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Dores do mundo

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São muitas as dores do mundo e elas parecem sugar nossa força, de modo que, beiramos o esgotamento. E aí propor refletir sobre elas parece demais, pois, seria mais cansaço para um debilitado. A tendência é entregarmos os pontos nesse jogo cruel, ou, jogarmos a toalha nessa luta constante. Mais fácil é sermos tragados pelas faltas, sem preenchimento de sentidos. A sensação de que nada tapa alguns buracos existenciais desanima muitos que tem já veem perspectivas estreitas no seu dia a dia.

Alguns param, desistem e são consumidos por angústias inomináveis no momento. Outros, vivem no automático. Da casa para o trabalho, do garfo a boca, da academia para o encontro com colegas, da sala de aula para a cama, mas é só. Um esforço para manter um desempenho social. Afinal, a vida nos palcos digitais exige espetáculo, as redes sociais fisgaram nosso tempo congelando nosso sorriso, e, os cliques não podem parar.

Ameaçados pelo fracasso remamos nesse oceano do sucesso, que prometem tempestades à vista. Nossa embarcação parece tão miúda frente a imensidão do mar! Na meteorologia interior o tempo está nublado sujeito a trovoadas. Mas a viagem precisa prosseguir, mesmo que não se saiba bem o destino ou se perceba à deriva. Ventos que nos carreguem! Resta-nos torcer pelo menos pior. Sobrevivência. Ao menos, coisas estão acontecendo…

Nesse ritmo cria-se intervalos de frenesi. Em algum lugar é preciso liberar um tanto dessa aflição, a sensação é que se permanecermos entalados a implosão se dará a qualquer instante. Então, escapadas ilegais são consentidas. Vive-se aventuras errantes, um descarrego fundamental. Ignora-se a culpa e faz-se as pazes com “pequenas transgressões”. Cada vez se incomoda menos, e é integrado a uma suposta normalidade, uma frequência maior, comum, sem crises, apenas dependências. Por que não?

Além do mais a indústria farmacêutica está a nosso favor. Desenvolve-se para nos servir. Portanto, abusos podem aumentar. Testes cotidianos para ver até onde aguentamos.

Lugar para espiritualidade? Nem sempre, mas cabe como espaço da vida no automático. Ou ainda, como memória remota num alento em frestas de esperança a serem resgatadas.

“Duvidaram de Deus, dizendo: ‘Poderá Deus preparar uma mesa no deserto?” (Sl 78.19).

Famintos, mas desconfiados. É tanta frustração e cansaço que esperar algo bom no deserto seria demais, pouco provável. O cativeiro ao menos é conhecido. A ansiedade já é familiar, nada de criar novas expectativas. Nada como uma cova onde eu já me sinto quase confortável. A esperança foi enterrada antes da gente.

A fé na dor é maior que qualquer fé no amor. Uma geração comprometida, que faz mera manutenção da existência, e não mais considera uma mesa no deserto. A realidade do deserto é sofreguidão, escassez, adaptações às desgraças. Acreditar numa intervenção divina? Milagres são miragens.

E uma revolta cresce no coração de alguns, enquanto outros, amorfos, se ajeitam na cama-caixão. “não creram em Deus nem confiaram no seu poder salvador” (Sl 78.22).

O que a fé, a esperança e o amor poderiam fazer?

Não existem apenas esses grupos de pessoas, onde o trágico predomina. Há mais alguns que se deixaram penetrar por fé, amor e esperança. Contrapondo ao relato do salmista quanto

àquela gente desconfiada, o apóstolo Paulo conta de uma outra gente que vive diferente: “Lembramos continuamente, diante de nosso Deus e Pai, que vocês têm demostrado: o trabalho que resulta da fé, o esforço motivado pelo amor e a perseverança proveniente da esperança em nosso Senhor Jesus Cristo” (I Ts 1.3). Aqui tem trabalho, esforço, luta, dificuldades que requerem perseverança, mas, há uma relação de confiança, fé nutrida mesmo no deserto, o amor como combustível, nutriente fundamental, e esperança numa pessoa – Deus feito gente, Jesus Cristo.

