Por Daniel Theodoro

Desde cedo alvo do adaptado trocadilho da piscicultura, “filho de crente, crentinho é”, a criança nascida em família evangélica tem forte tendência a se sentir um peixe fora d’água quando se descobre parte do errante mundo e nele se vê obrigada a nadar contra a corrente até quando Deus quiser.

Um fator que contribui para o sentimento de estranhamento é – acredite, leitor! – a igreja. Toda criança evangélica que inicia sua odisseia teológica na classe Cordeirinhos de Cristo (ou Timóteo I) da Escola Bíblica Dominical tem dificuldade para se sintonizar no mundo. Isso acontece porque parece haver uma dissintonia que compromete a plena compreensão daquilo que Jesus quer que o filho de crente seja.

Invariavelmente, o questionamento do filho de crente acerca da própria existência chegará, mais cedo ou mais tarde, ao intrigante axioma: “Sou filho de crente. Mas Deus tem netos?”. Só mesmo o amor divino aos pequeninos e o uso de muito flanelógrafo para resolver a crise existencialista na tenra idade.

Na sequência, outro fator que insiste em empurrar o filho de crente para uma realidade paralela – cujos valores em nada condizem com os vistos mundo afora – é a família. Relativamente bem orientado a respeito dos fundamentos cristãos, o adolescente evangélico sabe que purgatório não existe, no entanto sente-se parte integrante do dantesco reformatório das almas uma vez que se encontra preso à imposição moral dos pais, devendo cumprir à risca as regras do jogo para se dar bem.

Destaca-se que nesse período específico o adolescente evangélico – cuja natureza redimida parece dar mais espaço ao Espírito Supercrítico que ao Espírito Santo –  acredita estar pagando os pecados simplesmente porque obedece a regras que nunca farão parte do jogo praticado pelos amigos de fora da igreja. Boa parte das discussões com os pais nessa época da vida nasce a partir de um simples questionamento: “Se meus amigos de fora da igreja podem, por que eu não posso?”.

Lá pelo início da vida adulta, se a misericórdia de Deus e o arrependimento do filho de crente se cruzarem no caminho da Graça, a tendência é que se encerre a claudicante caminhada de um pé no céu e outro no purgatório. Emancipado do falso senso de pedigree cristão familiar, o jovem evangélico se encontrará diante do início de uma longa vereda de justiça cujo caminho aponta para a ofuscante luz da aurora.

Não será uma viagem fácil. Por vezes, haverá desapontamentos – inclusive com a família da igreja e de sangue. Mas se perseverar, o filho de crente também poderá contemplar o dia perfeito.

  • Daniel Theodoro, 33 anos. Cristão “em reforma” e membro nascido na Igreja Presbiteriana Maranata de Santo André (SP). Casado com a Fernanda. Formado em Jornalismo e Letras.
  1. Flávio Pereira de Deus

    Já escreveu-se uma vez que 8 horas por semana na igreja contra as cerca de 120 horas em que nos relacionamos com o restante do mundo não são suficientes… Mas oque me chama a atenção é que os pais , os líderes e os pastores não podem esquecer que são crianças, são jovens a se descobrir e descobrir o mundo e seus limites. O papo reto e direto sem censura deve acontecer sempre entre as partes. Fica um alerta em alguns casos o filho “pródigo” pode morrer antes de voltar para casa do pai. Mas nesse caso seu sangue não será requerido de nossas mãos.

    • Creio que tenha usado como exemplo, mas esse pensamento dualista de estar tempo “na igreja” e “no mundo” é o que pode ter causado uma boa parte desse sentimento de exclusão ou estranhamento nos jovens crentes. Não nasci na igreja, mas quase todo jovem que conheço que nasceu nela se desviou um momento e, ou se perdeu de vez ou se “reconverteu”. Isso talvez mostre um problema na criação da nossa geração que não gostaria que passasse para nossos filhos. E uma parte desse problema, creio, é esse separação de estar em certo momento num “ambiente santo”, vulgo igreja física, e num ambiente mundano, vulgo “o resto”. Ainda não aprendemos direito como lidar com isso.

  2. MEIRILENE PRAZERES GOMES

    Continuo achando que estamos colocando a responsabilidade para quem apenas precisa cooperar. A igreja é um braço! A família é o abraço inteiro. ela deve formar o ser intelectualmente, emocionalmente e espiritualmente. O grande problema é que estamos atribuindo responsabilidades à igreja quando a responsabilidade é do pai e da mãe. Tenho 43 anos. Meus pais me ensinaram sobre Deus, sobre masturbação, sobre mudança do corpo, sobre cidadania. Nada disto encontrei na igreja, pois para ela era um tabu. Mas, a responsabilidade não é dela mesmo. ela é apenas um braço. A família é o abraço! Vamos pensar nisto!

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