Por Sérgio Lyra

Eis aqui um assunto que merece nossa atenção redobrada. Permita-me dar um exemplo. Um colega de ministério participava de uma “invasão missionária” no interior pernambucano, promovida por uma agência missionária para-eclesiástica. Ele foi atraído para perto das pessoas, ao ver passar pela rua uma procissão, que trazia no andor uma estátua da “nossa senhora”. Ao parar para ver o cortejo, ficou nos limites estabelecidos por uma corda. Foi ali que a senhora que estava à frente de todos, parou e lhe perguntou: “Por que você não participa com a gente?” Ele tentou explicar e disse que era do Recife (PE) e que estava ali para falar de Jesus, o filho da virgem Maria. A senhora com quem ele falava parou a procissão, ajuntou as outras pessoas em sua volta e, antes de lhe dar a palavra, disse: “Pessoal, este moço aqui vai falar de Jesus, o filho de nossa Senhora”. O fato o deixou quase sem ação, mas o seu preparo e a sua intimidade com a pregação do Evangelho no interior permitiram que ele superasse a surpresa e anunciasse a Jesus, dizendo que falaria do Filho da virgem Maria, o Deus eterno que amava a cada um deles.

O treinamento para o campo missionário é uma área que necessita seriamente ser repensada. Jamais direi que as pessoas necessitam mais de pão do que dos ensinos de Jesus, porém, também, jamais direi que Jesus não se preocupou com os problemas materiais e as necessidades das pessoas, ricas ou pobres. Frequentemente tenho visto igrejas que, de pronto, recomendam a formação denominacional (entenda como seminário para capacitação teológica) ao descobrirem a vocação missionária de alguém que deseja sair da comunidade local para pregar o evangelho. No caso de vocacionados para evangelizar o interior do Nordeste, creio que outra proposta precisa e pode ser formulada e implementada, sem descaracterizar a formação nos seminários.

Após conhecermos a realidade e necessidades do nordestino interiorano, considerando a realidade do interior extremamente carente de professoras, agrônomos, técnicos de saúde, médicos, veterinários e outros profissionais, sou do parecer que juntamente com a pregação do Evangelho, um ou mais profissionais missionários poderiam completar o perfil da equipe pioneira que vai chegar com a mensagem do Evangelho. A nossa ação precisa enfrentar a realidade onde o Evangelho será anunciado. É aí que vejo a extrema necessidade de termos os evangelistas fazedores-de-tendas, homens e mulheres como Áquila e Priscila (At 18.1-26), que abriam as portas da sua casa, servindo e pregando divulgavam a preciosa mensagem do Evangelho, e isto sem descaracterizar um milímetro sequer a ação e necessidade de obreiros dedicados com exclusividade à Palavra e com o cuidado pastoral.

O que fazer? Proponho o encorajamento e a utilização dos membros de nossas igrejas para se envolverem com a proposta de serem profissionais no interior do Nordeste, e a criação ou adequação de escolas de treinamento onde aqueles que forem chamados pelo Espírito Santo para essa obra possam aprender a pregar o Evangelho sem abandonar a sua profissão. Com este propósito, já experimentamos a implantação de um treinamento desse tipo, em uma Igreja Presbiteriana do Grande Recife (PE), que planejou e já investe em capacitar alguns de seus membros para atingir cidades do interior. A escola tem o propósito de treinar teológica e missiologicamente profissionais cristãos para desempenharem ações missionárias pioneiras. E há boas notícias: homens e mulheres aposentados ou prestes a se aposentar estão sendo impactados pela ideia. Aqui questiono: por que não oferecer nas nossas escolas dominicais esse tipo de treinamento missionário? Pelo menos as igrejas maiores poderiam fazê-lo.

Não posso deixar de reconhecer que dois aspectos ainda precisam ser bem analisados, que pelo tempo e espaço disponível, deixo apenas a identificação dos mesmos para reflexão e estudos posteriores. O primeiro aspecto refere-se à definição do perfil de treinamento a ser oferecido àqueles que irão assumir as atividades pioneiras nas comunidades onde se almeja ver o evangelho florescer. O segundo aspecto pode ser chamado de estratégia de permanência, pois ao invés da opção de prioritariamente se buscar na capital os obreiros para o interior, pode-se utilizar a realidade de cada cidade para dali identificar obreiros preciosos, treiná-los no local e entregá-los ao campo onde estão. Quem não se empolga com a história do evangelista Tião (Sebastião) obreiro evangelista da JUVEP no interior da Paraíba? Ele era um homem simples do interior, mas ao ser atingido pela graça de Jesus, foi alfabetizado e treinado e se tornou um dedicado pregador da Palavra. Nesse aspecto há ainda outra vertente. Ao invés de trazer as pessoas do interior para a capital, a ideia de capacitar obreiros autóctones e já ambientados com a realidade do interior, viabilizará uma capacitação teológica e missiológica mais direta e moldada às necessidades do treinando e adequada ao contexto local. Essa opção encurta distâncias, tempo, custos e amplia os horizontes de novos obreiros.