Descobertas sobre um Deus Amigo

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Diante do medo, tristeza, incertezas de discípulos confusos, Jesus diz: “O Amigo, o Espírito Santo, irá esclarecer tudo para vocês” (Jo 14.26).

Jesus estava consciente do que vinha pela frente. Despedidas, crucificação, término de uma etapa, que mudaria tudo, cumpriria algo já resolvido desde a eternidade. Mas também sabia que aqueles que andavam com ele estavam perturbados no coração, desorientados ficariam ainda mais. E ele quer cuidar, prepará-los para tempos difíceis. Gostariam que eles tivessem paz, mesmo em tempos de prováveis inquietações. “Não permitam que esta situação os aflija. Vocês confiam em Deus, não confiam? Confiem em mim” e, “não ficam deprimidos nem perturbados”, “eu os deixarei com assistência plena” (Jo 14.1, 27).

Ao lermos toda a história registrada no Novo Testamento vemos em boa parte o quanto o Espírito de Deus esclareceu, animou, renovou, conduziu, consolou, desafiou, enviou, enfim, fez-se amigo presente – Deus entre nós.

O Espírito de Cristo nos faz lembrar de que Deus sempre desejou oferecer essa segurança ao ser humano caído, aflito, temeroso, abatido. Sensação de derrota e abandono são frequentes em seres frágeis como somos.

E através do profeta Isaías, assim diz o Senhor Deus: “Não tenham medo, eu os redimi. Eu os chamei pelo nome. Vocês são meus. Quando estiverem atolados até o pescoço em problemas, estarei lá com vocês. Quando estiverem atravessando águas profundas, vocês não se afogarão. Quando estiverem entre a cruz e a espada, não será um beco sem saída — Porque eu sou o Eterno, o seu Deus pessoal, seu Salvador”. (Is 43.1-3) E insiste claramente: “não tenham medo: estou com vocês” (Is 43.5).

Jesus evidenciou esse desejo do Pai. Foi a revelação maior desse amor real e profundo que tanto nossa alma almeja. E o Espírito de Deus até hoje procura nos ajudar a vivenciar tão grande amor.

Àqueles que se condenam, àqueles que acham que não tem mais jeito, aos desesperançados e cansados até de si mesmo, àqueles que não sabem por onde ir, aos inseguros e assustados, há palavras seguras: “Diz o Eterno, o Deus que constrói uma estrada através do oceano, que inaugura um caminho através das ondas furiosas; O Deus que fez sair cavalos, carros e exércitos — e eles se deitaram e não conseguiram mais se levantar, foram apagados como um pavio: ‘Esqueçam o que aconteceu, não fiquem lembrando velhas histórias. Fiquem atentos. Não se distraiam. Vou fazer uma coisa diferente. E está para acontecer, não estão percebendo? Estou abrindo uma estrada através do deserto, fazendo correr rios em terras devastadas. Os animais selvagens dirão: ‘Obrigado!’ — os chacais e as corujas — Porque providenciei água no deserto, Rios através da terra ressecada.” (Is 43.16-20). A poética nos convida a lindas imagens que alimentam gente esgotada.

Jesus fez um convite válido para hoje: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Rios de água viva irão jorrar e brotar do íntimo de quem crer em mim, como dizem as Escrituras” (Jo 7.37-8). E é isso que o Espírito de Deus faz em nós. Abre-nos um caminho no coração, faz-nos enxergar por onde ir, nos tira do atoleiro confuso e angustiante, faz algo novo em nós. Do lado de dentro para fora. E usa o lado de fora para trabalhar coisas do lado de dentro. A terra devastada, o deserto, nada disso tem a última palavra. O Espírito nos lembra que Jesus é a esperança de pernas, a esperança feito gente. E nos convida a crer nele. O Deus presente e cuidadoso não nos abandona, seja qual for a situação. E até o silêncio nos fala em algum momento. Assim, vamos descobrindo como se dá o que Jesus disse: “O Amigo, o Espírito Santo, irá clarear, ensinar, esclarecer mais e melhor para vocês”.

