Por Rafaela Senfft

“Então Pedro se aproximou dele e disse: Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?
Respondeu Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”
– Mateus 18:21,22

Neste momento da minha vida Deus tem me levado a meditar sobre exercício do perdão. Chama-me atenção nesses dias como as diferenças entre as pessoas têm tomado um rumo tão insensível no nível da comunicação. A meu ver, parece que estamos cada vez mais impacientes.

A urgência em expressar uma teoria dogmática precede o diálogo e a misericórdia, e em cada novo fato que aparece, tem se testemunhado um tom de hostilidade, principalmente entre irmãos em Cristo. As visões de mundo contrárias têm feito surgir debates inflamados e intolerantes, cada um querendo ser juiz da vida alheia. E a lição do perdão e da misericórdia, deixada por Jesus, vai se esvanecendo.

Sobre esse ambiente de hostilidade entre os irmãos, a igreja de Cristo, ao invés de buscar união, se mostra fragmentada e dividida, preconceituosa em relação a denominações, julgadora, subestimadora e altiva. E, por muitas vezes, me encontrei ativamente fazendo parte disso.  Justamente por ter feito parte dessa mistura é que Deus pôde me corrigir e me dar oportunidade da sair desse curto-circuito.

Um estado de espírito, talvez o mais perigoso, que esse ambiente pode nos proporcionar sem que percebamos é o ressentimento. Isso é um problema que se camufla na autocomiseração. Ele fica ali instalado, crescendo e guiando nossas atitudes até nos tornar reféns desse sentimento. Ele passa a fazer parte da lente através da qual olhamos pra vida, para as pessoas e para nós mesmos.

O ressentimento nos faz tomar partido, de forma irracional e impensada, apenas para sermos contra aqueles que nos ofenderam um dia. É como um analgésico automedicado, que vai nos aliviar momentaneamente daquela dor que nós mesmos insistimos em cultivar diariamente, até que se perca o controle, já que não é cortado pela raiz.

O perdão é o melhor exercício contra o ressentimento. O ato de perdoar, mesmo quando se sente raiva, é o antídoto que vai nos livrar de vivermos ressentidos. Perdoar é de fato um exercício. Quando perdoamos, não fica tudo bem de imediato. O ressentimento tem sido, talvez, o mais sutil fruto da carne. Não é à toa que a metáfora do “setenta vezes sete” é semelhante à forma como fazemos exercícios na academia ou na fisioterapia: precisamos praticar todos os dias, várias vezes, em forma de repetição, para que o músculo se conforme ao objetivo desejado.

Me encanta a riqueza da linguagem simbólica que a Bíblia traz, porque se aplica a todo tempo e contexto. Esse caráter identificador nos traz uma proximidade de linguagem, para que possamos entender de maneira pessoal e não somente a partir de uma leitura vinculada aos resultados da pesquisa original. Essa flexibilidade e mobilidade caracterizam uma palavra viva, que nos fala diretamente, que cabe em todo tempo e espaço.

Obviamente, considero o conteúdo teológico que decifra, na análise das escrituras, as razões para explicar o número sete.  Mas há o encantamento de perceber a vivacidade da Palavra em nos tocar dentro de um significado pessoal e presente, como nessa analogia, relacionando o exercício do perdão às atividades físicas que fazemos diariamente para modelar um músculo ou conferir vitalidade a ele.

Temos o objetivo de fortalecer o corpo físico e precisamos das séries de repetições para conformá-lo a nosso objetivo, de modo que na medida em que se praticam, os exercícios vão ficando mais fáceis e familiares. Com o perdão não é diferente, precisamos exercitar o “setenta vezes sete como uma série de repetições diárias, até que o ressentimento e as mágoas possam se conformadas ao objetivo do amor.

 Rafaela Senfft é artista plástica formada pela Escola Guignard/UEMG, onde é professora de História da Arte Ocidental no curso de extensão. É membro de CIVA (Christian in Visual Arts) e congrega na Igreja Esperança, em BH.

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