Alguém pode questionar que a minha proposta produziria um treinamento limitado ou mesmo deficitário. Gosto sempre de lembrar do que Jesus fez com o homem que era endemoninhado e vivia no cemitério da cidade de Gadara (Mc 5.1-20). Ele, após ser liberto e ter ouvido alguns ensinos de Jesus, pediu para seguir o Mestre (Mc 5.18), porém Jesus respondeu: “Volte para casa e conte aos seus parentes o que o Senhor lhe fez e como ele foi bom para você“ (Mc 5.19). O Senhor fez daquele homem um missionário em sua cidade em apenas poucos minutos. O resultado? Leia você mesmo: “Então ele foi embora e contava, na região das Dez Cidades, o que Jesus tinha feito por ele. E todos ficavam admirados.” (Mc 5.20).

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Sérgio Lyra é pastor e coordenador do Consórcio Presbiteriano para Ações Missionárias no Interior. Autor do livro Cidades para a Glória de Deus, publicado pela Visão Mundial. É missiólogo e professor do Seminário Presbiteriano em Recife (PE).

 

Foto: Paulo Sacramento

  1. O texto do Pastor Sérgio coloca em palavras o que meu povo alagoano tambem sofre. Em alguns critérios, vejo perfeitamente, o motivo do não querer investir nestas regiões: afinal nescessita de muito esforço e na maioria das vezes um alto custo, sem contar que não vai haver retorno “direto” para o grupo ao qual os enviou, é mais facil ficar pelas grandes cidades.
    Realmente precisamos repensar nosso conceito de “missões”!

  2. Uma análise missiológica muito bem vinda e oportuna diante dos modelos “de invasões missionárias” que acontecem em nosso sertão nordestino.
    O fato é que nessas visitas “beija Flor”, é impossível a contextualização indispensável para evangelização eficaz de um povo. A fim de cumprir a grande comissão de forma instantânea nossos visitantes trazem um evangelismo “enlatado” pronto para ser engolido, mas insuficiente para transformar uma vida inteira de herança idólatra. O sertanejo deve ser alcançado integralmente, e suas necessidades não podem ser conhecidas em alguns dados estatísticos, e alguns estudos de caso que produzem emocionalismo, em pouco tempo antes de se evangelizar uma comunidade. É preciso convívio, o sertanejo é alcançado pela amizade, pelo interesse real de suas necessidades, só quando confia escuta.
    Pastor Sérgio está levantando um tema importantíssimo a ser discutido para evangelização do interior do nordeste. Temo que essa região vire centro turístico bela beleza cultural existente hoje ser tão evidenciada, e a curiosidade pela paisagem pobre e cheia de aventuras seja tão atrativas em testemunhos mobilizadores.
    O sertão é um campo missionário, mas um lugar cheio de homens e mulheres valentes que realmente quando alcançados se tornam grandes líderes que tornam possível uma transformação integral de suas comunidades.
    Que muitos profissionais venham para o nordeste e fiquem no nordeste e façam missões com a vida. Que músicos venham dar aula em nossas escolas municipais.
    Confio que Deus chamará muitos para esse campo, que hão de ir aonde ninguém quer ir, e ficar para entender, amar, investir, discipular, ouvir, aprender, observar, valorizar o jeito de ser nordestino e fazer a igreja do sertão crescer com cara do sertão.
    Parabéns pela iniciativa pastor Sérgio!

  3. É verdade.
    Por esses dias uma missionária daqui ( ms) foi ao sertão bahiano acertar uma herança ( um pedaço de terra numa área pobre) chegando lá, não deu outra… realizaram um culto doméstico e… 28 almas para cristo! Voltando à capital (Campo Grande) falou com o seu pr. da possibilidade de se fixar lá no sertão; A resposta foi deprimente :”a igreja não tem interesse por aquele campo e vcs são mais úteis aqui na região central”. Cá entre nós, deixa eu falar baixinho… não dá retorno; finanças, compreendeu? é isso ae.

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