Um longo voo vocacional

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O vencedor do Oscar desse ano como melhor filme foi “Birdman”, tido por muitos como uma boa e requintada comédia, inclusive, ácida sátira da fama. Trata-se de um ator que após alcançar a “bendita” fama e tornar-se um astro como o super-herói de uma cinessérie, quer se provar talentoso. Ele recebe o convite para prosseguir fazendo o quarto filme como o Homem-Pássaro, no entanto, recusa-se, ele deseja reinventar-se. A fama e o dinheiro não lhe foram suficientes. Incomodado, quer mudar, quer resgatar algo que acredita existir nele, deseja retomar a vida, relações que ficaram pelo caminho, enfim, está insatisfeito e confusamente esperançoso. Ironicamente, em meio aos dilemas existenciais, parece já não saber o que é real e o que é fantasia, o que é verdadeiro e o que é teatro.

Em alguns momentos da vida chegamos a nos questionar sobre nossa vocação, e não poucas vezes, desconfiados, sentimos a necessidade de atualizá-la, ou mesmo, revê-la.

Uma forma comum, e que em geral aprendemos cedo, é ocuparmos a vida. Ocupamos com estudos, com deveres, com entretenimento, com trabalhos, com relações, etc., porém, nem sempre estamos certos de que deveríamos fazer o que estamos fazendo. Entretanto, corremos sempre atrás de ocupações, “ganhar a vida”, talvez, melhor dizendo, sobreviver.

Entendemos, de modo geral, que se alcançamos um tanto de reconhecimento, um certo status e um bom dinheiro, como fruto de esforço após alguma dedicação em determinada área, isso basta. E acaba mesmo valendo por um tempo, para uns mais, para outros menos. Contudo, isso não é, necessariamente, sinônimo de vocação ou realização vocacional. É possível que uma sede por significado maior nos visite de vez em quando, e, que essa inquietação também tenha a ver com vocação. Aí, precisamos abrir espaços para repensar atividades, composições curriculares, leituras de nossa história pessoal, ter novas conversas, olhares, mas também buscar um tempo de silêncio.

José Lisboa de Oliveira, doutor em teologia, e que tem experiência no tema, comenta que “no judaísmo e no cristianismo o olhar retrospectivo sempre teve um significado prospectivo”. E mais: “Olhamos para a história, para o nosso passado, a fim de contemplarmos as maravilhas divinas e nos lançarmos confiantes para a frente. Enquanto memória e memorial, a fé cristã celebra a intervenção divina no tempo, intervenção essa que continua no momento atual, no ‘hoje’ da nossa existência”. E assim, como cristãos, cremos que Deus, em sua História maior, nos convida a participar e nos oferece oportunidades de contribuirmos para algo que Ele continua a fazer – reconciliação sempre. A esperança nos guia e a alegria nos acompanha.

Lembro-me de ler no diário de Thomas Merton, o registro sobre uma de suas crises, quando em dezembro de 1946 ele diz: “Descobri em mim um desejo quase incontrolável de partir na direção contrária, como fez o profeta Jonas, a quem Deus ordenou ir a Nínive. Deus me indicou um caminho e todos os meus ‘ideais’ me indicaram outro. Quando Jonas viajava, tão rapidamente quanto podia, na direção de Tarsis, a fim de afastar-se de Nínive, ele foi lançado à água e engolido por uma baleia, que o levou para o ponto que Deus lhe havia assinalado… Assim como Jonas, vejo-me viajando para meu destino, no bojo de um paradoxo…”. Ele sofre em seu voo vocacional. Muito já tinha descoberto, mas mais lhe faltava. E penso que esse desafio de lidarmos com nossa incompletude e, ao mesmo tempo, com a ampliação de nossa consciência vocacional, é sempre um processo rico em significado e que colabora para nosso amadurecimento. Além disso, é muito bonito, sem dúvida, ver, acompanhar, pessoas se reconciliando com sua vocação.

Que as asas da experiência, a brisa das boas conversas e leituras, o clima da arte tocando e evocando subjetividades, e a liberdade de um tempo de oração nos ajude a descobrimos mais sobre nossa vocação e a trajetória que podemos viver.

Do que eu preciso para viver?

