quartas

por Elsie B. C. Gilbert

Faça um teste. Pergunte para uma criança do seu convívio o que ela acha que a Bíblia diz sobre ela mesma. Acho que subestimamos a capacidade das crianças de absorver, digerir, de serem nutridas pelas histórias bíblicas e de usarem o texto bíblico para refletir sobre si mesmas. Moralizamos quase tudo que tentamos transmitir para as crianças. É amplamente aceito que as crianças precisam sim de serem ensinadas com princípios e lições. Mas é possível também perdermos de vista o mistério e a beleza de vermos as crianças chegando a conclusões transformadoras porque gastaram um tempo especial com o texto.

E se fizéssemos um pouco diferente? E se contássemos uma história pedindo às crianças que refletissem sobre o que Deus revela ali sobre a própria criança? 

Foi pensando assim que re-escrevi a história da serva da esposa de Naamã. Foi apenas um exercício que compartilho aqui com você. Contei-a ao meu filho de 9 anos e em seguida ele a leu na Bíblia. Faça você também este exercício.

 

Aconteceu há muito tempo, num país distante, no tempo em que havia reis—num tempo em que os reis disputavam território e invadiam os países vizinhos—que o Rei da Síria invadiu o país de Israel e levou muitos prisioneiros para servirem de escravos no seu império. Entre as pessoas levadas ao cativeiro, estava uma menina. Nós vamos chamar esta menina de Bina, que no hebraico significa “sabedoria”, mas na verdade não sabemos o nome dela, só estamos imaginando um nome para ela.

Bina passava seus dias trabalhando na casa de um grande comandante do exército Sírio. Ela era quase invisível. Primeiro porque era estrangeira, segundo porque era mulher, terceiro porque era muito jovem e quarto porque era serva. As pessoas não davam muita importância para ela nem para o que ela dizia. Ela logo aprendeu que havia vários tipos de adultos. Seu patrão por exemplo, era um homem muito ocupado e não gostava de ser interrompido. Alguns dos servos da casa eram gentis e bondosos com ela, outros eram perigosos, era só olhar nos olhos deles. Dava medo. Bina procurava sempre que possível se manter longe destes.

A esposa do comandante era uma pessoa boa. Ela sabia ouvir. E foi por isto que quando Bina percebeu a tristeza no olhar de sua patroa, não conseguiu se conter e tratou logo de descobrir a causa. O comandante, ela descobriu, tinha uma doença terrível e incurável. Ele ia morrer! Pior, antes de morrer ele ia sofrer por muito tempo. A notícia surtiu um efeito terrível sobre todos os servos e familiares do comandante. Naquele tempo as pessoas tinham tanto medo da lepra como nós temos hoje do câncer.

Bina não sabia o que fazer. Ela achava que tinha a solução para o problema de seu senhor. Mas e se ele não a ouvisse? O profeta Eliseu, o homem do Senhor de sua terra natal, poderia curá-lo! O que ela devia fazer, contar ou ficar calada? Ela sabia que os Sírios não admiravam nem um pouco os Israelitas. Várias vezes tinham entrado em guerra. Não era por isto que ela era uma serva? Deveria arriscar e quem sabe ser severamente corrigida na frente de todos? Ou será que era melhor ficar calada?

Um belo dia, ela voltava de uma de suas tarefas quando percebeu que ia passar no pátio pelo comandante e sua mulher. Ela criou coragem e quando já estavam bem próximos ela falou: “Senhor, senhora, acho que conheço alguém que pode ajudar o senhor.” Falou tão baixinho que se não fosse o fato de sua senhora ser uma pessoa muito especial e perceptiva, ela não teria entendido. A esposa parou, chamou a atenção de seu marido e juntos ouviram o que a menina tinha a dizer.

Foi uma jornada difícil, mas o comandante, depois de muitas atrapalhadas, finalmente chegou ao  profeta Eliseu, contou seu problema e obedeceu, meio a contragosto, às ordens de Eliseu. Qual não foi sua surpresa quando ao se banhar por sete vezes no Rio Jordão ele descobriu que sua doença tinha desaparecido completamente! Todos da casa do comandante ficaram maravilhados e grandemente surpresos, menos Bina, é claro. No fim das contas eles declararam que dali por diante serviriam ao Deus de Bina.

Depois de contar a história,  peça para uma criança mais velha ler o mesmo relato na Bíblia. Elas vão perceber que omiti alguns detalhes como por exemplo o medo do rei de Israel e a resistência de Naamã em obedecer ao projeta Eliseu. Isto tudo é muito bom e deve ser valorizado. Depois pergunte às crianças:

  1. O que vocês acham que esta história diz sobre a menina?
  2. Se vocês crianças, usarem esta história como exemplo, o que poderíamos dizer que Deus pensa das crianças?

Veja o que Dan Brewster em seu livro “Child, Church and Mission” acha muito significativo nesta história:

Apenas quando lemos as Escrituras colocando a criança no centro da reflexão é que conseguimos perceber como uma menção tão curta sobre a menina serva é tão esclarecedora sobre como Deus usa as crianças para alcançar seus propósitos. Esther Menn observa que esta narrativa apresenta um contraste irônico e constante entre o que parece “grande” e importante, e o que aparece “pequeno” e insignificante. (41) Não sabemos o nome da menina,  sua idade exata, o que aconteceu com seus pais e irmãos ao ser capturada, ou quanto tempo ela serviu à esposa de Naamã. “… a criança é apresentada simplesmente como ‘pequena’, como se esse fato fosse a única coisa que importa, sua pequenez no meio de todo aquele poderio e brutalidade.”

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Nota: o livro Child, Church and Mission está em processo de tradução e impressão para o português com o apoio da Compassion Brasil.

 

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