“Os caminhos da liberdade, liberdade que não é cômoda nem prazerosa, mas crispada, um dever do indivíduo para com o indivíduo, nunca um momento existencial avulso, mas um roteiro além da condição humana, mais própria da consciência humana.”

Carlos Heitor Cony,  Folha de S.Paulo – 19/11/2010

 

“A austríaca Eva Schloss, 81, judia sobrevivente dos campos de extermínio nazistas, mergulhou ontem pela manhã no bolsão de miséria do bairro Paraisópolis (segunda maior área favelizada de São Paulo) para falar sobre a experiência de exclusão radical que viveu durante a Segunda Guerra Mundial.

Os 120 manos e minas que a escutavam, alunos do CEU (Centro Educacional Unificado) Paraisópolis, receberam-na ao ritmo do hip hop e, então, se calaram. A voz firme de Eva contou-lhes em inglês histórias de preconceitos, cadáveres em valas comuns, medo de soldados, gente vivendo em esconderijos. Nem a espera pela tradução conseguiu dispersar os meninos. […]

Os meninos fizeram fila para saber: ‘Como era o chuveiro? O chuveiro da câmara de gás.’ ‘A senhora conheceu o grande amor de Anne Frank? [depois da guerra, a mãe de Eva casou-se com o pai de Anne, ambos viúvos]’. ‘Como era o esconderijo onde a senhora ficou até ser presa?’ ‘A senhora não pensou em morrer, em desistir?’ ‘O que inspirou a senhora a continuar viva?’

Eva foi direta: ‘Eu nunca pensei em morrer. Eu nunca desisti. Eu tinha vivido dias muito felizes em Viena [Áustria]. Queria ainda namorar, casar, ter filhos, netos. Isso me manteve viva.’

“Para gente como eu, não é preciso colocar uma estrela amarela na roupa, porque a cor da pele já me identifica. ‘Tição, carniça, macaco, neguinho da macumba’, eu já ouvi isso um milhão de vezes. Eu fico triste. Por isso, gostei de a dona Eva falar sobre não desistir nunca”, disse o menino negro Jonatas, 12, da 6ª série.”

Laura Capriglione, Folha de S.Paulo – 19/11/2010