[1] Finalmente Jó quebrou o silêncio e amaldiçoou a dia do seu nascimento….[6] “que aquela noite fique escura e desapareça do calendário!….[8] que seja amaldiçoada pelos feiticeiros!…[20] por que os infelizes continuam vendo a luz?

Reflexão

Se você consegue ler o capítulo 3 de Jó, devagar, assimilando um pouquinho o seu repúdio, então está de parabens. Que capítulo difícil de ler, pelo menos para aqueles que tem um pouco de coração!

Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades… Quem não gosta de ouvir esta música? Ela lembra da reunião de amigos, familiares, presentes, e um bolo gostoso, não é? Mas Jó não pensava em seu aniversário assim. Não agora. Ele finalmente põe para fora todo o sentimento e ressentimento ruim. Não consegue mais engolir quieto, passivo, e religiosamente correto a sua situação. Veja que invoca até feiticeiros! Dizem os psicólogos que por os sentimentos fora é bom, até terapêutico. E quem sou para discordar de peritos? Sei que o sentimento sair da garanta é bom. Mas, no caso de Jó, tenho as minhas dúvidas. Explico…

A impressão que se tem é que o desabafo é sempre positivo. E acredito que geralmente o é. Mas o caso de Jó é diferente. Leia bem o capítulo, e veja como ele desabafou. Há algo dissonante aqui. Pois, antes, ele nobremente recusava amaldiçoar Deus. Afinal era “crente”, óbvio que não no sentido de colocar a sua fé em Jesus…isto é anacrônico…mas era temente a Deus. Logo, como “crente”não lhe é permitido amaldiçoar o Criador. E em nenhum momento ele o faz, pelo menos não tecnicamente. E aí está o problema. Quando finalmente desabafa no capítulo 3, ele não consegue segurar mais a dor. Não aguenta a tristeza. O homem crente desmorona diante do peso intolerável do sofrimento. E veja bem, amaldiçoa quase tudo que pode imaginar associado à sua existência, menos diretamente o próprio Deus. Afinal, quem estabeleceu o dia em que Jó nasceu? E quem lhe deu a mãe que o gerou? E quem lhe deu a própria vida? Indiretamente ele “amaldiçoa” Deus, mas sem amaldiçoá-lo.

Eu consigo me identificar com esta atitude, mesmo que jamais tenha sentido a profundidade da dor e da perda que ele sentiu. Como crente, como pastor e como teólogo, sei que certas atitudes e certas reclamações não me cabem, mas sou rebelde do mesmo jeito (a minha esposa infelizmente confirma). E quando não aguento mais — isto só acontece com os seres humanos, quem não for, escapa — não vou “xingar” (já pensou se alguma “ovelha” ouvísse?), mas vou dar um jeito de mostrar minha indigação com o próprio Deus.

Sinceramente não sei se há outro jeito. Logo, não estou censurando Jó, afinal quem aguenta o que ele aguentou sem nenhum piu?

Por outro lado, Jó não amaldiçoou Deus. Mas quero reparar outra lição do capítulo 3…muito simples, mas muito profunda…

Foi Jó que quebrou o silêncio, não os seus amigos. Pois o capítulo 2 terminou com a solidariedade dos amigos, quietos ao seu lado. A tentação de falar alguma palavra de consolo ou “explicação” deve ter sido enorme. Mas os amigos resistiram firmes a tentação e permaneceram QUIETOS. Foi Jó quem quebrou o silêncio. E veja só, os amigos também não interromperam a reclamação longa e gritante de Jó. Não deram nenhuma correção teológica quando Jó amaldiçoou o dia que nasceu. Não o repreenderam quando invocou os feitiçeiros para amaldiçoar aquele que virou o dia em noite e escuridão para Jó. Não o cortaram quando Jó desejou a morte. Ouviram quietos…melhor, talvez estivessem até inquietos, mas estavam silenciosos do mesmo jeito.

Não se interrompa o desabafo, mesmo (talvez especialmente) o desabafo teologicamente incorreto. Apenas ouça.

Oração

Pai, eu sei que  falo muitas coisas erradas para o Senhor, mas o Senhor nunca me interrompe, e eu sou menor que uma amoeba numa formiga diante de Ti. Por favor, me dê a tua graça para permanecer quieto diante do desabafo do meu igual. Em nome de Cristo Jesus. Amém

  1. Antonia Leonora van der Meer

    Estou gostando bastante destes comentários, fazer a gente aprofundar nossa reflexão e não simplesmente condenar os amigos – sem ver as lições boas que podemos aprender de sua solidariedade, e nesse capítulo perceber que nosso “santo” Jó é muito humano e que Deus é paciente com ele e o ouve, e seus amigos também o ouvem…

  2. Conheci o site agora, e estou realmente encantada. Encontrei palavras muito sábias que me fizeram repensar e avaliar alguns requisitos de minha vida. No que diz respeito a esse texto, eu concordo inteiramente com você. Quem, feito de carne e osso, conseguiria segurar a boca diante de tamanha dor? E olha que Jó foi forte o bastante para falar apenas quando ele se viu no fundo do poço. Nós, muitas vezes, murmuramos por qualquer coisinha pequena que nos acontece.
    Temos muito mesmo a aprender com a Palavra e com a história desses homens de Deus.

    Abraços =)

  3. Amei sua explicacao me ajudou muito na compreensao do contexto q a no capitulo 3
    Tambem procuro pesquisar com afinco o livro de Jo
    Gostaria de saber amado pastor se tens algum comentario exegetico dos vocabulos hebraicos usado no capitulo 3 parabens pelo comentario aqui apresentado

  4. Muito bom, essa análise traz o personagem agindo como ser humano, geralmente as pregações que tenho visto sobre ele sempre o coloca como um homem passivo sem questionar a Deus diante de tudo que lhe ocorreu, parece que as pessoas ignoram esse desabafo e apresentam Jó como um super crente, sendo que Deus estava o protegendo o tempo todo, portanto o perdoou quando demonstrou essa fraqueza, pois compreendia seu momento de dor e lamento. Não desista de ser fiel, assim como Jó, é no deserto que nos aproximamos de Deus, amém. Obrigada.

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