O ambiente de trabalho, na sua grande maioria, proporciona contatos diários com muitas pessoas. O pacto da conferência missionária de Lausanne 2, realizada em 1989 em na cidade de Manila, Filipinas, propôs que o local de trabalho deveria ser encarado como a próxima fronteira missionária a ser atingida pela igreja de Cristo. É bem evidente que tal proposta desmistifica a figura do missionário, rejeitando o conceito de que apenas aqueles que são enviados para pregar o evangelho em lugares distantes é que são missionários. Na prática, isto significaria que de segunda a sexta, a igreja teria a sua membresia atuando como testemunhas de Cristo, tanto no que fazem, quanto no que dizem em centenas de lugares a milhares de pessoas. Tal proposta transformaria com muito impacto a ação missionária da igreja na cidade, ao mesmo tempo que colocaria evangelisticamente cada crente no seu local vocacional, ou seja, anunciando a Cristo para as pessoas com quem trabalha, vive ou estuda (1 Pe 2.9).

Acredito que quando um crente afirma que agrada a Deus, as suas ações e vida foram e são moldadas para esse propósito. Além disso, a prática da fé cristã autêntica também proporciona o prazer em agradar a Deus. Quando se vivencia o evangelho em um ambiente de trabalho que é acolhedor e tranquilo, facilmente verifica-se que nesse contexto a vida missionária pode tomar as cores de “algo fácil”, por não exigir sacrifício algum, ou ainda que tudo será tranquilo e calmo, sem problemas ou oposições. Entretanto, também verificamos que o momento que vivemos apresenta milhões de pessoas em busca, quase que frenética e incontrolável, por satisfazer seus desejos sem considerar a vontade de Deus para suas vidas. Tal modo de vida trafega na contramão da proposta cristã e, portanto, conflita e diferencia em muitos aspectos dos ensinos de Jesus para a sua igreja. Olhando para o lado do testemunho cristão como estratégia missionária urbana, é inegável que a maioria das pessoas não cristãs rotula os princípios bíblicos como uma proposta descabida, infantilidade, moralismo ou religiosidade de imposição, tirania da igreja, etc.

Para melhor entendermos as bases que sustentam a vida de servos missionários urbanos que agradam a Deus, obedecendo a ordem de viver e anunciar o evangelho de Cristo, o relato bíblico da história do profeta Daniel, homem que viveu e participou do contexto relacional, trabalhista e urbano de dois grandes impérios, oferece quatro colunas inegociáveis de um servo de Deus que foi fiel e cumpriu a sua missão, a despeito do movimento opositor e intimidador.

 

1. Obediência independente das circunstâncias

Após a conquista de Jerusalém pelo rei Nabucodonosor, Daniel foi um dos jovens judeus escolhidos para serem instruídos nos saberes da cultura babilônica. Logo de início percebemos as agressões que lhe foram impostas, pois perdera o conforto da família e de sua casa e recebera a imposição de uma nova ordem cultural, totalmente influenciada pela imoralidade, idolatria e outros pecados. No que diz respeito às propostas impostas ao jovem Daniel, havia também a ordem de comer da mesma comida e bebida do rei (Dn 1.5). Daniel e seus três amigos (Mizael, Ananias e Azarías) sabiam que o Senhor havia proibido na lei de Moisés comer determinados alimentos. Assim Daniel  decidiu “que não iria ficar impuro por comer a comida e beber o vinho que o rei dava” (Dn 1.8). Saliento que naquele ambiente não havia absolutamente ninguém para questioná-los quanto à obediência a Deus. Muito pelo contrário, a simples concordância com a “regra comum” praticada por todos, pouparia Daniel de confrontos desagradáveis. O contexto cultural que Daniel vivia não lhe era favorável em praticamente nada para ser uma pessoa cujo agir mostraria agradar a Deus, o Senhor (Deus desconhecido para os babilônios). Entretanto, ele buscou um meio de agradar a Deus e manter a sua fé. Acredito que a obediência aos mandamentos de Deus nos momentos da juventude traz consequências abençoadoras para o futuro. A decisão de obedecer a Deus foi uma marca constante na vida de Daniel, abrindo portas para o testemunho da fé e na busca de agradar a Deus e isto também pavimentou o cumprimento da missão que recebera.

