MarkTwainWbMuito se fala hoje em nosso país de moralização, de combate à corrupção e à impunidade. O povo nas ruas, as manifestações, os cartazes exigindo mais ética, mais justiça, mais respeito por parte dos políticos, tudo parece demandar uma resposta clara e imediata da parte do governo. O anseio geral parece ser o expurgo, a purificação da cidade de todos aqueles que a corrompem.

No meio de tantos acontecimentos e impasses, vale a pena ouvir o que os poetas têm a dizer. Quem sabe a literatura, familiarizada com a linguagem da imaginação e com as possibilidades da vida e da história, possa trazer alguma contribuição para o entendimento dos tempos atuais. Há um conto do escritor norte-americano Mark Twain que parece trazer subsídio para frutíferas reflexões sobre a discussão em torno da honestidade, corrupção e vida urbana. O título do conto é “O Homem que Corrompeu Hadleyburg”.

“Foi há muitos anos. Hadleyburg era a cidade mais honesta e correta que havia em toda aquela região”. Assim começa o conto que fala de uma cidade moralmente incorruptível, aparentemente perfeita segundo os princípios do puritanismo norte-americano. Mas eis que aparece um homem estranho, um pedinte que, por alguma razão, não é bem recebido, pois a humildade e a hospitalidade não eram virtudes muito cultivadas naquela cidade. Tendo sido humilhado, o estranho decide se vingar de forma engenhosa, corrompendo a cidade inteira.

Ele deixa um saco de ouro na porta da casa dos Richards, uma das 19 famílias mais honestas e ilustres da cidade, junto com uma mensagem dizendo que o saco contém uma doação em ouro para a única pessoa de toda a cidade que o ajudou com $ 20,00 e um conselho que mudou a sua vida e o ajudou a fazer fortuna com jogo de cartas. Pois bem, dentro do saco havia um envelope selado contendo as palavras que lhe foram ditas na ocasião, que apenas essa pessoa certa poderia saber. Essa entrega poderia ser feita secretamente ou publicamente.

O boato se espalhou por toda a cidade e o saco de ouro no valor de $ 40.000,00 dólares acabou se tornando uma grande tentação para todos aqueles ilustres habitantes cuja virtude de fato nunca havia sido provada antes. O resto da história apenas mostra como a aparente honestidade dos habitantes de Hadleyburg se revela artificial e falsa.

Por um lado, o conto critica os riscos em que pode cair o moralismo: rigor legalista, obsessão pela culpa, medo da tentação, orgulho espiritual que fecha os olhos para o estranho, o diferente. Por outro lado, o conto confirma uma das mais basilares afirmações do puritanismo: a depravação total da humanidade, que poderia ser traduzida nas palavras de Romanos 3.10-12: ” Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só”.

Gladir Cabral

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