Por Patrick Reason

Acordei cedo no Dia das Mães preocupado em mobilizar meus filhos adolescentes em tempo de participarmos da Escola Bíblica Dominical. “Vocês já fizeram a carta para sua mãe?”, indaguei. “Só mais cinco minutos, pai”, foi a resposta, já esperada. Saí de casa às pressas para comprar aquelas rosas que garantem mais um ano de favor conjugal merecido. Este era meu mundo, o mundo de muitas famílias cristãs. Temos nossas batalhas em família, nossos altos e baixos, e tentamos aplicar a Palavra na instrução dos filhos e no comportamento afetivo, e graças a Ele, normalmente dá bastante certo. E assim foi. Depois de cartões de valorização maternal e um lindo buquê na mesa de café, saímos felizes para a igreja.

Nossa igreja compartilha seu espaço físico e membresia com uma entidade de acolhimento institucional de crianças e suas mães, vítimas de violência ou vulnerabilidade, e com outro espaço de atendimento à comunidade local. Não é uma igreja padrão. O culto à noite seria especial, com lembrancinhas para as mães e uma musiquinha ensaiada no departamento infantil com playback e coreografia. Mas no período da manhã, era a hora de reunir o grupo todo para uma rápida oração antes de nos dividirmos por faixa etária e aproveitar um bom estudo bíblico. Foi assim que este pastor entrou desatento neste espaço religioso, agradecendo a Deus porque tudo tinha ido tão bem em casa.

A realidade provoca a consciência para admitir a fragilidade
A primeira pessoa que veio a meu encontro quando entrei na igreja foi o Willian. Um menino lindo e com olhos e cílios que provocarão inveja à grande maioria de mulheres. Ele mora com a avó e frequenta diariamente nosso Serviço de Convivência por meio período e é sempre um dos primeiros de chegar (sozinho) aos cultos. Eu lembrava que a mãe dele estava presa, mas, naquele momento, pressionado pela data especial, me vi perguntando como estava a sua mãe. “Pastor, ela saiu da prisão!”, Willian respondeu. Meu alívio foi imediato. “Que bênção. Você pediu oração tantas vezes por isto!”, celebrei. “Mas ela não vem me ver”, continuou ele. Esta simples declaração me derrubou: Willian não merecia isto. Aqueles olhos transmitiram resignação à dor. “Você merece algo muito melhor”, pensei, mas não tive coragem de expressar.

Virei para continuar cumprimentando outros irmãos que chegavam. O próximo encontro providencial foi com aquele casal “perfeito”, cheio de beleza e vigor, socialmente bem amado por todos. Mas este casal não virá para o culto hoje à noite, como de costume. Eles estavam tentando ter filhos há alguns anos, inclusive por meio de tratamentos, e nada de engravidar. Ir ao culto e assistir outras mães receberem homenagens seria uma dor impossível de aguentar.
Antes de eu assimilar meus pensamentos de perplexidade, cumprimentei uma mulher que tinha saído da nossa entidade de acolhimento antes do tempo recomendado. Carente da afeição de seu padrasto, que a tinha engravidado até então quatro vezes, e frustrada com as regras institucionais impostas e com as demandas para impor ordem em quatro crianças “impossíveis”, se mandou com eles de volta para o lar. A juíza, enfurecida pelo aparente desacato à autoridade da genitora, mandou acolher os quatro filhos – duas meninas em um abrigo, dois meninos em outro – sem direito a visita por um tempo; a mãe foi deixada para aprender e lamber as feridas (e bem possivelmente engravidar de novo).

“O que fazer disto tudo, pastor? Será que sua Santa Ceia e apresentação feita pelas crianças no culto da noite saciarão suas ovelhas? Tranquilizarão a sua própria consciência?”. Certamente não. E o pior, é que tinha que pregar!
A tarde daquele dia foi uma batalha. A religiosidade bateu forte e demandou uma fala vitoriosa e de valorização da mulher e da maternidade, mas a consciência demandou uma palavra que admite a fragilidade, a dor de não conseguir ser a família que a sociedade pronuncia como o padrão. Ai, ai, ai, isto é muita coisa para uma pregação só.

