Nascido em 27 de abril, John Stott completaria 96 anos hoje. Pelos relatos a respeito de sua vida e por sua obra é possível imaginar que se estivesse vivo, ainda dedicaria tempo para contemplar a natureza – e os passarinhos, em especial – orar, divertir-se e ser atencioso com quem quer que fosse.

No texto a seguir, John W. Yates, um dos assistentes de John Stott, relata como o notável pastor e escritor encarava cada novo dia.

 

Naquela primeira manhã, ao entrar no quarto de John Stott (meu escritório durante as horas do dia), eu encontrei um manuscrito de dez páginas escrito por ele próprio sobre minha mesa, junto a uma nota: “Isto é uma entrevista sobre um livro escrito para pessoas solteiras nos seus 20 anos. Você poderia dar um parecer a respeito do que eu disse, e sugerir quaisquer mudanças que a tornem mais interessante ou relevante?” Não que os pensamentos deste jovem de 21 anos fossem de algum valor, ainda assim, eu li cuidadosamente o manuscrito e listei várias sugestões de acréscimos, exclusões e modificações.

Na manhã seguinte, lá estavam novamente o manuscrito e uma nota em minha mesa: “O que você acha agora?” A entrevista tinha sido reescrita — e cada uma das sugestões aplicada. O britânico mundialmente renomado, escritor e professor de 75 anos, tinha consentido com cada parte de um conselho dado por um recém graduado em seu primeiro dia de trabalho.

Eu tinha aprendido uma característica chave de John Stott: sua humildade que desarma.

Conhecido principalmente por sua escrita e pregação, Stott tem sido um dos mais influentes líderes do mundo evangélico dos últimos anos. Muito se escreve sobre a teologia de Stott e sua influência no evangelicalismo em nível mundial, com pouca atenção dispensada à sua vida pessoal.

Como seu assistente em estudo de 1996 a 1999, responsável por tudo desde pesquisa à preparação de chá e execução de tarefas, eu tenho sido questionado sobre quais características pessoais fazem de Stott o homem que ele é. Das muitas características que eu poderia mencionar, estas me impactaram mais: sua humildade, sua disciplina de oração e seu equilíbrio entre trabalho e diversão.

É possível notar sua humildade primeiramente na prioridade que ele dá a outros. Falar com ele brevemente após o culto da igreja em um corredor lotado é ser o centro absoluto de sua atenção. Visitá-lo para uma reunião é ser bem-vindo em sua casa e ter um copo de chá oferecido por suas próprias mãos. Uma carta manuscrita de um jovem pastor na Nigéria recebe uma resposta também à mão.

“Humildade não é uma outra palavra para hipocrisia; é uma outra palavra para honestidade”, diz Stott. “Não é fingir sermos outra pessoa, mas conhecer a verdade sobre o que somos”.

Com um apurado senso do “paradoxo de nossa humanidade”, ele reconhece que nós somos primeiramente as mais gloriosas criaturas de toda a criação, redimidos por Cristo, e, ao mesmo tempo, rebeldes, zombadores e pecadores.

Isso pode ser um conceito teológico distante para alguns, mas, para Stott, trata-se de um princípio fundamental que alguém vivenciou em cada detalhe diário de uma vida agitada.

 

Coisas mais importantes em primeiro lugar

O dia começa às 5 da manhã para Stott. Ele balança suas pernas para o outro lado de sua cama e inicia o dia em oração:

Bom dia, Pai celeste; bom dia, Senhor Jesus; bom dia, Espírito Santo. Pai celeste, eu te louvo como Criador e Sustentador do universo. Senhor Jesus, eu te louvo, Salvador e Senhor do mundo. Espírito Santo, eu te louvo, Santificador do povo de Deus. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Assim como foi no início, é agora, e será para sempre. Amém.
Pai Celeste, eu oro para que eu possa viver este dia em sua presença e agradá-lo mais e mais. Senhor Jesus, eu oro para que neste dia eu possa carregar minha cruz e segui-lo. Espírito Santo, eu oro para que neste dia me enchas de ti e geres seus frutos para serem colhidos em minha vida: amor, alegria, paz, longanimidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Santa, bendita e gloriosa Trindade, três pessoas em um Deus, tem misericórdia de mim. Amém.

Há décadas, Stott tem iniciado cada dia com uma versão dessa oração trinitária.

Há um pequeno caderno de couro, completamente recheado de papéis dobrados e panfletos segurados por um forte elástico, que viaja como um irmão gêmeo da Bíblia de Stott. Toda manhã, tendo lido três capítulos das Escrituras e meditado neles em oração, ele pega seu caderno de oração, retira o elástico, e ora por amigos, família, ministérios e até mesmo desconhecidos.

Dentro do caderno há uma lista de oração diária constantemente revisada. Em impressão minúscula, as páginas são divididas em quatro colunas: por evangelismo ou novos convertidos, por pessoas que têm decisões a fazer, por doentes e enlutados, e por pedidos variados.

