Por Sarah Furtado

Essa pergunta tem martelado minha mente nas últimas semanas. De forma ainda mais latente depois das tantas tragédias que assistimos, ou sentimos na pele, em menos de três meses.

Como ser grato quando parece que tudo vai mal? Ou ainda, como praticar o contentamento quando tanta coisa parece estar errada?

A vida é enfado. É verdade. É vaidade de vaidades. Parece que, no fundo, a gente se nunca sente feliz e satisfeito. Tem sempre algo a mais a buscar. Vai ver é isso que significa o desejo pela eternidade. É o coração com saudade de casa. É uma satisfação temporária com as realizações. E no fundo, bem lá no fundo, um reverberar de frustração.

Recentemente encontrei a resposta dessa inquietação, durante a leitura do livro “Uma fé pública”, escrito pelo teólogo croata Miroslav Volf. Em dado momento, falando sobre a insatisfação, ele dispara: “A melancolia inevitavelmente se instala quando nos esquecemos de que somos feitos para encontrar satisfação no Deus infinito, e não em qualquer objeto finito.”

Nesse sentido é mais do que claro que quanto mais finito for o objeto de nossa esperança, mais cedo morrerá nosso sentimento de satisfação e contentamento. É por isso que emprego, bens, relacionamentos, nada disso consegue suprir por um longo período nosso clamor por contentamento. Claro que a gente pode, e deve, ser grato por todas essas coisas. Mas, demissões acontecem, bens são furtados, relacionamentos acabam. Finito.

A ideia da satisfação só faz sentido a partir da perspectiva do infinito porque é só assim que entenderemos que “tudo isso é bom, mas haverá algo melhor”. A vida cristã nos chama a uma construção para o eterno.

E é aí que entra a segunda parte da resposta que encontrei nos textos de Miroslav Volf. O segundo trecho deste mesmo parágrafo acrescenta: “Ela também se instala se trabalharmos só para nós mesmos e não virmos o nosso trabalho como um serviço para uma comunidade e como parte do contínuo engajamento de Deus com a criação.”

A construção de um reino infinito descentraliza por completo o “eu”, para dar espaço ao “nós”. E se cremos que não há eternidade sem Jesus, o Deus que venceu a morte, então é nossa missão fazer com que todas as coisas, em todas as áreas da vida, venham a convergir Nele. Todos “nós”, em Cristo!

De volta à pergunta inicial. É possível que o contentamento habite com a indignação?

Sim! Porque cada ato que fere a missão divina de construir um reino eterno, capaz de trazer ao coração do homem a satisfação completa, deve obrigatoriamente nos causar uma indignação convertida em transformação.

Cada ofensa à criação, cada dano à natureza, cada violência contra aqueles feitos à imagem e semelhança de Deus, toda e qualquer tentativa de interromper a vida, precisa, urgentemente, nos impulsionar à ação.

Contentar-se é caminhar grato. É jamais parar.

Mas é, sempre, construir o reino do aqui, do agora, e do ainda não.

Que o meu coração jamais se acomode.

Mas, sempre contente-se.

  • Sarah Furtado, 27. Jornalista e entusiasta de política. Direitos humanos, dignidade e igualdade são suas bandeiras de vida. Se encanta com paisagens naturais, filhotes e gente simples. Obriga um rato e um gato a conviverem em paz e sabe que não existe melhor lugar do que no abraço dos pais.

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