Onde está o Zé?

Não falo isto de brincadeirinha. Noventa e nove por cento de minhas pregações são nada mais do que exposições fundamentadas naquilo que a Palavra fala por si só. Desta vez, foi diferente: minha pregação foi fruto de uma inspiração divina. Fui provocado a refletir sobre a cruz, e especificamente sobre João 19.25 a 27. Nesta passagem, Jesus fala ao seu amigo, João, e à sua mãe, Maria. Podemos notar vários aspectos: primeiro é que José não estava. Isto não é a reflexão principal desta pregação nascente, mas uma excelente indagação a ser feita no contexto de nossa sociedade moderna e especialmente latino-americana: “Onde você está Zé? Onde você está? Pelo amor de Deus, cadê você homem?”. Na hora difícil, do sofrimento, do ensino e da formação, do nascimento e até a morte precipitada das crianças brasileiras, onde está o pai destes garotos e garotas? Hoje predominam famílias onde o pai é completamente desconhecido ou efetivamente ausente.

A mãe deixa de ser mãe quando filho morre?
Segundo aspecto: Jesus tinha causado um problema sócio familiar morrendo naquele momento. Sem diminuir o valor eterno e determinante da morte redentiva da cruz, Jesus causou para Maria, sua mãe um problema existencial. Depois de partilhar da mesma casa com a minha sogra por um ano, percebi que ela não sabe existir sem encarnar a maternidade. Mãe de sete, avó de vinte alguma coisa e bisavó de uma dúzia, pelo menos, no ano de sua morte, não passou um dia que ela “quase morreu” de preocupação por um ou outro dos filhos, netos e bisnetos. A vida dela não tinha sentido sem se preocupar com eles. Maria estava perdendo seu filho mais velho naquele momento. Após a ressurreição não se vê alguma referência à relação mãe e filho. Não sei exatamente o que significava culturalmente o cuidado na velhice pelo primogênito e, depois desta morte antecipada, qual era o papel dos outros filhos, mas sei que houve um vazio sem precedentes na vida de Maria. E João? Se eu tivesse passado metade daquilo que ele iria passar até chegar em Patmos, gostaria de ter uma mãe intercedendo por mim e quem sabe preparando aquele comidinha especial para me esperar depois uma viagem missionária. Não sei se a mãe biológica de João ainda vivia, nem por que Maria não tinha os outros filhos esperando o retorno dela, só sei que Jesus usou o pouco fôlego que restava de sua vida sacrificial para garantir o amparo deles.

Quem precisa de uma mãe?
Aqui me foi feito perceber o seguinte: nesta nova conjuntura familiar, Jesus não pronunciou: “João, cuide de minha mãe como se fosse sua mãe”, ou: “Maria, cuide de João como se fosse seu filho”. Não. Ele disse a Maria: “Este é o seu filho”. Em seguida disse a João: “Esta é a sua mãe” (Jo 19.26-27, NTLH). Jesus empoderou Maria para ser a mãe do João e João para ser o filho de Maria. Assim Jesus estabeleceu a família substituta na cruz de Calvário. Maria não era mãe coisa nenhuma de João, nem João filho de Maria, mas isto não se vê nas palavras de Jesus aqui. Quantas crianças e adolescentes, filhos de vizinhos, filhos de parentes, grupos de irmãos em abrigos institucionais, jovens em mocós, crianças em situação de rua ou até em nas nossas igrejas (na Escola Bíblica Dominical!), precisam de uma mãe ou de um pai? Jesus pode nos empoderar a ser mãe e pai. Não de brincadeira, mas de fato. Mãe e pai de filhos, nossos.

Olhe bem o resultado triunfal desta nova construção familiar: “Daquela hora em diante, o discípulo a levou para casa”. Esta é a minha oração para você e para todas as crianças, adolescentes e jovens. Uma casa para cada criança brasileira.

• Patrick Reason é inglês naturalizado brasileiro, pai de dois filhos adolescentes e marido da Iara. Pastor e fundador da Associação Beneficente Encontro com Deus, coordenador da REPAS e atual presidente do CMAS de Curitiba, Paraná.

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