Neste mês de dezembro relembramos o texto da multidão do exército celestial com o anjo, onde todos louvavam a Deus dizendo: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem” (Lc 2.14).

Os pastores nos campos foram surpreendidos com o surgimento de um anjo do Senhor e as boas novas de grande alegria que ele trazia: “hoje vos nasceu na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11).

A celebração cristã nessa época é intensa. Continuamos a louvar a Deus e aprofundar a compreensão do significado da encarnação de Deus, de Cristo em nós.

Glórias nos damos a Deus, mas nem sempre promovemos com afinco a paz entre os homens. Embora, saibamos nós que Jesus assim ensinou: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5.9).

O Filho de Deus, Jesus Cristo, veio fazer a paz (Rm 5.1), trazer paz (Jo 14.27), e disse que ser pacificador é ser felizmente chamado filho de Deus.

Tendo Jesus como fonte de paz não seria natural para os filhos de Deus tornarem-se pacificadores? Quais as referências de pacificadores em nosso tempo de tantas guerras?

Henri Nouwen, em seus últimos anos de vida, ponderava sobre sua trajetória e começou a perceber que ela havia sido violenta e assim disse: “tão cheio de desejos de ser melhor do que os outros, tão marcado pela rivalidade e pela competitividade, tão invadido por compulsões e ideias fixas e tão obcecado por momentos de desconfiança, inveja, ressentimento e vingança! Ah, certamente a maior parte do que eu fiz chamava-se ministério, o ministério da justiça e da paz, o ministério do perdão e da reconciliação. Mas, quando aqueles que querem paz estão igualmente tão interessados no sucesso, na popularidade e no poder como os que querem a guerra, qual a verdadeira diferença entre guerra e paz?”

Nelson Mandela, também com o avançar dos anos, olhando sua jornada, e sendo criticado por alguns como tendo discursos um pouco sem graça, diz: “tento não ser agitador de multidões. As pessoas querem ver como você lida com as situações. Querem as coisas explicadas clara e racionalmente. Amadureci. Era muito radical quando jovem, brigando com todo mundo, usando linguagem bombástica.” Nossa linguagem, nossas escolhas, nossas posturas nem sempre sinalizam reconciliação, às vezes, pouco comunicam a respeito da paz, mas, Mandela compreendia e ensinou que o principal estilo de liderança não era se lançar à frente, mas ouvir e conseguir o consenso. Sua vida nos inspira, sua morte ainda fala, sua história por um pouco nos cala.

Faço silêncio reverente. Falece um homem que viveu nosso tempo, lutou por justiça, enfrentou o apartheid, tornou-se símbolo de reconciliação e um forte promotor da paz.

O editor-executivo da revista Time, Richard Stengel, que colaborou com Nelson Mandela na autobiografia Longo Caminho para a Liberdade, e que escreveu Os Caminhos de Mandela, diz o seguinte: “ele sabia que nenhum de nós é tão bom quanto as melhores coisas que fazemos ou tão ruim quanto as piores delas”, e ainda sobre essa arte de promover paz através de diálogos difíceis em situações extremas, ele conta: “em suas negociações para o primeiro governo do país assumiu vários compromissos fundamentais a fim de chegar a um acordo. Embora muitos de seus companheiros se opusessem firmemente, ele deu ao Partido Nacional o direito de manter seus cargos públicos e um governo de união, no qual de Klerk foi vice-presidente. Mas ele conseguia ver o lado dos nacionalistas e sabia que o objetivo principal era o que importava. Sim, havia alguns princípios que não eram negociáveis – ‘uma pessoa, um voto’; democracia universal -, mas, depois disso, a maior parte das coisas tinha gradações cinza. Gradações cinza não são fáceis de articular. Preto e branco é mais sedutor porque é simples e absoluto. Parece claro e decisivo. Por causa disso, muitas vezes gravitamos em volta de respostas ‘sim’ ou ‘não’, quando ‘ambos’ ou ‘talvez’ está mais perto da verdade. Algumas pessoas escolhem um categórico ‘sim’ ou ‘não’ porque pensam que isso parece ser forte. Mas se cultivarmos o hábito de considerar ambos – ou mesmo vários – os lados de uma questão, como Mandela fazia, de manter o bom e o mau em nossas mentes, podemos ver soluções que de outra forma não nos ocorreria. Esse modo de pensar é exigente. Mesmo se nos mantivermos apegados ao nosso ponto de vista, isso exige que nos coloquemos no lugar daqueles com os quais discordamos. Exige vontade, empatia.”

Ainda fazendo outras considerações a respeito de Mandela, do que viu e ouviu dele, acrescenta: “vinte e sete anos na prisão ensinam muitas coisas, e uma delas é pensar a longo prazo. Nossa cultura recompensa a velocidade, mas Mandela dizia que não devemos deixar a ilusão da urgência nos forçar a tomar decisões antes de estarmos prontos. Melhor ser lento e ponderado do que rápido apenas para parecer decisivo. Não é a velocidade da decisão, mas a sua direção. Não é a rapidez que torna alguém corajoso. De fato, assumir a visão a longo prazo com frequência exige estar disposto a mudar ideias acalentadas ou profundamente arraigadas havia muito tempo.”

Ansiosos e intolerantes pouco sabemos dialogar. Nossos pronunciamentos ou mesmo conversas informais favorecem mais intrigas, confusões e guerras do que o cuidado de promover a paz. A curta visão denuncia a curta compreensão. O fundamentalismo cresce, as discórdias se multiplicam, ninguém quer se colocar no lugar do outro e ouvir serenamente. Convictos de que somos os certos, que o equívoco sempre está do lado de lá, que competir é melhor que colaborar e servir, que dialogar é convencer, e que vencer custando o que custar é o que vale mais, não promoveremos a paz. As implicações são muitas e variadas, mas reparar em quais sinais nos acompanham pode ser proveitoso.

Novamente Stengel: “Mandela é um corredor de longa distância, um pensador de longa distância. E a prisão foi uma maratona. Mandela pensava em termos de história. A história, por definição, é a longo prazo.”

Nesse dezembro o corredor descansou. Mas suas marcas históricas permanecerão. Caminhos de paz ainda estão em construção. Vamos?