Por Héber Negrão

P10_15_07_13_EngrenagensUm dos livros mais impactantes que li sobre missões foi A Missão Cristã no Mundo Moderno, de John Stott. Este livro apresenta uma visão bem mais ampla de missões do que aquela que estamos acostumados a ouvir em nossas igrejas. É sobre isso que quero compartilhar neste artigo: a vocação do cristão e sua missão no mundo.

Inicialmente é preciso pensar o conceito de vocação. Segundo Stott, a vocação nada mais é do que “a vida de trabalho de um cristão.”¹ Essa definição abrange todos os filhos de Deus como vocacionados, ao mesmo tempo em que abrange a vida integral de todos os cristãos, deixando de lado aquela visão de que somente quem trabalha no ministério eclesiástico é um vocacionado por Deus.

Jesus chama todos os seus discípulos para uma vida de serviço e Ele escolhe qual tipo de serviço cada um desenvolverá. Alguns servirão com profissões seculares, outros no ministério. O que não podemos deixar de lembrar é que nosso paradigma de serviço é o próprio Cristo. É fácil lembrar-se das Grandes Comissões de Mateus 28.19 e Atos 1.8, mas frequentemente esquecemo-nos daquela de João 20.21: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio.” O Evangelho de Marcos nos ajuda a entender como o Pai enviou o filho: “Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” (Mc 10.45). Stott diz que esta é a forma crucial da Grande Comissão. Se somos enviados ao mundo da mesma maneira que Cristo foi enviado, então devemos entender nossa função de servos.

Quero chamar a atenção agora, para as linhas abaixo:

“Em todas essas esferas [de atividade secular], e em muitas outras, é possível aos cristãos interpretar seu trabalho de modo cristão, não vendo-o como um mal necessário, nem como um lugar conveniente para evangelizar ou ganhar dinheiro para a evangelização, mas como sua vocação cristã, a forma como Cristo os chamou para gastar a vida em seu serviço. Além disso, parte do seu chamado é procurar manter os padrões de Cristo com relação à justiça.”²

É possível que John Stott tenha se equivocado (ou pelo menos se contradito) quando afirma que o trabalho secular de um cristão não é um lugar conveniente para a evangelização. Devemos entender que o nosso testemunho no mundo (e, portanto, a evangelização) está exatamente no fato de vivermos os padrões de Cristo em relação à justiça e no fato de vivermos uma vida de serviço em nossa sociedade.

Ao viver como sacerdotes reais, nação santa e povo exclusivo de Deus³ em meio à nossa sociedade decaída o cristão está levantando a bandeira do Reino e mostrando que é, literalmente, de outro mundo. Viver sua vocação acadêmica e profissional de maneira digna do Evangelho é fazer missões, é testemunhar de Cristo onde você estiver. Não pode haver dicotomia entre Vocação e Missão.

É importante lembrar que existem pessoas que Deus chamou especificamente para o trabalho pastoral e missionário, e como Paulo fala a Timóteo, essa é uma excelente obra a ser almejada4. O que não pode continuar acontecendo é que o cristão use a desculpa de que não foi vocacionado por Deus para testemunhar e que isso é responsabilidade somente de quem tem um ministério eclesiástico. Precisamos mudar nossa visão em relação a isso.

Uma maneira muito prática de despertar essa visão entre os jovens das nossas igrejas é através de eventos que John Stott define como Conferências5. Normalmente vemos conferências missionárias para despertar a visão missionária das igrejas ou conferências para pastores para capacitar líderes espirituais. O diferencial das Conferências Vocacionais é que o público-alvo são pessoas que foram vocacionadas por Deus para servi-lo com suas profissões nas cidades em que moram. Ali seriam apresentadas as bases bíblicas da missão com o objetivo de aplicar seus princípios para nossa realidade atual e desafiar as pessoas a serem participantes ativos da missão de Deus, usando sua vocação como instrumento de bênção para os povos.

Não acho que esta seja uma realidade tão distante a ponto de não podermos alcançá-la. Se a Igreja de Cristo entendesse a amplitude do conceito de missão enquanto um serviço cristão no mundo, sem dúvida ela teria um impacto muito maior na sociedade e o reino de Deus estaria ainda em maior expansão.

 

Notas:
1. STOTT, A Missão Cristã no Mundo Moderno, p 36.
2. Stott, p 37.
3. 1 Pe 2.9.
4. 1 Tm 3.1.
5. Stott, p 38.

 

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Héber Negrão é paraense, tem 30 anos, mestre em Etnomusicologia e casado com Sophia. Ambos são missionários da Missão Evangélica aos Índios do Brasil (MEIB), com sede em Belém, PA.

  1. Excelente artigo!
    Nossa maior missão, e, portanto, evangelização, é se parecer o máximo com Jesus, em sua forma humana de viver, amar e servir às pessoas, especialmente aos pobres e oprimidos.

  2. Muito Bom mesmo!
    O Senhor Jesus nos chamou para espelhar e espalhar o caráter de Cristo por onde passarmos, que num campo missionário, numa igreja local ou em qual área empregatícia…

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