UltJovem_18_06_14_Torcedor_Brasil

Por Erica Neves

Não conseguia entender o fato de sentir a garganta apertada, tampouco o esforço hercúleo que teve de fazer a fim de segurar as lágrimas. Acabara de se sentar no sofá para assistir à abertura da Copa e já sentia um misto de emoções que só lhe acometiam em momentos muito especiais.

Depois de passar meses ressentida com o Mundial de futebol que desalojou milhares do seu povo, colocou em risco a vida e a integridade de tantos trabalhadores e expôs outros milhares de crianças ao abuso e exploração sexual, ela não podia aceitar esse misto de emoção e patriotismo exacerbados que começou a sentir na abertura do controverso torneio.

Até tentou resistir ao fluxo contraditório de emoções dizendo para o marido que estava torcendo pela desclassificação do Brasil! Mas bastou soar o apito de início do primeiro jogo e ela não tardou a se unir aos amigos na torcida efusiva pela “seleção canarinho”.

Seria lavagem cerebral feita pelos veículos de comunicação que se empenharam tanto para convencer o povo de que o Brasil só tem a ganhar ao sediar a Copa?

No entanto, uma outra compreensão a atingiu no momento em que ouviu o seguinte comentário da avó: “Minha primeira Copa foi em 1958. Você nem pensava em nascer e eu já estava torcendo e gritando para o Brasil ser campeão de futebol”.

De repente, uma alegria pelas vitórias da seleção brasileira misturada às lágrimas que vertera pelas amargas derrotas presenciadas desde a infância se apoderou dela. Finalmente compreendeu que para ela e outros tantos era muito mais que futebol!

Eram memórias que faziam parte de sua história e da história de muitos os que, desde tempos remotos, se reuniam com entes queridos em volta da televisão para torcer pela vitória do Brasil. Histórias essas que costumam vir acompanhadas de mesa cheia, risadas e apostas acerca do desempenho do Brasil e de outras seleções.

Histórias de pessoas que se ressentem da corrupção que assola sua pátria, mas que no momento de torcer pela seu time, se sentem inflamados de um orgulho de ser brasileiro que raramente experimentam em dias normais.

Rodeada de amigos e familiares, ela finalmente percebeu que essa história não iria desaparecer por causa das críticas (justificadas)  à série de irregularidades que precederam a realização da Copa no Brasil. Concluiu que é muito mais que uma taça de hexa que está em jogo nesses gramados.

Sentiu-se em paz ao perceber, finalmente, que torcer pela vitória da seleção verde-amarela não era uma traição aos seus ideais. Até porque sonhar pela vitória do Brasil em campo não exclui o sonho muito maior de ver seu país “fazer bonito” em vários outros quesitos.

Mas fez uma breve oração para que na próxima Copa do Mundo mais brasileiros e brasileiras tenham boas memórias para colecionar. Pediu a Deus consolo e esperança a todos os que tiveram suas vidas desrespeitadas em decorrência do Mundial. Pois o Deus que criou nossos craques, dotando-os do extraordinário talento pra dar um “show de bola”, não fica indiferente à injustiça e à opressão.

Pediu a Ele que mostrasse como proteger as crianças que estão agora ainda mais expostas à exploração sexual no turismo. Se for pro Brasil ser campeão, que seja também fora dos gramados ao se tornar exemplo de proteção e cuidado pelos mais vulneráveis.

Pediu ainda pra que esse sentimento nacionalista que nos une na Copa possa durar para além dela e que juntos, brasileiros e brasileiras que têm nas mãos as chances de construir um país melhor e mais justo, não se esquivem de sua responsabilidade de “pregar boas-novas aos pobres, proclamar liberdade aos cativos, libertar os oprimidos e anunciar o ano aceitável do Senhor”.

 

• Erica Neves, 26 anos, jornalista, mora em Goiânia (GO), casada com o Frederico, membro da Igreja Cristã Evangélica Central, mestranda em Mídia e Cidadania.

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil.

 

 

  1. Peço perdão à jornalista Erica Neves por ter chamado a sua belíssima reflexão sobre a copa de comentário. Apesar de ser tão jovem, demo stra também ser muito coerente e competente. Portanto, parabéns pela belíssima reflexão.

  2. De fato, torcer não significa abrir mão dos ideais. Mas além de oramos para Deus nos mostrar como proteger as crianças, etc., por que não tomar uma ação efetiva nessa direção? E daí, será que o ‘não torcer na Copa’ não é um protesto eficaz contra as mazelas da gestão pública?

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