Por Marlon Teixeira

É contestável que o Evangelho transforma. A forma na qual somos criados e passamos a existir quando somos concebidos é pautada em certo orgulho transcendente de vida. Sentimos, após a consciência da idade, uma presença interna de algo único e intransponível: o “eu”. Esse sujeito identificado e desenvolvido passa a gerar soberbas autoestimas em nós, o que nos interioriza e nos transforma em indivíduos. Daí, o Evangelho só pode nos “destransformar”.

Apenas, única e exclusivamente Jesus pode trazer-nos a humildade, as sandálias de pau, os chinelos que simbolizam a ausência da elite, dos aplausos, dos elogios, do tapete vermelho. Só Ele, um Deus conosco, que lava os pés de seus discípulos [Jo 13.4,5], pode lavar nossos olhos para nos mostrar que ainda somos como a neblina que aparece e logo se dissipa [Tg 4.14], que nossas justiças são trapos de imundícia [Is 64.6] e que não passamos de cacos de barro [Is 45.9].

O Reino de Deus, portanto, é uma indústria que fabrica pessoas de verdade, como deveriam ser, ou seja, gente gentil de coração, simpática de alma, humilde de espírito. Crente desta estirpe é quem o Pai procura para lhe adorar [Jo 4.23]. Ele não quer filactérios* alargados ou franjas alongadas [Mt 23:5], nem deseja orações na praça [Mt 6.5] ou jejuns inconsequentes [Mt 9.14,15]. Deus apenas caça, como um caçador de fato, pessoas que reconheceram sua condição precária e dependente de graça.

“Destransformar” o super-homem, então, é uma ação espiritual das boas novas, que traz consigo implicações de vida prática e conceitual. Ser formado do pó da terra não é uma composição química muito superior nessa terra. Que lembremo-nos disso pelo menos na hora de morrer, e que batamos no peito hoje, não com o significado pejorativo da atualidade, mas com a compreensão histórica do publicano frente à do fariseu [Lc 18.9-14], que o fez assumir sua posição de pecador, obtendo assim o Reino dos Céus e sua, enfim, glória e exaltação [Mt 5.3].

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Marlon Teixeira, 20 anos, é de Ipatinga, MG.

*Filactério: faixa de pergaminho, com escritos religiosos, que os judeus enrolam no braço e prendem à fronte, ao fazer as orações.

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