Missionários obedientes ao que as Sagradas Escrituras ensinam são pessoas que agradam a Deus, pois a obediência aos mandamentos gera prazer em Deus (2 Sm 15.22). Obediência e amor a Deus andam juntos. Jesus afirmou aos seus discípulos: “Se obedecerem aos meus mandamentos, eu continuarei amando vocês, assim como eu obedeço aos mandamentos do meu Pai e ele continua a me amar” (Jo 15.10). Para abrir as portas para milhares, quem sabe milhões, de missionários em nossas igrejas, a chave chama-se: obediência à Palavra de Deus revelada ao Seu povo.

 

2. Oração como necessidade vital

Nenhum atento leitor do livro de Daniel deixará de notar que a vida de oração daquele homem jamais esteve sobre a mesa de negociação. O livro relata com frequência que ele orava regularmente três vezes ao dia (Dn 6.10). Orava quando estava diante de situações difíceis em busca da orientação de Deus (Dn 12.17-18). Orava intercedendo pelo seu povo, orava confessando seus pecados, reconhecendo o erro dos seus antepassados e adorando a Deus (Dn 9.1-20). Daniel era um homem de oração! Para manter a sua comunhão com Deus através da oração, ele colocou em risco a sua própria vida e fez questão de colocar isto de forma pública (Dn 6.11). Mesmo sendo um alto funcionário do império medo-persa e sabedor que uma trama diabólica fora arquitetada e construída contra ele, Daniel não deixou de demonstrar publicamente o valor da sua comunhão com Deus. Após saber da assinatura do decreto real que proibia qualquer pedido a não ser ao rei, Daniel poderia ter optado por orar reservadamente no seu quarto, sem ninguém o visse. Isto o livraria da condenação formal de seus perseguidores.  Entretanto, os homens perversos e invejosos da corte sabiam que Daniel era um homem de oração. Sabiam através do testemunho da vida dele que ele não ira deixar de orar, sabiam que ele não seria infiel a Deus. Daí o plano ter feito Daniel decidir entre agradar o decreto do rei e continuar usufruindo de muito prestígio e bens ou ser fiel a Deus e perder tudo.

Com Daniel aprendemos que a prática da oração não é um rito, uma repetição de frases ou uma mera rotina religiosa costumeira. Se a vida está em jogo por causa da oração, o valor da comunhão com Deus é maior do que qualquer benefício que a vida terrena possa proporcionar. A vida de oração de Daniel era fator vital para a realização da missão que lhe cabia. As Escrituras ensinam que através da oração, o espírito do cristão interage com o Espírito Santo de Deus e é por ele guiado (Rm 8.16,26); através da oração podemos apresentar ao Deus Todo Poderoso nossas petições e anseios e Ele nos ouve e responde (Mt 6.6). A oração está para a vida espiritual assim como o oxigênio está para a vida do corpo. Logo, concluo que a ação missionária sem oração é como mergulhar em um poço profundo desejando recuperar algo precioso no seu fundo, mas sem provimento de oxigênio.

 

3. Confiança na providência de Deus

Por diversas vezes Daniel passou por situações onde nada poderia fazer para alterá-las ou mesmo garantir a sua segurança. Logo no início da sua juventude ele foi levado como escravo para a Babilônia (Dn 1.3-6). Saberia ele que depois de alguns anos, Deus o colocaria como chefe dos sábios da Babilônia? Poderia ele garantir que a sua decisão de não parar de orar implicaria que os leões não o iriam devorar? Sabia ele que sua fidelidade a Deus o levaria ao mais alto cargo depois do rei? Daniel decidiu agradar a Deus através da sua submissão à providência do Deus eterno. Confiar na providência divina significa ver muito mais do que as circunstâncias apresentam. Acredito que em muitas situações vivenciadas no local de trabalho as circunstâncias são restritivas e intimidadoras para se testemunhar como cristão. Nesses contextos é muito mais fácil se “disfarçar de mundano” e passar despercebido como cristão. Todavia, agir assim seria desonrar a Cristo e falhar na missão.  A prática da missão, por quem quer que seja, exige confiança na providência divina, pois é o agir seguro no Deus que é provedor que gera fidelidade e tranquilidade. Tal tranquilidade não é o resultado do que se percebe ou sente, mas do que se crer acerca de Deus.