Essa vida não é fácil, mas é cheia de esperança. A mais bela aventura.

Rumos

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Inquietações não nos faltam, desejos também não.

O mundo gira e é cada vez mais rápido.

Há tanta coisa acontecendo, e numa pausa consciente, retomo os versos da música “Os Possíveis” (1991), da Banda Titãs: “tudo ao mesmo tempo agora, tudo para ontem, sem demora”. O que pensar? Como assimilar? Viver de adaptações? Seguir o fluxo sem mais? Para onde a maré nos leva? Remar contra chega aonde?

Perguntava Thomas Merton: “Qual é o meu lugar no meio deste mundo caótico e barulhento?”

Observar o mundo, atentar para os movimentos, ouvir os gritos e entender do que se trata. Refletir tendo como referência o compromisso com o Evangelho, ou melhor, com o que se consegue ouvir, apreender e ver do evangelho; eis desafios que parecem pertinentes aos discípulos de Jesus Cristo.

O que Merton fazia era comentar os acontecimentos do dia-a-dia, a partir do silêncio contemplativo. E corajosamente ele confessava: “Não tenho resposta clara para as perguntas atuais. Tenho perguntas e, de fato, acredito que melhor se conhece uma pessoa pelas perguntas que faz do que pelas respostas”.

Em seu exercício honesto de olhar para as Escrituras e olhar para os acontecimentos de seu tempo, e então, contemplar, ele aprofundava em si e para os outros a compreensão da pessoa de Deus, da força do evangelho, do significado de Cristo.

Com o passar do tempo ia clareando como ele viveria sua vocação naquele trecho da história. E então, comentava: “Que eu tenha nascido em 1915 e tenha sido contemporâneo de Auschwitz, Hiroshima, Vietnã são coisas sobre as quais não fui consultado previamente. Entretanto, são acontecimentos nos quais estou pessoal e profundamente envolvido, quer queira quer não”. Ou, nas palavras de Frei Betto: “Todos fazemos política. Por participação ou por omissão.”

Quais são as questões sérias do nosso tempo? Até onde temos consciência de nosso envolvimento? Nos ocupamos do quê?

A ciência e a tecnologia estão revolucionando nossa existência num ritmo jamais visto; nosso consumismo tem inviabilizado e comprometido a vida de muitos, e futuras gerações podem pagar um preço ainda maior; as novas configurações de família tem causado estranhamento, escândalo e confusão em muitos; aliás, os papéis tradicionais de homem e mulher num contexto machista estão caindo, e o que resta? Como será agora? Crises sobram.

É tempo de repensar valores, posturas, conversar mais sobre ética, aprofundar a fé, rever a esperança, conhecer mais do amor.

Além de pensarmos sobre qual o nosso lugar nesse mundo, talvez, seria bom perguntarmo-nos se ainda há espaço para nós nesse mundo, e analisar um pouco mais do que realmente se trata. Como diz Alvin e Heidi Toffler: “Em todos os lugares, jogadores on-line pagam milhares de dólares em dinheiro real por espadas virtuais que não existem, para que seus ‘eus’ virtuais possam usá-las e conquistar castelos e donzelas – também virtuais, é claro. A irrealidade alastra-se rapidamente entre nós”. Sim, talvez a pergunta contemporânea seja: “O que é real hoje em dia?”.

Qual a realidade brasileira? A fome e a desigualdade são reais, para quem? A saúde pública é um problema? E a maioridade penal é algo simples e satisfatório? A questão de segurança, educação, moradia, creches, como tratar disso tudo? Direitos e deveres, quais? Muitos simplesmente respondem: “já tenho problemas suficientes, não quero saber de mais nada”. Será que alguém eu identifica com Cristo pode assim viver?

Frequentemente se encontra aqueles que já não querem mais perguntas, nem se importam com respostas, apenas vivem para seu sustento, para se protegerem com suas conquistas, tentando acumular e oferecer mais conforto aos seus. Mas, como diz Eclesiastes: “O trabalho do tolo o deixa tão exausto que ele nem consegue achar o caminho de casa” (Ec 10.15). Sim, perdidos que se acham seguros; esgotados que se acham satisfeitos pelo simples fato de se esforçarem. Quanta ilusão!

