carol gama1Foi em Belo Horizonte, numa exposição da artista plástica Carol Gama, que conheci este poema de Cecília Meireles.  Ao chegar em casa, fui correndo buscar o velho livro Flor de Poemas, que repousava calmamente em minha estante.  Percebi, então, que eu já havia lido e esquecido o poema.  Como pode isso? Pode, sim. Nossa memória é frágil e por isso é preciso que leiamos os velhos poemas sempre de novo e que cantemos mais uma vez as velhas canções.

Canção Quase Inquieta

De um Lado, a eterna estrela
e do outro a vaga incerta,

meu pé dançando pela
extremidade da espuma,
e meu cabelo por uma
planície de luz deserta.

Sempre assim:
de um lado, estandartes do vento …
– do outro, sepulcros fechados.
E eu me partindo, dentro de mim,
para estar ao mesmo momento
de ambos os lados.

Se existe a tua Figura,
se és o Sentido do Mundo,
deixo-me, fujo por ti,
nunca mais quero ser minha!

(Mas, neste espelho, no fundo
desta fria luz marinha
como dois baços peixes,
nadam meus olhos à minha procura …
Ando contigo — e sozinha.
Vivo longe — e acham-me aqui…)

Fazedor da minha vida,
não me deixes!
Entende a minha canção!
Tem pena do meu murmúrio,
reúne-me em tua mão!

Que eu sou gota de mercúrio
dividida,
desmanchado pelo chão …

(Cecília Meireles, Flor de Poemas, 4. ed., 1972, p. 81)

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