Por Doroth de Assis

bicicletaEu e bicicletas nunca fomos muito amigas.

Aliás, eu e bicicletas sempre vivemos em pés de guerra. Para mim, bicicletas são brinquedos malditos, intransigentes e cruéis que aguardam um momento da minha desatenção para destruir minha dignidade.

Sou filha de um casal de professores que constituem uma mistura peculiar de hippies com cristãos reformados. Desde pequena, fui forçada a cumprimentar todas as pessoas, a participar de cultos domésticos, a ler a Bíblia em uma base diária e sistemática e a comer arroz integral, coisas que meus pais consideram essenciais para a realização plena de um ser humano. Algumas dessas atividades tornaram-se naturais e até mesmo prazerosas, e certamente serão transmitidas aos meus filhos. Porém, eles ainda tinham uma imposição inflexível: todos os seus filhos deveriam aprender a andar de bicicleta.

Resisti a aprender a dominar os pedais de uma bicicleta até os 15 anos. Mesmo depois de dominá-los, eu e os pedais ainda ficamos muito longe de sermos amigos. Perdi o equilíbrio sob a bicicleta algumas várias vezes, e meus 176 centímetros de altura fazem esses tombos serem no mínimo espalhafatosos. Em todas as situações em que eu me forçava a superar o medo e encarar a magrela, a minha única motivação era o orgulho de não deixar que um objeto inanimado me vencesse. Enquanto me concentrava em não cair da bicicleta, achava incompreensível que alguém achasse “divertido” andar naquela coisa opressora e ameaçadora.

Não sei bem o porquê, mas hoje foi diferente. Resolvi de novo encarar meus medos e acompanhar meus pais em um passeio de bicicleta por uma trilha em no parque central da cidade. Os dois me encheram de equipamentos de segurança, que iam de luvas até capacete e óculos protetores. Respirei fundo para sentir o cheiro das árvores frutíferas e fechei os olhos apreciando o vento soprando sob o meu rosto. Surpreendi-me: eu não estava tentando não cair.

Aprendi com a bicicleta que você pode escolher a forma com que trilhará a sua jornada: cuidando ao máximo para chegar ao destino sem cair, ou deliciando-se com cada etapa e surpresa do caminho. E atenção: só é possível escolher uma opção.

Quem não observa o mundo a sua volta e aprende a apreciar os presentes que Deus escondeu nele, estagna. E quem estagna, regride. Em algum lugar de Provérbios está escrito: “Até no riso, tem dor o coração”.  Engraçado. Vivemos sonhando com o dia em que seremos completos. Sonhando com aquele momento idílico em que estaremos perfeitamente em paz, em que encontraremos alívio, em que seremos amigos de Deus.  Vivemos nos preparando para esse dia. Vivemos atentos para não deixar qualquer coisa em nós atrapalhar isso. Mas, quer saber? Você não precisa ter todas as circunstâncias perfeitas para que aproveite tudo o que Deus tem a te oferecer. Talvez o medo de cair roube de nós todo o encanto do caminho.

Esse medo excessivo de errar rouba a paz de desfrutarmos em descanso daquilo que Ele é. Um coração assustado nunca conseguirá contemplar Deus. Quando o salmista diz no salmo 131 que sua alma é como uma criança desmamada, ele afirma que fez calar todas as vozes exteriores e interiores e está diante de Deus isento de preocupações, medos ou exigências. Santa Terezinha definiu bem este estado de entrega quando afirmou que “ser pequeno é não desanimar com as faltas próprias, pois as crianças caem com frequência, mas são demasiado pequenas para machucar-se seriamente”.

Não, eu não gosto de cair. Cair dói. Cair é vergonhoso, faz a gente ficar sem vontade de tentar de novo. Mas, veja bem: você vai cair de qualquer jeito. A tensão de manter-se sempre ereto, sem sequer virar para o lado não anula o fato de que você é humano, e humanos caem. Na verdade, estamos aqui por isso: porque um dia, o primeiro ser humano caiu. Independente de sua postura acerca das circunstâncias, você vai cair, e vai se machucar. Porém, Deus veio em forma de ser humano para ajudar aos que caíram. Para levantá-los, para curar suas feridas. A única forma de não machucar-se não é enrijecer-se diante da vida, mas entregar-se ao Pai que cuida de seus ferimentos. O segredo desta jornada é segurar nas mãos dEle, dar passos pequenos e aproveitar a vista!

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Doroth Nogueira de Assis tem 18 anos, é de Jundiaí (SP), cursa Serviço Social na UNIFESP e escreve no blog “Diário de uma Crisálida

  1. Absurdo, é a única palavra para descrever este texto! Um absurdo de lindo e interessante esta comparação, atribuo a este um lugar entre os melhores textos que já li seus Doroth!

  2. Somos duas que não gostamos das magrelas!!!! As magrelas machucam, as magrelas incomodam, as magrelas nos botam medo… mas, elas estã ai, e não vamos fazer com que elas desapareçam rsrsrs.
    Como vc mesma disse, podemos escolher. Eu escolho: deliciar-me com cada etapa e surpresa do caminho e manter viva a chama da esperança que Ele sempre estará comigo.
    Lindo texto, de uma linda dama =)
    Vc enche o meu coração de felicidade e alegria.

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