoreado igrejas em Chicago e em Toronto.
1. Sexta-feira da Paixão na igreja copta, por Chaoyue 超越 PAN 潘 (CC BY-NC-ND 2.0).
2. Protesto dos coptas em Dublin, por Tomasz Szustek (CC BY-NC-ND 2.0).
3. Protesto no Egito, por Takver (CC BY-SA 2.0).
Publicado originalmente na Análise Global de Lausanne 2018.
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