Por Sérgio Lyra

Na primeira parte deste artigo, conhecemos o ambiente em que Jonas estava inserido tanto no que diz respeito ao seu chamado para pregar em Nínive como quanto a sua opção desastrosa de tomar um desvio missionário. Agora vamos agora expor as duas últimas cenas que selecionamos no relato bíblico.

Objetivamos ressaltar os perigos do grave erro de um cristão achar que suas ideias possam ser melhores que as de Deus, ou que as alternativas desviadoras da missão que Deus deu a sua igreja possam vir a produzir, de qualquer forma e em qualquer aspecto, mais e melhores resultados.

Apesar dos erros do profeta, o capítulo 4 do livro de Jonas nos revela a face paterna do nosso Deus. Apesar dos desvios que Jonas tomou, o Senhor não o desprezou nem o desqualificou como profeta missionário. Acredito que fazer parte da missão de Deus é tarefa de filhos e filhas a ser aprendida à medida que obedecemos ao Senhor. Deus precisou ensinar ao seu missionário a teologia da misericórdia atuando através da obediência missionária.

Cena 3: a equivocada visão missionária de Jonas
A ação de Deus para com Jonas, após a equivocada atitude do profeta desejando a destruição de uma cidade arrependida, mostra várias cores do pensamento divino sobre a restauração das cidades. Se o profeta missionário não podia conceber cidades gentias como participantes da história da salvação de Deus, o próprio Deus se revelara “…clemente e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade e que se arrepende do mal” (Jn 4.1). Esta citação feita pelo profeta foi retirada de um rito litúrgico judaico utilizado no templo e posteriormente nas sinagogas (Ex. 34.6; Sl 86.15; 103.8; 145.8). O profeta, provavelmente, poderia estar se interrogando: haveria alguma possibilidade de Deus ser adorado fora dos muros da cidade santa? Jonas estava inconformado com a possibilidade de tal liturgia estar sendo praticada fora da cidade de Jerusalém, local onde estava o templo. E pior, o Deus de Israel estava para ser adorado por um povo gentio e violentador da sua própria nação, o povo escolhido.

Deus, porém, denunciou e destruiu o equívoco teológico construído pelo profeta. O Senhor de toda a terra não poderia jamais ser considerado um deus territorial, nem muito menos sua ação salvadora estar restrita aos judeus ou apenas aos limites de suas cidades. Deus não desejou estender sua misericórdia apenas para Nínive, mas também para Fortaleza, Veneza, Cuiabá, Calcutá, Recife, Riviera… É mensagem destinada a todas as cidades dos homens. A mensagem do Evangelho estava, desde os tempos eternos, preordenada a ser divulgada em todos os lugares, tanto nos pequenos centros quanto nos grandes. Jonas não percebia ou não desejou aceitar esta verdade.

Cena 4: Deus ensina teologia ao seu missionário
O final do capítulo 4 do livro de Jonas pode ser considerado como uma lição prática de teologia urbana. Sabemos que o profeta estava sendo dirigido pelo seu forte nacionalismo acrescido do seu etnocentrismo religioso. E, ainda, que ele construiu um falso conceito acerca de Deus, produzindo uma teologia missionária errônea. O texto deixa claro que a doutrina da salvação esboçada pelo profeta necessitava de uma reforma urgente. Jonas via os habitantes de Nínive como uma “massa perdida”, uma multidão perdida e sem conserto onde a destruição total seria a melhor alternativa. Foi, neste momento, que Deus lhe ensinou duas grandes lições.

Logo no início, Deus ensinou sobre Propriedade e Soberania. O profeta missionário precisava entender que, à semelhança da decisão divina de fazer nascer uma planta (Jn 4.3), o profeta não havia feito absolutamente nada para produzir a vida daquele vegetal. A aula prática de missiologia mostrou ao profeta que a sua ação missionária de pregar em Nínive, deveria ser sua resposta obediente à “Missio Dei” (missão de Deus). Este relato bíblico nos mostra o próprio Deus ensinando a sua absoluta autoridade de ser o único e legítimo dono de tudo e todos (Sl 24.1). Além disto, o agir divino quanto ao perdão de pecados e a decisão de ter misericórdia de quem quiser, jamais seriam dependentes das ideias ou desejos de outros. Jonas precisava aceitar que ele não poderia questionar a soberania divina nem tampouco auxiliá-la em nenhum aspecto.

Na segunda lição dirigida ao profeta, Deus tornou claro que o seu propósito de ter adoradores em Jerusalém era tão intenso quanto o seu desejo de salvar vidas em outras cidades tais como Nínive. Como já aprendemos anteriormente, não se pode deixar de ressaltar que o ocorrido na cidade de Nínive, foi o resultado da “chamada eficaz” em um povo que ouviu uma mensagem de juízo e quase sem convite ao arrependimento. Os ninivitas que “…não sabem distinguir entre a mão direita e a mão esquerda” (Jn 4.11), eram ignorantes acerca de Deus, por si mesmos jamais viriam a Ele, nem Deus os forçaria a vir. Aqueles a quem o Senhor chamar, ao ouvirem a proclamação das boas novas reconhecerão livremente a voz do seu Bom Pastor (Jo 10.8-10), e pela ação regeneradora do Espírito Santo, responderão com arrependimento e fé, tal como ocorreu em Nínive.

A semelhança de Jonas, a igreja do século 21 tem uma vocação missionária voltada para as cidades. Cidades cheias de pessoas perversas, imorais e idólatras. Cada crente precisa aprender que a mensagem divina é advertência contra o pecado, mas igualmente é anúncio de boas novas, de arrependimento e restauração em Jesus. Não somos pregadores da destruição nem de produção de contexto que nos sejam favoráveis. Quem assim age ou rejeita pregar o evangelho aos moradores urbanos, seja qual for o motivo que apresente, toma desvios e “foge para Társis”, desvia-se da missão.

Deus ordenou ao seu povo escolhido, santificado e dedicado completamente a ele, anunciar as suas verdades e maravilhas aqueles que ainda não são povo de Deus. Quando a Igreja obedientemente proclama o Evangelho, ela deve também orar pedindo a Deus livramento, perdão e salvação para a cidade. Rejeite os desvios. Obedeça ao chamado missionário de Deus.

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Sérgio Paulo Ribeiro Lyra é pastor e coordenador do Consórcio Presbiteriano para Ações Missionárias no Interior. Autor do livro “Cidades para a Glória de Deus” (Visão Mundial). É missiólogo e professor do Seminário Presbiteriano em Recife (PE).

 

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Jonas: desvios perigosos da missão (parte 1)  

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