Por Daniel Theodoro

Para um brasileiro que chega de mudança ao Canadá em ano de copa do mundo, duas coisas ficam muito evidentes: a primeira é o quase total desinteresse do canadense pelo futebol; a segunda é a paixão deles pelo hóquei no gelo.

Mesmo quando a temporada regular de jogos – que vai de outubro a abril – se encerra, o noticiário esportivo canadense sempre encontra um jeito para falar de hóquei no gelo. Na semana passada, um assunto delicado tomou as manchetes dos jornais. Theoren Fleury, um dos mais famosos ex-jogadores de hóquei no gelo do Canadá, anunciou que irá se encontrar com Graham James, ex-técnico que abusou sexualmente de Fleury aos 13 anos de idade.

Campeão nacional em 1989, eleito jogador do ano em 2005-06, medalha de ouro nos jogos olímpicos de 2002, Fleury é considerado um herói do esporte por ter somado inúmeras vitórias e conquistas na carreira. Contudo, sempre perdeu a batalha contra o trauma da pedofilia. Em sua autobiografia lançada em 2009, Fleury decidiu mostrar a ferida pela primeira vez, revelando que foi vítima de James por dois anos.

O medo e a frustração produziram um jovem atleta cheio de complexos e vícios. Apesar de tudo, Fleury nunca deixou o esporte. Quando defendeu a camisa dos  Rangers, uma das franquias mais tradicionais da Liga de Hóquei Norte-americana (NHL), Fleury foi flagrado treze vezes em exame antidoping, resultado de uma vida que misturava treinos, drogas e alcoolismo. Em seu relato, o ex-jogador afirma ainda que, por ter sido vítima de abuso sexual na infância, se tornou uma pessoa agressiva, cheia de raiva e que procurava descontar em cassinos e em prostitutas todo ódio que sentia.

Um ano depois do lançamento de sua autobiografia, Fleury viu seu livro entrar para a lista dos mais vendidos no site da Amazon no Canadá. Além disso, ele e a esposa passaram a receber e-mails de pais cujos filhos haviam passado por experiência semelhante, contudo tinham receio de denunciar o agressor e expor seus filhos ao assédio da mídia. Decidido a levantar a bandeira do combate à pedofilia no esporte juvenil, Fleury passou a dar palestras e trabalhar como voluntário em ONGs de apoio a crianças e adolescentes vítimas do trauma.

No mesmo ano de 2010, Fleury foi procurado por Sheldon Kennedy, ex-jogador de hóquei que também foi vítima de Graham James na adolescência. Encorajado pelo colega, Fleury decidiu apresentar queixa na justiça canadense contra o ex-técnico. A iniciativa levou James para trás das grades e resultou ainda em novas denúncias de antigas vítimas do criminoso.

Em entrevista ao jornal Free Press, de Winnipeg, Fleury disse estar decidido a seguir adiante com o assunto. Como bom atleta, ele quer derrotar de vez o trauma, nem que seja necessário levar o duelo para a prorrogação. Uma vez que procurou a justiça, agora ele quer encontrar o perdão. “Nunca nos ensinam a respeito da compaixão. Somos ensinados a reagir com ódio e raiva e tudo mais”.

O encontro de Fleury e James será registrado em vídeo como parte de um documentário que irá contar o legado de Fleury para o esporte e para o combate à pedofilia. “Se trata de um quadro maior, é sobre mostrar para as pessoas que não importa o que você enfrentou na vida, sempre é possível prosseguir. A grande vingança é a paz, a felicidade, o amor, a compaixão e a humildade”.

  • Daniel Theodoro, 33 anos. Cristão em reforma, casado com a Fernanda. Formado em Jornalismo e Letras.

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