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Por esses dias, quando noticiou-se a morte do rei Abdullah, da Arábia Saudita, chamou-me a atenção seu enterro. Ele, sendo um dos homens mais ricos do mundo, foi envolto em uma mortalha branca simples e enterrado num túmulo anônimo de um cemitério de Riad, junto a muitos de seus plebeus. Dentre as tradições islâmicas, segundo a escola wahabista do sunismo, que é a que predomina na Arábia Saudita, a ostentação pode ser considerada um pecado semelhante à idolatria.

Por aqui, onde a ostentação é cada vez mais falada, valorizada, invejada e muito mais, não encaramos tanto como problema, no geral, é mais uma amostra de sua suposta vitória, de suas conquistas, do “sucesso” alcançado. No meio cristão, há também uma versão disso, ora mais discreta, ora escancarada. Tem louvor ostentação, pastor ostentação, igreja ostentação, confissão ostentação e por aí vai. Alimenta orgulhos particulares, até coletivos, mas nem sempre vemos a sério a questão da idolatria, do quanto nosso coração se ilude com tais façanhas.

O ensino sobre os desafios de uma vida simples em pleno século XXI, por exemplo, é cada mais raro, inadequado, evitado. O glamour é disfarçado em nome de um discurso de que é para Deus, é reverência, e o luxo é a prática.

Esbanjar é visto, entre muitos cristãos, como um sinal de prosperidade, algo positivo. Ignora-se as necessidades da maioria da população brasileira, ou seja, da realidade ao nosso redor num mundo tão desigual.

Disputa-se glórias humanas racionalizando como honra ao servo do Senhor. Acreditamos que merecemos, gostamos de gente nos idolatrando de alguma maneira.

Queremos mais, e não menos. O desapego é difícil de exercitar, acabamos confiando em nossos recursos próprios e tentando nos proteger através deles.

Volto-me para Jesus, lembrando-me de quando ele enviou os doze apóstolos a pregar o Reino de Deus e a curar os enfermos. Ele disse: “Não levem nada pelo caminho: nem bordão, nem saco de viagem, nem pão, nem dinheiro, nem túnica extra” (Lc 9.3). Por que tamanha rigidez? Não seria falta de prudência? Excesso de singeleza?

Acho interessante tais instruções. Eles não precisavam acumular nada, necessitavam andar leve, sem maiores preocupações e empecilhos. Livres.

Como ouvimos isso hoje? Que espaço há para tais reflexões em nosso coração? Nosso contexto favorece um viver impulsionado a consumir sempre e mais, buscamos provar nossa capacidade e valor através do que conquistamos, portanto, atrai-nos uma vida abastada.

Não levar nada pelo caminho? Como poderia viver sem meu smartphone, bem como todos meus aparatos eletrônicos e tecnológicos? Ficar desconectado para muitos é não viver. Nosso caminho é repleto de estímulos “irresistíveis”. Andamos carregados, afinal, tudo passou a ser “necessidade”.

Num mundo de tantas inseguranças somos tentados a justificar ganâncias, articulamos como se fosse sabedoria. As coisas, o dinheiro, tomaram proporções enormes em nossa agenda interior, e aí parece que não podemos viver sem isso, ou aquilo.

Parece que os curados no Reino de Deus são pessoas simples, livres, que celebram a partilha das boas novas e do bem viver. O pouco não só é suficiente, como se torna muito, pode até ser repartido.

Nesse início de ano considerarmos mais profundamente possíveis idolatrias, nossas ostentações particulares e ver o que seria dispensável, pode abrir novos caminhos, novas escutas, novos espaços, nova disposição, e até mesmo, novas conversas. Que a novidade de vida nos alcance.

 

Linguagens da alma e a experiência com os Salmos (102)

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Sujeito te procura:

– por favor, você pode me ouvir?

– pois não…

– estou te procurando na esperança que meu grito de socorro seja percebido.

– pode falar.

– você não vai fugir?

– pode falar.

– você vai mesmo voltar seus ouvidos para mim?

– conte-me de você.

