O jornal The New York Times lançou uma campanha com o tema “verdade” no intervalo do Oscar, intitulada “Truth is Hard”. Encontrar a verdade não é uma tarefa fácil, principalmente neste cenário saturado por opiniões. A intenção do maior jornal do mundo é resgatar a importância do jornalismo na busca pela verdade dos fatos de forma independente.

Me chamou atenção uma das frases da campanha:

Truth. It´s more important now than ever.
(“Verdade. É mais importante agora do que nunca” – tradução livre)

A verdade sempre foi um tema caro para o Cristianismo. Infelizmente, muitos mataram e muitos morreram por causa dela. A intolerância com quem pensa diferente gera, muitas vezes, quebras de relacionamentos e ódio.

Mas a campanha do NYT nos lembra que a verdade não é só uma questão de “ponto de vista”. Se assim o fosse, seria fácil, não precisaríamos buscá-la. Todo ponto de vista nasce de um ponto inicial, da interpretação de um fato, de um olhar primeiro. O problema é o caminho entre este começo e o fim da busca. Tal trajetória é cheia de armadilhas e de intenções – algumas puras, outras não. Deste caminho surge a manipulação.

Mas a pior maneira de reagirmos a esta crise de compreensão é sepultarmos a noção de verdade (como elemento definidor). Sacrificando a verdade podemos até acalmar os ânimos de uma briga, mas não continuaremos a caminhar por muito tempo. Ao longo do tempo, perderíamos o sentido último das coisas.

As dúvidas nos fazem ampliar o horizonte do caminho, mas o que, de fato, nos faz continuar caminhando são as certezas. Tem razão quem diz que não sabemos tudo sobre o destino, mas também está certo quem afirma que ainda assim há uma direção real e concreta.

Sim, afirmar que há uma única verdade pode gerar orgulho. Precisamos ter muito cuidado. Mas afirmar que não há verdade é menosprezar a própria natureza humana, porque tudo o que fazemos vira história. E ainda mais grave: é negar a revelação concreta do Deus que é Verdade (Jo 1). Tomé não sabia para aonde ir, mas Jesus lhe indicou o caminho (Jo 14.6).

Não, não é tão fácil encontrar a verdade. Exige honestidade, coragem e humildade para reconhecer que não sabemos tudo. Mas nada pode nos fazer desacreditar no que vemos com nossos próprios olhos, nas relações genuínas, nos valores que se fazem eternos. Podemos até errar na busca pela verdade, mas não perderemos a fé em algo melhor e maior, que supera os erros, que se faz permanente, único. Afinal, há esperança sem verdade?

O problema não é a verdade. São os mentirosos.

 

CAMPANHA DO NYT

 

Texto atualizado em 28/02/2017, às 7h54.

  1. “Truth is Hard” é uma propaganda idealizada para resgatar a importância do jornalismo americano independente (que não existe), fazendo alusão à erosão da verdade em um cenário saturado por opiniões. Tem Trump e a era dele em vista.

    Este tem sido alvo de críticas por divulgar informações equivocadas e tentar barrar o trabalho de alguns veículos de imprensa. Uma delas, sobre o NYT, “é a primeira vez que o fracassado NYT faz um anúncio para salvar sua reputação” (Trump).

    O NYT aproveitou a premiação do Oscar, e fez propaganda, tão estúpida quanto à crítica ao NYT feita pelo Trump, de que este bastião da imprensa está quebrado, o que provavelmente é próximo da verdade. O dono da Amazon comprou o Washington Post, e não vai demorar a comprar o seu concorrente, como expressão de que o NYT está em fim de linha e Trump estaria certo.

    Este é o contexto em que a propaganda nasceu. Já morreu, como toda a propaganda. Cumpre uma função e desaparece. Nenhuma imprensa está interessada na busca da verdade, a evangélica inclusive. Todas servem a seus respectivos propósitos e interesses os quais chamam de verdade. A rigor, a conveniência da hora é que faz a verdade, ainda que sem a imprensa, a verdade seria zero.

    Afirma o autor do artigo aqui que “a campanha do NYT nos lembra que a verdade não é só uma questão de “ponto de vista”. Se assim o fosse, seria fácil, não precisaríamos buscá-la.”

    Seu autor ainda vive aquele período onde se afirmava com uma segurança inquebrantável que não apenas há verdades, mas há verdades eternas. Como se existisse algo ‘extrínseco’ ao homem, ou no melhor estilo populista de Platão, em algum lugar existisse em um mundo das ideias, fonte de toda a verdade. Foi o tempo, até o fim do século retrasado que ainda se pensava assim porque o Cristianismo era imbatível e funcionava urbi et orbis. Não mais.