Cada dia ele lê, ora e altera essas quatro colunas. Sob as páginas em colunas há um pequeno amontoado de guias de oração. Stott ora diariamente pelos pedidos de até sete diferentes organizações a que está ligado.

Finalmente, tendo revisto os vários folhetos e panfletos, ele passa a uma antiga e gasta folha com um calendário mensal escrito à mão. Diariamente há uma lista de nomes, alguns datando 30 anos atrás, outros apenas poucos meses.

Para Stott, oração é o ritmo de cada dia. Desde a disciplina de intercessão matinal regular, à oração espontânea ao final de uma visita pastoral, dobrar os joelhos rapidamente diante da cama; todo dia é marcado por simples, despretensiosa, direta e persistente oração.

 

Trabalho como diversão

Um dia que começa às 5 horas da manhã e, pouco depois das seis e meia já possui alguém sentado à mesa será cheio. Stott passa a maior parte das horas diárias à mesa, em frente a um púlpito ou em reuniões. Isso não permite que ele tenha muito tempo livre para diversão e jogos. Apesar disso, ele é um forte adepto de uma vida equilibrada.

Isso ficou evidente durante o tempo em que Stott frequentava seu chalé, na costa sudoeste de Gales, onde, por quase cinquenta anos, ele passava três meses do ano. Ele se afastava de Londres para estudar e escrever no Hookses, uma casa de fazenda do século XIX com pisos frágeis, que sempre precisavam de conservação e reparo. Ele dedicava uma ou duas horas de cada tarde a essa “tarefa”.

Uma das grandes tarefas típicas no Hookses era limpar ervas daninhas e outras vegetações indesejadas de um pequeno tanque. Esse serviço era geralmente compartilhado por Stott, seu assistente e qualquer outro voluntário que o estivesse visitando. Vestindo botas de pesca até os joelhos, com suas mangas enroladas para cima ao máximo, ele percorria o comprimento e a amplitude do tanque, puxando as plantas.

Talvez nenhuma cena fosse mais surpreendentes para o assistente iniciante do que a de John Stott vestindo roupas encardidas, com metade das pernas em água gelada, sorrindo com satisfação, enquanto repetidamente afundava os braços descobertos na água para apanhar punhados de ervas e lançá-las à margem.

Havia também sua preferência por lavar louças. Por não contribuir com a preparação da comida, Stott insistia que ele tinha direito de lavar a louça acumulada durante o dia após o jantar. Voluntários, que não queriam vê-lo passar meia hora lavando louça, talvez tentassem contestar, mas ele sempre tinha uma desculpa.

Observar Stott lavando louça era testemunhar a combinação surpreendente entre uma mente meticulosa e o divertimento de uma criança na banheira. Cada louça era esfregada vigorosamente na pia da esquerda, e então sucintamente colocada no outro lado, que continha água quente para enxágue. O infeliz voluntário que assumisse o trabalho de secagem recebia uma borrifada de água e um risinho junto com cada louça.

Ao fim do ciclo, o voluntário estava encharcado, enquanto Stott se livrava de seu avental de plástico, tão seco quanto ao começar a tarefa.

 

Pios ao amanhecer

Talvez a maior paixão na vida de Stott além da Bíblia seja seu entusiasmo por pássaros. Em uma visita à Tailândia, ele começou três semanas movimentadas de ensino e pregação, acordando às 3h10 da manhã no primeiro dia para dirigir duas horas e meia até uma reserva de caça. Ele queria cumprimentar os pássaros da manhã ao nascer do sol.

Durante o restante dessa viagem, em meia dúzia de ocasiões distintas, ele organizou saídas especiais para contemplar as maravilhas da natureza, com binóculos em mão e olhos voltados para cima. Alguns podem ser tentados a ver esse tipo de devoção como fanatismo, outros, que conhecem o homem, veem isso pelo que é: adoração.

Risada, travessuras, trabalhos simples, e um amor pelo mundo natural; tudo isso forma o equilíbrio da vida disciplinada de Stott. O tanque está logo ali fora da janela de estudos, as louças sujas estão apenas a alguns cômodos de distância, e os pássaros estão em todo lugar.

Não há um segredo especial para o sucesso de Stott, ou uma característica que o faça ser quem é. Ao contrário, aqueles que têm a chance de entrar em sua vida, para ver e ouvir, passam a conhecer um homem de gentil humildade, oração regular e – para alguém tão diligente no trabalho – uma surpreendente vida equilibrada.

 

Traduzido por Maisa Haddad

 

John W. Yates III é coautor, junto de seu irmão, Chris, de A Incrível Aventura de Quatro Anos: Encontrando Verdadeira Fé, Diversão, e Amizade na Universidade, Editora Baker.

 

Texto originalmente publicado na página de Christianity Today Para ler o texto original, clique aqui.

Foto: John Medcraft

 

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