– meus dias estão desaparecendo diante de mim como fumaça e os meus ossos queimam como fogo. Meu coração está seco, totalmente seco. Não tenho apetite algum. Estou pele e osso e parece que é de tanto gemer. Além do mais, não durmo. A insônia me castiga há tempos. Pareço uma coruja, não consigo dormir, é horrível. Pareço um pássaro solitário no telhado. Sim, sinto-me só.

– e você não tem ninguém por perto?

– sim, tenho. Estou cercado de inimigos. Sofro bullying o tempo todo. É como se eu fosse um amaldiçoado que só recebe mais maldições.

– e sua alimentação?

– ah, como cinza, poeira, aí misturo com água, a água dos meus olhos e bebo.

– como é teu cotidiano?

– meus dias são uma escuridão que não para de crescer. Vivo na sombra. Sou como uma planta que vai murchando…

– você tem algum tipo de esperança?

– eu ainda espero em Deus, espero que ele se levante e aja com misericórdia. Eu vivo dizendo a ele que já é hora de ele mostrar compaixão, que aliás, está passando da hora. Acredito que ele pode reconstruir tudo. Que ele ouve a oração dos desamparados e que não despreza as súplicas desses.

– e você em relação a isso?

– eu penso em escrever a fim de que outros saibam. Para aqueles que vierem depois de mim tomem conhecimento disso. Já que meus dias são abreviados, que minha vida foi abatida no meio do caminho…

– você acha isso mesmo?

– Eu até pedi: “Ó meu Deus, não me leva no meio dos meus dias, ainda sou jovem para tanto. O Senhor vai durar pra sempre, mas eu tenho pouco tempo. Os teus dias não tem fim, as gerações vão passar e o Senhor continuará o mesmo, mas agora olha para essa geração.”

 

Essa poderia bem ser uma conversa entre você e o salmista, conforme se registra no Sl. 102. Com os salmos sabemos mais de nós, aprendemos a nos expressar melhor, e somos lembrados e desafiados a confiar em Deus. Leiamos e meditemos. Aproximemo-nos uns dos outros e de Deus.

Linguagens da alma e a experiência com os Salmos (121)

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Sinto-me apavorada. O entorno me assusta. Não sei o que poderei encontrar. Pode vir o perigo de qualquer lado. A tendência é eu ficar paralisada, completamente travada pelo pavor. O que será de mim?

Então levanto os meus olhos para os montes e me pergunto: de onde me virá o socorro?

Aí aparece uma resposta em mim que é certamente surpreendente: “O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra” (v.2). E é essa confiança que me faz entrar e sair, chegar e partir.

Alguém me olha, protege sem se distrair, cuida-me o tempo todo. Esse é Deus, que não precisa de sono, logo não dorme, vive em amoroso alerta.

Deus, o Eterno, é como uma sombra que protege. Não permitindo que o sol fira e nem a lua, a noite assombre. Ele que é e está faz-me seguir segura.

Já não importa se é dia ou se é noite, nele encontro abrigo e posso descansar tranquila. Peregrinando sigo.

 

Linguagens da alma e a experiência com os Salmos (139)

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No melhor dos meus sonhos está uma relação com alguém que conheça tudo a meu respeito, inteiramente.

Alguém que sabe quando estou trabalhando, e me olha ali. Mas também sabe e me vê enquanto descanso. Não só me respeita nesse tempo, como se alegra por mim. Zela por meu sono, pois assim, descanso até melhor.

Alguém que me conheça tanto que saiba até meu pensamento. Portanto, antes mesmo da palavra escapar por minha boca, esse alguém já a conheceria completamente. De longe e de perto a precisão é a mesma. Absolutamente.

Alguém que esteja comigo sempre, mesmo não se fazendo notar. Alguém que saiba comigo silenciar, saiba me calar e saiba falar ao meu coração, onde a razão é livre e o sentimento bem-vindo.

Alguém que seja poderoso para me proteger. Alguém que não me deixa fugir. Alguém que me guia enquanto perdida. Alguém que me dê a mão quando no sufoco me encontro. Alguém que me deixa voar sem me perder de vista, sem me deixar. Alguém que conheça meus mergulhos e me socorra quando já falta o ar. Enfim, alguém para quem não exista distância, embora haja espaço digno.