    Mas Lissânder está certo, “afirmar que não há verdade é menosprezar a própria natureza humana, porque tudo o que fazemos vira história. E ainda mais grave: é negar a revelação concreta do Deus que é Verdade (Jo 1).” João bordeja Platão, claro, com o seu ‘verbo’.

    A primeira parte da afirmação dele não faz sentido, visto que o homem e sua história bordejam justamente entre a mentira maior e a menor, onde a suposta verdade será sempre a fonte de inspiração. Mas quem dirá, onde está (a verdade)? A história humana demonstra que as guerras provam que essa busca é insana. Aliás, a suprema mentira será aquela que começa afirmando que “se Deus é por nós, quem será contra nós”, imperando em seguida a força da espada (Islamismo) e o poder da espada (conquistas cristãs no mundo Ocidental).

    Não há verdade, portanto?
    Não. Há história de todos quantos procuram buscar a verdade como sendo aquela que seja a mais justa possível (Platão é um ilusionista).

    E quando outra suposta verdade aparece, digamos aquela da esquerda, a título de exemplo, ou da direita, os homens procurarão a melhor maneira de fazer valer aquela que o tempo se encarregará de mantê-la como verdade.

    O problema não é a verdade, são os mentirosos?

    E porventura existirá a primeira sem a segunda? Ou, subsiste a primeira sem a segunda?

    Costuma-se alimentar a (suposta) verdade de que o Cristianismo é a verdade. Verdade, a menos, claro, que não se considere a história humana, e nesta história o homem, e neste homem o cristão, e neste cristão o evangélico, e todos eles constituindo um todo como expressar a verdade que existirá.

    Mas aí será ressurgir a figura de Platão, talvez o maior mentiroso que produziu uma verdade que de tanto verdade verdadeira foi, preferiu considera-la (a verdade) como habitando em o mundo das ideias.

    • Ah, Eduardo! Meu caro, Eduardo!
      Diga-me, antes: o que o move? Então afirme que nada é verdade.
      Dê-me sua certeza de que não há nenhuma certeza.
      Faz-me confiar em ti. Mesmo que teu ensino me leve a crer que não devo confiar em ninguém.

      Ah, Eduardo! Meu caro, Eduardo!
      Não permitas que te tomes pela mão todo o escárnio do mundo, não permitas que ele substitua tua lucidez.
      Tão somente porque o escárnio é pesado demais para se carregar.

      E se é, de fato, difícil encontrar a verdade – ou talvez até impossível,
      Que ela nos encontre num dia comum como qualquer outro
      Numa noite ordinária como qualquer outra.

  2. Se eu precisasse de um tutor ou aio, meu caro Lissânder, socorreria-me em você. Acho você uma pessoa realmente honesta e profundamente amparadora. Se tivesse que escolher entre um vizinho e outro, não pensaria duas vezes. Compro um carro usado seu sem abrir o capô.

    Mas infelizmente o equívoco não é propriedade de ninguém. Seja bem vindo ao clube, se lhe agrada.

    Seus escritos, bem pensados, dóceis, mas em geral marcados por um viés já matizado desde o começo por definição muito própria, me faz pensar daquele indivíduo que acha que deve parar de comer torresmo pela suspeita de canibalismo e imagina que a vizinhança toda corre perigo.

    • “Se eu precisasse de um tutor ou aio, meu caro Lissânder, socorreria-me em você. Acho você uma pessoa realmente honesta e profundamente amparadora. Se tivesse que escolher entre um vizinho e outro, não pensaria duas vezes. Compro um carro usado seu sem abrir o capô.”
      Xi… eu não entendo nada de carro. Você teria que verificar o capô, sim! rs

      ***
      “Mas infelizmente o equívoco não é propriedade de ninguém. Seja bem vindo ao clube, se lhe agrada.”
      Obrigado pelas boas-vindas, mas já participo do clube há tempos.

      ***
      “Seus escritos, bem pensados, dóceis, mas em geral marcados por um viés já matizado desde o começo por definição muito própria, me faz pensar daquele indivíduo que acha que deve parar de comer torresmo pela suspeita de canibalismo e imagina que a vizinhança toda corre perigo.”

      Você confia totalmente no torresmo que come? Eu não. Mas não deixo de comer, claro. Torresmo é uma delícia!

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