Os soldados na praia (Harry Styles, Fionn Whitehead e Aneurin Barnard)

Por Amanda Almeida

Quando pensamos na 2ª Guerra Mundial, é bem pouco provável que a retirada exército inglês de Dunquerque seja um episódio presente na memória coletiva brasileira. Mais de 400 mil soldados britânicos foram encurralados por alemães nas praias da França, e a previsão otimista do primeiro-ministro Winston Churchill era do resgate de 45 mil deles. É o desenrolar desse resgate que assistimos em Dunkirk (2017), de Christopher Nolan.

Soldados tentando escapar da praia, civis navegando para prover socorro e pilotos da Força Aérea buscando conter ataques germânicos. São essas as três linhas narrativas e temporais sobrepostas pelo diretor, que entrega um filme de guerra – ou de fuga, como ele mesmo propõe – que destoa dos padrões do gênero.

Além das óbvias diferenças na maneira de Nolan contar uma história de guerra em Dunkirk, e da habilidade em orquestrar som, tempo e imagem, outro ponto que chama atenção no filme é a escolha da trama em si. Um grandioso acontecimento entre nações contado através de personagens nada grandiosos.

Os pilotos que acompanhamos na tela não carregam uma arma letal que acabará com o exército inimigo em apenas um comando. Os civis não têm recursos mirabolantes para garantir o sucesso de sua missão na embarcação. Os soldados, tentando escapar como tantos outros, poderiam não ter sobrevivido em algum dos vários momentos de apuros, como tantos outros.

Não somos nem mesmo levados a torcer para que eles sejam bem sucedidos para voltar para os braços de uma esposa e filhos, para cuidar de uma mãe doente, para perseguir o sonho de se tornar um engenheiro e reconstruir os escombros deixados pelas batalhas. A tensão do conflito já é tão grande, e Nolan a maneja tão bem, que panos de fundo nem são necessários.

Dentro das proporções de uma história de guerra, os personagens principais de Dunkirk são ordinários. Acompanhamos Mr. Dawson (Mark Rylance) em seu barco de lazer, mas em seu lugar poderia ser qualquer outro das centenas de civis que atendeu ao chamado do governo britânico para partir ao resgate dos soldados. O mesmo acontece nas outras duas tramas entrelaçadas.

O civil no mar (Mark Rylance)

Mr. Dawson não parece encarar a tarefa de enfrentar o mar em meio a ataques inimigos para resgatar soldados náufragos numa guerra como algo extraordinário. Ele parece estar só atendendo prontamente a um chamado. Fazendo o que era certo naquela situação. E por “certo” aqui leia-se “o que mais nos faz estar em conformidade com Cristo”.

A excelência no ordinário

Após falar sobre as diferentes manifestações dos dons do Espírito no capítulo 12 de sua primeira carta aos coríntios, Paulo finaliza dizendo “passo agora a mostrar-lhes um caminho ainda mais excelente”, seguindo a falar sobre o amor no famoso capítulo 13. Depois de abordar o extraordinário, fala sobre como isso não vale nada sem amor. E que coisa mais ordinária que essa?

Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, mas não tiver amor, nada serei” – 1Co 13:2

Fomos criados para sermos excelentes em nossas vidas normais, como pessoas humanamente ordinárias. Quando falamos algo como “minha vida daria um filme”, geralmente nos referimos àqueles momentos em que vivemos ou presenciamos algo excepcional, momentos que podemos contar nos dedos.

Esses poucos episódios fora do comum fazem sim parte da vida, mas também deixamos nossa marca no mundo através das outras milhares de histórias usuais das quais participamos todos os dias. Através da busca em levar nossas vidas normais com o propósito de estar em conformidade com Cristo, sendo excelentes no exercício das virtudes, tendo o amor como a maior delas.

O monumental, o magnífico e o ordinário

Com a ajuda de civis e com a cobertura das forças aéreas, 340 mil homens foram salvos nas praias francesas durante a Segunda Guerra Mundial. Um feito extraordinário, possível por conta da prontidão e da excelência de pessoas ordinárias. E de uma boa dose de provisão divina (não abordada no filme, mas vale a pena buscar por “o milagre de Dunquerque” por aí).

Além de um belo feito cinematográfico de Christopher Nolan e sua equipe, Dunkirk traz à tona algo de que é fácil se esquecer: em meio a um acontecimento monumental como uma guerra, há várias pequenas histórias que, por conta de suas virtudes, vale a pena contar. Do mesmo jeito, em meio à magnífica história de redenção, Deus usa as nossas, tão ordinárias.

  • Amanda Almeida, 24 anos. É formada em Comunicação Social e faz mestrado em Estudos de Linguagem. Escreve para o blog Ultimato Jovem sobre cinema.

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