Alguém que me achasse mesmo quando considero que esteja na maior escuridão do mundo. Quando a alma, na noite escura, assustada e perto do esgotamento, simplesmente bloqueia, sem caber nenhum suspiro mais, esse alguém me alcançaria, me enxergando claramente, como o sol ao meio dia.

Que sonho é esse? Que desejo insaciável me acompanha! Impossível? É, esse alguém teria de ser onipotente, onisciente, onipresente.

Deus, assim se apresentas, e oferece tua relação. “Eu não consigo entender como tu me conheces tão bem; o teu conhecimento é profundo demais para mim” (v.6). Você que plasmou o meu interior, e me teceste no seio de minha mãe, conheces a sério a minha alma. Nada da minha substância escapava quando era formada no silêncio, tecida nas entranhas da vida humana. Mas ali estava tua mão artista. E assim tudo que fizeste foi maravilhoso, embora muitas vezes eu não reconheça bem e tenha dúvidas.

Minha vida não acabou, mas tu já conheces o fim dela. E do começo ao fim, nada lhe escapa, teu amor me cerca por todos os lados.

“Ó Deus, como é difícil entender os teus pensamentos! E eles são tantos! Se eu os contasse, seriam mais do que os grãos de areia. Quando acordo, ainda estou contigo” (vv.17-18).

Nessa vida, apesar disso tudo que me deste, que por mim fizeste, ainda vejo os maus. Falam mal de mim e de ti. Críticas, ódios, violências, inimizades. Enxergo isso neles, mas só vejo neles porque há isso tudo também em mim.

Ó Deus, examina-me, e tu que conheces o meu coração, mostra-o melhor a mim, dando-me provas de quem sou. Tu que vês tudo que há em mim, que conheces tão bem meus pensamentos, dirigi-me pelo caminho que leva a um viver pleno, mais consciente, mais grato, mais humilde, sobretudo, mais perto de ti.

 

Professores, alunos, estudantes e discípulos

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Dia 15 de outubro é tido como “Dia do Professor”, dia para se homenagear esses que se dispõem e/ou não viram outra saída a não ser exercer tal vocação (chamado inquieto e irrevogável), apesar de alguns ficarem apenas com a profissão. Esse dia já foi, mas dentro da margem de erro das pesquisas, ainda estamos em tempo. Aliás, sempre é tempo de homenagear e agradecer aqueles que nos ensinaram e ensinam, contribuíram para nossa formação, investiram em prol de nossa educação.

Penso que uma boa maneira de homenagear professores queridos, que nos marcaram positivamente, inspirando-nos a prosseguir no caminho da curiosidade, desejosos de saborear novos conhecimentos, pensar com maior profundidade e amplitude, compreender mais da vida, seja justamente considerarmos o quanto ainda queremos aprender e que tipo de estudantes somos hoje.

Gosto das reflexões a respeito das diferenças entre ser aluno e ser estudante que o admirável professor Thomaz Wood Jr. faz. Colocações que nos ajudam a distinguir entre um e outro, embora possam, à distância, se parecerem. Ele diz que aluno é aquele que atende regularmente a um curso, com a suposta finalidade de adquirir conhecimento ou ter direito a um título. Já o estudante é um ser que busca uma nova competência e pretende exercê-la, para o seu benefício e da sociedade. Enquanto o aluno recebe o estudante busca. Assim, pois, alunos entram e saem da sala de aula sem muito compromisso, e quando dentro, sentam e só aguardam que o show tenha início. Após 20 minutos, se tanto, vêm o tédio e o sono. Incapazes de se concentrar, eles espreguiçam e bocejam, para em seguida recorrerem ao celular, à internet e às mídias sociais. E o apelo é: procuram-se estudantes!

Não é difícil achar, inclusive nos seminários teológicos, nas Escolas Bíblicas Dominicais, nos bancos das igrejas e nos pequenos grupos a partir dela, alunos que agem como espectadores passivos, gente pouco interessada em ser agente do aprendizado e sedento discípulo de Jesus.

A boa notícia é que ensino de Jesus alcança acomodados, mas é tão provocador que fica difícil permanecer no mesmo estado. Jesus chama seus estudantes de discípulos, que no início estavam, talvez, mais para alunos. Contudo, andar com Jesus é ser desafiado continuamente a pensar e repensar, a praticar, a ver e conviver.

