No dia 9 de abril Ian Sample, correspondente de ciência do “The Guardian”, publicou um comentário juntamente com o áudio da entrevista concedida a ele por John Polkinghorne, físico-matemático e sacerdote anglicano, autor de diversos livros de referência sobre o diálogo entre ciência e religião. A entrevista fora motivada pelo lançamento recente do livro “Questions of Truth: God, Science and Belief”,de Polkinghorne, no qual vários aspectos do debate sobre ciência e religião são tratados em forma de pergunta e resposta.

No conteúdo da entrevista, nada muito especial, de fato. Sample pergunta sobre as razões para a crença de Polkinghorne em Deus, na encarnação do Verbo, na ressurreição dos mortos, na vida após a morte etc. No finalzinho temos uma questão sobre criacionismo e Design Inteligente na sala de aula, e é só. As respostas de Polkinghorne foram sóbrias, essencialmente ortodoxas e claramente escandalosas para o entrevistador. É o que se depreende de seus brevíssimos, mas esclarecedores, comentários sobre o assunto: “Eu estava interessado em falar com John porque desejava tentar compreender como ele poderia crer em coisas extraordinárias para as quais não há nenhuma evidência. Isso é o que me fascina a respeito de pessoas religiosas […] Eu não tinha nenhum interesse em atacar as crenças de Polkinghorne, confusas o quanto me pareçam, contudo eu queria saber porque ele sustenta as crenças que sustenta. O irritante foi que eu não alcancei o tipo de insight que esperava”, disse Sample, em meio a resumos bastante simplórios e banalizantes das crenças de Polkinghorne.

Nenhum diálogo lúcido, nenhum esforço visível para compreender o sentido da fé cristã. Mas aqui, certamente, precisamos dar ao leitor um pouco mais de orientação contextual. Polkinghorne colaborou com ninguém menos que o Prêmio Nobel Paul Dirac, foi professor de física-matemática na Universidade de Cambridge (como colega de Stephen Hawkings), ex-diretor do Queen’s College e fundador da International Society for Science and Religion.

Porém não é apenas o seu currículo que é preocupante para uma pequena mas ruidosa minoria de cientistas céticos; o fato é que o trabalho de Polkinghorne para mostrar as ligações implícitas entre a religião e a ciência já mostrou o seu valor permanente. O verdadeiro motivo da entrevista de Sample foi o livro a que nos referimos, “Questions of Truth: Fifty-one Responses to Questions About God, Science, and Belief” (Westminster John Knox Press), escrito com a assistência de Nicholas Beale. Como se não bastasse o aval de dois Prêmios Nobel ao livro, além de diversas figuras já conhecidas, como Alister McGrath e Francis Collins, o lançamento da obra foi feito na Universidade de Chicago no encontro anual da “American Association for the Advancement of Science” (AAAS, a SBPC americana) e em um evento especial da Royal Society, com a presença de três vice-presidentes e mais de quarenta membros da mais distinta associação científica do mundo (para o desespero dos “Novos Ateus”). O secularista inglês A. C. Grayling acusou Polkinghorne de “desonrar” a Royal Society e considerou a coisa toda um escândalo. Mas a julgar pelo apoio dos FRS (Fellows of the Royal Society) a Polkinghorne, a sua irritação não reflete nem mesmo o “establishment” científico inglês atual.

Não é de se admirar, portanto, que alguns céticos se sintam atônitos. Coisas assim não deveriam acontecer. Cientistas renomados não deveriam ter fé e ser membros da Royal Society. Mas isso nem sempre os leva a considerar seriamente o cristianismo. E alguns deles se lançam a esforços pouco científicos como o de tentar compreender em uma entrevista de treze minutos se este ou aquele cientista crente não tem, afinal de contas, um parafuso solto. Contudo eu posso garantir que Polkinghorne não tem fé devido a um parafuso solto. Eu o conheci pessoalmente em Cambridge e sei que sua lucidez corresponde perfeitamente à sua titulação acadêmica.

Se Ian Sample se desse ao trabalho de investigar o que, afinal de contas, está por trás das crenças de Polkinghorne e de outros cientistas influentes sobre Deus e o cristianismo, descobriria que há, sim, sérias motivações para a crença em Deus e, mais ainda, para a crença no Deus de Jesus Cristo, o Deus-Pai, criador do céu e da terra.

Como Polkinghorne gosta de apontar em seus livros, o fundamento original de todas as coisas não é uma força ou uma substância material, e sim uma pessoa infinita. E pessoas não são conhecidas por meio de metodologias objetificantes, apropriadas apenas a fatos impessoais. Pessoas são conhecidas no interior de relações do tipo eu-tu, nas quais a confiança, e não o teste experimental, é a principal ferramenta cognitiva. Pessoas são invisíveis para a ciência empírica, mas nem por isso são menos reais. Portanto a ciência é inútil para “provar” Deus. No máximo ela pode “falsificar” os falsos deuses.

Não é verdade que Polkinghorne crê em coisas sem nenhuma evidência, como Sample sugere maldosamente. Não apenas há evidências que apontam para Deus, mas experiências de um Deus pessoal que, embora reais, estão além do espectro visível à ciência empírica.

Isso é sem dúvida “irritante”, como o disse Sample, para pessoas que gostariam de passar o universo inteiro por tubos de ensaio. Mas se até mesmo eu sou grande demais para um tubo de ensaio, o que dizer do criador de todas as coisas?