Não há muito conforto na reflexão, e o pensar também pode ser nada além de vaidade. Mas, o viver alienado trata-se de uma vida sem rumo.

O que é real? Se há hoje uma realidade virtual, diria que também cresce a “virtualidade do real”, aquilo que parece, mas não é, contudo, engana nossos sentidos e ilude bem nossa mente, oferece sensações convincentes, anjos de luz do século XXI, e deixamo-nos levar, afinal é tudo sem sentido…

O rumo do evangelho, no entanto, é a comunidade. Somos arrancados de nossos isolamentos, do ensimesmamento tão natural de nossa época, para viver considerando aquele que nos chamou, que se entregou por nós. Sua oração por nós é: “para que todos sejam um, Pai. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia…” (Jo 17.21), e o apóstolo Paulo, seguidor de Cristo, salienta: “Nenhum de nós vive apenas para si, e nenhum de nós morre apenas para si. (…) Pertencemos ao Senhor” (Rm 14.8). Em sendo assim, a reflexão e o viver comunitário pode ensinar e transformar nosso coração, pode sinalizar novo rumo, alternativas nesse mundo agitado, de imediatismos, e buscas incessantes. A vida comunitária pode proclamar mais verdades do que meros eventos.

Deus está fazendo novas todas as coisas e nos convida a participar (II Co 5.17-19), ele nos confiou uma mensagem de reconciliação a ser entregue a essa geração. Vamos?

Há um lugar, em Cristo, que pode ser nosso, e o apaziguamento pode ser real. Ele dá as boas-vindas aos interessados.

Aprender a esperar

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Em tempos de ansiedades avassaladoras, onde fantasmas assustam, supostas ameaçam enxergo, a insegurança grita, eu preciso aprender a esperar.
Vivendo na era da velocidade, onde tudo pede pressa, urgências saltitam a minha frente e embaralham minha vista, a aceleração contínua pressiona e sinto-me atropelada, eu preciso aprender a esperar.
Na época onde o instantâneo é exigência básica, o imediatismo comanda desejos e dita ritmos, quando poucas horas se tornam eternidade angustiante, eu preciso aprender a esperar.
Numa sociedade onde o acúmulo é regra, onde conquistas são vitrines, onde ter ou parecer vale mais do que ser, eu preciso aprender a esperar.
Quando o contexto é de uma suposta perfeição, onde o belo é padronizado, a ditadura da moda se instala com força, e o que não está pronto é desprezado, eu preciso aprender a esperar.
Eu preciso aprender não o desespero da fome, mas a oportunidade de ser saciada e encontrar calmaria.
Diante de dias maus que me arrancam lágrimas, que esfolam uma esperança enfraquecida pela dor prolongada, que furtam o sono que já foi tranquilo, eu preciso aprender a esperar.
Esperar a noite da alma passar, o dia amanhecer, os raios de luz mostrarem novas perspectivas e renovarem os passos outrora cansados.
Eu quero aprender a esperar, com toda esperança, a alegria que pode vir, que voltará após o amanhecer.
Esperar que as lágrimas sejam secadas e que um caminho para novos risos se abram, e a celebração seja maior que antigos lamentos.
Esperar por uma volta definitiva, daquele que assegurou-me um novo mundo, falou sobre a cura das nações, de um brilho eterno, onde não mais haverá espaço para noite, para assaltos, violências, injustiças, apenas um dia sem fim, sol da eternidade.
Eu preciso aprender a esperar. Esperar a libertação das ilusões, esperar a novidade de vida. Enquanto espero, aprender. Aprender a conhecer e me solidarizar com as noites de tantos. Aprender com minhas fragilidades e oferecer suporte ao necessitado, não porque eu seja melhor, mas porque espero o melhor. Nessa esperança me reparto, e sou misteriosamente acrescida. O que me estimula a aprender melhor, a viver atenta, a observar as estrelas, os sinais dos tempos, a me aproximar em esperança viva.
Ensina-me, Senhor.

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