Em sua caminhada como fazedor de discípulos o Mestre Jesus amplia horizontes, desorganiza conteúdos acomodados, e ajuda seus seguidores a ver além.

Os saberes que vinham de Jesus carregavam frescor e novidade de vida. Era tão diferente que o povo ficava ora maravilhado, ora escandalizado, ora um pouco de tudo. Mas, multidões o procuravam e se aproximavam interessados em ouvir mais sobre aquele Reino que se anunciava.

Os relatos dos evangelhos estão cheios de exemplos do estilo do Mestre Jesus. Mas olhemos agora para um deles. Um relato conhecido e que se encontra nos quatro evangelhos (Mt 4.13-21; Mc 6.30-44; Lc 9.10-17 e Jo 6.1-15). Na narrativa segundo Lucas, os discípulos acabavam de voltar do envio missionário de Jesus, repletos de histórias sobre o que tinham feito. E o texto conta que Jesus os tomou para si e os levou consigo para outra cidade. Jesus privilegia pessoalidade, tempo a sós com eles, saídas didáticas e para refrigério. Mas, logo descobriram onde estava Jesus e uma multidão os cercou num lugar deserto. Parece que foram achados no meio do caminho e aí não tiveram mais sossego. Muitos com variados tipos de necessidades (físicas, emocionais, intelectuais, espirituais) e Jesus os acolheu bondosamente.

Ao fim da tarde os discípulos atentos sugeriram que a multidão fosse orientada a voltar para a casa ou ir aos campos vizinhos, ver se conseguiram alimento cada um para si. E aí vem Jesus com mais uma parte prática, um novo desafio, mais responsabilidades: “Deem-lhes vocês algo para comer” (Lc 9.13). E aí não puderam nem ir pela ideia que tiveram e nem tão somente assistir ao que Jesus faria. Eles tiveram que participar e assim foram verificar o que conseguiam, o que teriam, e aí apresentaram a Jesus os ínfimos recursos angariados. A partir daí vem a dica de organizar a multidão em grupos de cinquenta, e sim, o milagre, a multiplicação dos pães, com abundância.

A participação de estudantes/discípulos é fundamental para o nosso aprendizado. Os Doze certamente saíram daquele dia com algo mais do que euforia, saíram com um senso de cuidado ampliado.

Jesus é surpreendente em seu ensino e na maneira que faz discípulos. E nós podemos refletir a partir do que recebemos e acumulamos quanto nosso coração ainda é aprendiz, e, como a vida tem sido modificada na prática do ensino do Mestre.

Jesus ensinou pela maneira que viveu a fim de que nós seguíssemos seu exemplo e praticando descobríssemos uma felicidade única (Jo 13.15,17).

Que bom é na jornada encontrarmos bons professores, sobretudo aqueles professores que nos animam a prosseguir, dando testemunho e oferecendo a própria vida como exemplo de gente que busca ser discípulo de Cristo Jesus.

A vida e as pausas necessárias

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Em tempos de excessos, onde o estresse e a agitação ganham proporções não bem digeridas pelo nosso organismo, necessitamos lembrar motivos para parar, pequenas pausas, um pouco de sossego.

A pausa na vida é importante, pois pode ser um espaço para repensar a vida, para sonhar e/ou lembrar dos sonhos e tomar um fôlego.

É interessante ver no início da Bíblia, o registro da criação. Deus cria, vê e acha bom. Completa sua criação com o ser humano e aí acha muito bom. Ao terminar, descansa, santifica e abençoa o sétimo dia. Ou seja, observarmos esse eixo é fundamental para nossa saúde e equilíbrio na existência: criação – contemplação – contentamento e celebração.

“A sabedoria, como uma herança, é coisa boa, e beneficia aqueles que veem o sol” (Ec 7.11).

Em geral, entendemos do muito fazer, gente esforçada, gente cansada. No entanto, qual nosso potencial inato? Quando refletimos sobre se o que fazemos tem a ver com nossa vocação? Temos vivido segundo nossas próprias vocações?

