Com o curioso título de “David Jurubeba – Um herói nazareno”, o livro de José Malta de Sá Neto conta histórias de algumas famílias de Nazaré do Pico, Pernambuco, e seus combates sem tréguas contra o grupo de Lampião. O personagem principal é David Gomes Jurubeba, um cabra de coragem que se tornou inimigo ferrenho de Lampião, quando se alistou nas Forças Volantes da Polícia Militar de Pernambuco. Jurubeba e Lampião travaram alguns combates violentos pela região.

Leia uma das histórias que o livro narra:

 

Telhado

Leandro Prado_FreeimagesUm dia estava meu irmão João em companhia de meu tio Gomes, ajudando-o a cobrir uma casa, a casa da fazenda Genipapo, na ribeira da Ipueira. João estava em baixo, passando ao tio o material requerido. Ambos estavam entretenidos no trabalho sem ver o que se passava em redor.

Na volta do caminho, surge, de repente, Virgulino*, que se aproximava acompanhado dos irmãos, todos armados, montados a cavalo. Meu tio estava em cima do telhado. Virgulino tirou o chapéu e falou:

– Benção, meu tio… no costume que os rapazes sertanejos têm de pedir a bênção aos mais velhos, costume esse que recua a tempos coloniais.

O velho Gomes, numa atitude enfezada e de cara fechada, nada respondeu. Virgulino riu-se e um dos irmãos falou baixinho, conforme contou meu irmão que estava em baixo, junto aos Ferreira:

– Derrubemos esse velho com um tiro que é melhor que fazemos.

Virgulino respondeu:

– Não adianta matar um só, deixando os outros vivos e comovidos para nos perseguirem. Vamos ver se poderemos pegar todos reunidos para fazermos uma limpeza completa.

Levantando a voz, Virgulino continuou: – Meu tio, parece que está com raiva. Vejo que está com a cartucheira cheia de balas. Dê-me umas balinhas que estou com poucas.

Desta vez meu tio respondeu:

– Não dou bala a bandidos. Se quiser balas trabalhe como eu trabalhei, ganhe dinheiro e compre; disse e ficou entretido a pregar os caibros lá em cima do telhado.

Lampião retrucou, mal disfarçando o despeito:

– O senhor vai morrer moço, meu tio, porque é muito genioso e não tem calma. Fui criado respeitando o senhor e quero ser seu amigo.

O velho respondeu sem pressa:

– Se quiser ser meu amigo, deixe essa vida de bandido e venha para a nossa sociedade. Hoje você vive de fazer mal por estas terras, que o viram nascer. Nada tenho contra os homens de bem. Sou autoridade e não posso aprovar sua má conduta de uns tempos para cá.

João me contou que esperou a qualquer momento que Virgulino e os irmãos atirassem no tio. Contudo, Virgulino retirou-se de cabeça baixa, naturalmente ruminando vinganças e planos funestos para um futuro talvez próximo.

Meu tio era teimoso e tinha dignidade soberana que não admitia humilhação, jamais se deixando levar por ameaças. Nunca soube que tivesse feito alguma coisa ou que tivesse deixado de fazer algo por impulso exterior. Jamais o vi ceder a não ser à boa razão, ao que era justo e correto. Era de atitudes nobres, no lar e na sociedade dos homens. Quando embirrava, a nada cedia porque de seu lado estava a razão. Era homem cordato, na sua convivência diária.

 

* Lampião é nome pelo qual Virgulino ficou conhecido mais tarde.

 

Foto: Leandro Prado/freeimages.com

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