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“Eu já caí aí dentro. Mas eu sabia nadar!”

Por Elsie Gilbert

Na escola da Praia da Longa, Ilha Grande, Angra dos Reis (RJ), é prática diária hastear a bandeira enquanto as 25 crianças que frequentam esta escola em regime multisseriado cantam o hino nacional. Um dos meninos, o Miguel, de 6 anos, canta o hino com voz forte e afinada. Ele sabe quase toda a letra deste hino, tropeçando apenas naquelas partes em que todos nós brasileiros também tropeçamos.

A diretora chama uma menina de 4 anos para hastear a bandeira. Explica para nós que esta tarefa é concedida a crianças que desempenharam alguma ação digna de honra. Maria Gabriela, explica a diretora, terá a honra nesta manhã simplesmente porque voltou para a ilha depois de dois meses ausente. A menina encara a tarefa com alegria e seriedade. A bandeira já estava lá em cima quando ela se desconcentra e esta cai. A menina não se intimida. Começa tudo de novo com graça e um sorriso charmoso.

E quem somos nós? Somos uma equipe de adolescentes da Igreja Presbiteriana de Viçosa (MG) que decidiu gastar uma semana de nossas férias de julho trabalhando com as crianças nesta escola pública. Nossa motivação? Demonstrar o amor de Jesus por elas de forma prática: brincando, contando histórias, ensinando a dançar, a fazer massinha, a dobrar origami, etc.

No decorrer da semana, a Maria Gabriela continua a nos encantar. Ela é linda, charmosa, falante, desinibida. Mas alguns integrantes da nossa equipe começam a perceber que a vida da menina não é fácil. Ela ocupa a quarta posição numa família de seis. Sua irmã mais velha tem 9 anos ao passo que a mais nova ainda é bebê. A mãe não está em casa. Teve que ir ao centro de Angra dos Reis e deixou os seis filhos numa casa com o novo companheiro. O irmão de Maria Gabriela chega no segundo dia com o olho roxo. Diz, à contragosto, que caiu. A pequenininha de dois anos é vista no cais, sozinha, acompanhada apenas pela irmã Maria Gabriela de 4 anos. Enquanto a pequena olha para a água lá embaixo, a de quatro anos conta para nós: “Eu já caí aí dentro. Mas eu sabia nadar!”

Os relatos dos adultos da comunidade não são nada animadores: “Já veio o Conselho Tutelar para eles, não sei como não levaram as crianças.” “Todos nós queremos pegar as crianças para criar, mas a mãe não deixa.” “Outro dia a Maria Gabriela estava andando pela praia de mãos dadas com um turista. Nós chamamos a atenção dela dizendo que sua mãe estava chamando por ela. Não sabemos o que teria sido dela. Não dá para saber quando um turista é do bem ou do mal.” E assim por diante…

Nossa equipe se comove com o drama se descortinando diante de nó. Sabemos que não temos o poder de mudar a vida desta menina e de seus irmãos.

Uma educadora da nossa equipe, treinada para usar a metodologia do Projeto Calçada, se dispõe a conversar com todas as crianças desta família, começando pela Maria Gabriela. O conteúdo da conversa é estritamente confidencial. Mas, depois da conversa, num momento mais descontraído, a Maria Gabriela chega para a educadora e conta: “Deus fala comigo de noite.” “É mesmo? O que é que ele diz?” pergunta a educadora. “Ele diz ‘Criança abençoada, eu cuido de você!”

E foi assim que a Maria Gabriela abençoou de fato toda a equipe de adolescentes incluindo os adultos líderes. Deus não está ausente na vida da menina. E é por isto que nossas orações por ela e por tantas outras crianças que sofrem com a negligência e violência impostas por um mundo afastado de Deus são a nossa primeira arma de luta. Não dá para parar de orar!

*Maria Gabriela e Miguel são nomes fictícios

Para pensar:

  1. Você acha que Deus está, de fato, envolvido, presente e atuante, na vida de crianças em meio ao seu sofrimento?
  2. Se Ele está, por que não resgata estas crianças destas situações?
  3. Que intervenção nós, cristãos, podemos promover para ajudar crianças que sofrem como a Maria Gabriela?

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