É comum compensarmos nossas frustrações, dores e inseguranças com ilusões, prazeres estéticos e acumulação ostentosa de bem materiais. Mas isso tudo se mostra incapaz de satisfazer nossas necessidades de introspecção e de amor. São muitos os que correm atrás do vento, se matam por aquilo que é efêmero.

Como responderíamos à pergunta “quais são seus grandes inimigos internos hoje?”. Do que tenho visto, cansaço e solidão são fortes candidatos a estarem no topo da lista de respostas. E ambos têm a ver com a falta de interrupção no ritmo alucinante. Falta de pausas – pausa para descansar e pausa para investir em relacionamentos.

Pausa para descansar incluir descobrir mais o sabor da vida. E a gente confunde saborear com gula.

Sabe refeições que a gente não desfruta, apenas engole? A gente faz isso com a alimento para o corpo, mas também faz isso com o alimento para a alma. Na vida tem “menu degustação” e tem um menu próprio que é uma espécie de rodízio, onde você tenta comer de tudo um pouco, se empanturra até passar mal e só sentiu um pouco de sabor no começo, de resto, foi só hábito de colocar comida para dentro. “Ah, já que estou pagando deixa eu aproveitar tudo” – isso é raciocínio de gente miserável, que desconfia que o mundo vai acabar com a falta de comida, então, tem que aproveitar tudo naquele momento. E aproveita? Não.

Vivemos uma vida adaptativa ou uma vida criativa?

Ao invés de repensarmos o mundo que vivemos, a maioria apenas adere e adapta-se ao vigente, preferindo apenas dar sua cota de sacrifício, considerando sublime perecer em troca de um enriquecimento que o credencia no rol dos poderosos, assim respeitáveis. Correr atrás do vento como estilo de vida. Lembremos novamente Eclesiastes: “Melhor é ter um punhado com tranquilidade do que dois punhados à custa de muito esforço e de correr atrás do vento” (Ec 4.6).

O trabalho para muitos é sobrevivência, para outros é dever, e ainda, desgosto. O mantra que empurra a muitos é: “o homem que não trabalha, ou que adia, não enche o seu celeiro”. E assim, vive-se a fase de frenético desenvolvimento material. Dessa maneira, seu mundo particular vê-se atormentado pelo pragmatismo onde tudo se transforma em business e lucros. Nesse contexto cresce também o número de profissionais que vivem ao sabor do desamparo do mercado. Trata-se de um cuide-se quem puder!

Cabe perguntar quais as mudanças sociais que você identifica? Não se trata de saber se você passou da classe C para a classe A; nem se em sua opinião a economia do Brasil melhorou ou piorou; mas, que efeitos as mudanças do século XXI atingem sutil ou escancaradamente seu viver? Como seu estilo de vida foi alterado? Sem pausas não nos damos conta, apenas assimilamos e implementamos em nosso jeito de funcionar.

As novas tecnologias da informática desestruturaram o tempo e o espaço das ações e relações humanas. E quando paramos para observar e entender melhor isso tudo?

Hoje somos todos um pouco ou mais escravos das máquinas. Não nos importamos? Qual o limite?

Já nem conseguimos nomear e enumerar os infinitos absurdos organizacionais que nos angustiam no trabalho.

Nosso modelo de trabalho acaba centrado na idolatria e competitividade ao invés de ser exercício de vocação e serviço. E pouco nos incomodamos. Mais uma vez Eclesiastes: “Descobri que não há nada melhor para o ser humano do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive”, o que também nos remete para Efésios: “Somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos” (Ef 2.10). Como seres vocacionados para o bem vivem no automático das funções com pouco ou nenhum sentido?

Seria possível passarmos de um ser frenético para um ser humano? Lembremos: hiperatividade adoece. A vida frenética nos coloca numa rota mortífera. Pausas podem nos ajudar a ouvir o alarme soar, enxergar a placa de perigo.

Você faz mais coisas com as mãos ou com o cérebro? Se vocês responde que é com o cérebro, então, precisa descansar, aliviar o cérebro, pois, ele pode não te deixar dormir bem enquanto estiver sobrecarregado. Ou apagão ou desmedida pressão – de qualquer forma você é detonado quando anda acima do limite por muito tempo. Não abuse, apenas use. Use criativamente. Mas quem de nós cultiva o ócio criativo?

