porta

Já era quase meia-noite, quando ele ouviu as batidas na porta da sua casa. Levantou-se, vestiu-se e foi ver. Era seu velho amigo de infância. Chegava de viagem, sem avisar — exatamente como os amigos verdadeiros fazem. O dono da casa sentiu uma grande alegria, mesmo que, ao lembrar-se da despensa vazia, no fundo constrangeu-se. “Não importa, dá-se um jeito”, pensou ele. O vizinho ao lado certamente o socorreria e não teria problemas em arrumar alguns pães para a refeição do amigo.

Ele, que por vezes, lembrava-se dos tempos de criança, agora poderá ter um período alegre com o amigo que sempre esteve ao seu lado nas brincadeiras e traquinagens. Enquanto caminhava até a casa do vizinho, as imagens das risadas e dos sonhos surgiam à mente. Isso o fez esquecer que a hora já era tarde.

Bateu na porta do vizinho uma vez. Silêncio. Bateu mais uma, duas, três.

– Empreste-me três pães, porque um amigo meu chegou de viagem, e não tenho nada para lhe oferecer.

Uma voz irritada então soou:

– Não me incomode. A porta já está fechada, e eu e meus filhos já estamos deitados. Não posso me levantar e dar a você o que você me pede”.

Ele lembrou-se assim que não era realmente um horário propício para chamar o outro. Mas também lembrou-se que a amizade com este vizinho era longa e sabia que a irritação não passava de incômodo circunstancial. Resolveu insistir.

– Amigo, me perdoe, mas preciso da sua ajuda. Vou insistir para que você abra a porta e me atenda.

Ao perceber a insistência, o dono da casa admitiu que, se ele mesmo tinha pouca paciência, aquele que batia em sua porta, ao contrário, era generoso com o tempo. Generoso em dedicar-se à conversa, generoso ao lidar com os defeitos dos outros (inclusive, com a impaciência dele mesmo). Enquanto ouvia a batida e a voz, do lado de dentro este vizinho levantou-se — contra sua própria vontade –, vestiu-se e escolheu os melhores pães da sua mesa. Ao abrir a porta, olhou em seus olhos e, numa mistura de constrangimento e brincadeira, os dois riram. A amizade superara os incômodos*.

Orar é viver, acima de tudo, no critério da Amizade, mesmo que isso gere importunações. Orar é cear com amigos, mesmo quando a despensa está vazia. Orar é receber do Outro o pão que necessitamos. Orar é estar com a porta aberta a qualquer hora. Orar é abrir o coração e a comunhão para Deus e, em extensão, para o próximo.

* paráfrase de Lucas 11.1-12

 

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