Mesmo sendo injustiçado por altos funcionários da corte e apesar de passar por grave perseguição, Daniel confiava que Deus estava provendo todas as coisas (Dn 6.20-22). A dependência na providência divina levou Daniel a testemunhar da sua fé, desconsiderando quaisquer resultados humanos. Destaco que a decisão de Daniel colocando sua vida em risco para cumprir a missão não foi solitária. Os outros três jovens amigos de Daniel também se posicionaram da mesma forma diante do rei Nabucodonosor. Veja o testemunho de fé que eles deram ao rei diante das autoridades com quem trabalhavam: “Responderam Sadraque, Mesaque e Abede-Nego ao rei: Ó Nabucodonosor, quanto a isto não necessitamos de te responder. Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste.” (Dn 3.16-18). Quão impactante e abençoador seria que esse exemplo missionário de Daniel e seus amigos fosse seguido pelos milhões de trabalhadores brasileiros que se declaram servos de Jesus!

 

4. Santidade e humildade para ser servo

Precisamos estar conscientes das tentações de esquecermos nossa missão quando estamos na posição de honra, autoridade, prestígio e abundância. Em hipótese alguma Daniel diminuiu a sua dedicação, obediência e devoção para com Deus quando foi exaltado no império Babilônico e Medo-Persa. Ele sempre se mostrou humilde e dependente de Deus para tomar decisões que primeiro agradassem a Deus. Daniel também nunca se mostrou arrogante ou vingativo contra outras pessoas, nem procurou diminuir ninguém. Pelo contrário, quando foi feito chefe dos sábios da Babilônia, ele não os oprimiu, mas entendeu que sua função era viver em santidade com integridade e sabedoria entre incrédulos, mostrando a eles como servir a Deus. Pessoas invejosas que queriam prejudicar Daniel disseram o seguinte a respeito dele: “Nunca encontraremos motivo para acusar esse Daniel” (Dn 6.4).

Santidade de vida cristã é buscar tudo que o aproxima de Deus, a medida que se rejeita e se afasta do pecado. Sem a busca por uma vida santa é impossível agradar a Deus (Hb 12.14). Sem santidade a missão é maculada. Aqui está o aspecto missionário que leva o povo de Deus a ser o “showroom” do reino. A igreja no mundo precisa ser uma espécie de vitrine de vida que reflete os valores bíblicos. A prática da santidade leva o cristão a estar entre aqueles que servem a Deus, mostrando com o seu testemunho que seguir a Jesus é o mais fascinante projeto de vida.

Concluo chamando sua atenção para o fato de que por três vezes no livro do profeta Daniel, encontramos um anjo dizendo a ele: “Deus o ama muito” (Dn 9.23; 10.11 e 19). Creio que esta é a realidade que todos os cristãos desejam ouvir. Imagine o seu Senhor, o Pai eterno e dono de todo universo dizer para você: “servo bom e fiel”. Imagine você, a alegria e satisfação de Daniel quando ouviu aquelas palavras como resposta às suas orações. Que maior segurança e emoção pode alguém desfrutar do que saber que o Deus Criador de tudo e de todos o ama muito e dele cuida?

Analise a sua vida e verifique se sua vida missionária de testemunho está agradando a Deus através da obediência, da oração, da confiança e da santidade. O salmista Davi sabia que servir a Deus com a sua vida poderia exigir sacrifícios em algumas situações, entretanto haveria sempre a certeza de estar agradando a Deus e isto produz prazer e alegria (Sl 1 e 100).

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Sérgio Paulo Ribeiro Lyra é pastor e coordenador do Consórcio Presbiteriano para Ações Missionárias no Interior. Autor do livro “Cidades para a Glória de Deus” (Visão Mundial). É missiólogo e professor do Seminário Presbiteriano em Recife (PE).

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