Temos investido em inovação existencial? Não se trata da novidade pela novidade, tem gente que muda o superficial, mas carrega sempre o velho dentro de si. Permanece sem renovação. A pergunta seria: onde você reconhece criatividade em sua vida? Ou mesmo, quanto de seu trabalho esculpe sua identidade?

O trabalho se tornou tão central que a vida se adaptou a ele e não o trabalho à vida. A programação do ano, as férias, as compras, os compromissos, tudo depende do trabalho. Não há um certo exagero? Por que demos todo esse espaço a ele? Enfim, seu trabalho harmoniza com seu sentido da vida?

O trabalho para muitos é um tédio necessário. E muitos se acomodam nisso. Thomas Merton diz que “se Deus é bom e se a minha inteligência é uma dádiva Sua, o meu dever é mostrar, pela inteligência, a minha confiança na Sua bondade. Devo deixar a fé elevar, curar e transformar a luz da minha mente”.

Considerar o princípio sabático é uma maneira de refletir sobre nossa atitude diante da vida. Averiguarmos quanto e como se é afetado por tudo que nos circunda. Refletirmos sobre o que adoça a vida ou afoga a angústia. Afinal, de que adianta ter tudo e não saber quem se é?

Tem gente que funciona, mas não sabe quem se é. Entende do fazer, mas não do ser. Hoje, cabe a pergunta: o que nos é mais familiar do que o fazer compulsivo?

Nós temos desejos e não gostamos da espera. Cada dia mais impacientes. E a pausa, silenciosa pausa, pode nos ensinar sobre esperar, sobre ter esperança, sobre nutrir paciência.

Nós que vivemos na era do descartável, vivemos com respostas prontas: Deu problema? Troca por outro. É assim com funcionários, amigos, namoradas, maridos e esposas. Somos seduzidos pela reposição instantânea. E desse jeito, vamos perdendo, cada vez ficamos mais distantes das noções de construção, processo, trabalho de elaboração.

Há alguma expectativa de vida que não seja apenas mais longa, mas também mais sadia? Novamente Eclesiastes: “Afaste do coração a ansiedade e acabe com o sofrimento do seu corpo, pois a juventude e o vigor são passageiros” (Ec 11.10).

O ato criativo precisa de pausas. A vida criativa exige quebras de rotina. A vida com Deus exige silêncio.

Tendemos mais a reproduzir e repetir, do que pensar e criar. Onde tudo é muito ligeiro, aumenta a probabilidade de ser tudo rasteiro.

Precisamos de lugar de introspecção. Precisamos de espaço interior para elaborar a existência. Pequenas pausas no dia, que seja, já ajudam. E precisamos de um dia de descanso, uma pausa maior na semana. Eis aí um bom ritmo.

Sem conscientes pausas nós confundimos lixo com luxo. Vamos ficando cada vez mais sem filtros. Perigoso, pois, há um espetáculo hipnotizante de coisas, engenhocas tecnológicas, engodos autodestrutivos que vão se alastrando, ganhando espaços e tempo nosso como se isso fosse vida. Quando não passa de ilusão alienante.

Sinta-se convocado a perceber-se responsável pela administração de seu tempo. Chega de ser engolido. A vida é mais do que entretenimento.

Seres vocacionados não precisam desperdiçar a vida com o vento.

Pausas ajudam a não vivermos divididos entre pertencer a Deus e pertencer a coisas.

Lembremos que a oração, um tempo devocional, e até mesmo um bom encontro em grupos pequenos, podem contribuir para pausas estratégicas no viver. Claro, incluir atividades físicas também é importante, assim como, pausar para ver a natureza, ouvir uma música com calma, etc.

Nós precisamos de pausas que quebram a rotina, suspendem a agitação. Necessitamos de pausas a fim de pensar o que se traz, o que se leva e o que se carrega (exercícios de reconhecimento); pausas para partilhar e confessar, a fim de encontrar suporte tão necessário ao existir.

A pausa pode ser um espaço de rever o sentido, de olhar para a criação e contemplar, saborear o que foi criado; enfim, adorar o Criador e agradecer a criatividade que nos é dada. Aproveite.

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